Com
vinte minutos de filme dá pra notar que, por trás de
toda a verborragia, existe um projeto bem definido de
imagem no novo filme de George Clooney. Em seu preto
e branco de aparelho de TV dos anos 50, Clooney trata
do episódio da caça às bruxas com uma aparente linguagem
seca e jornalística. Aparente porque, para além dos
cortes rápidos e dos contraplanos funcionais, Clooney
insiste em mostrar com sua câmera, não só o que está
em destaque (e deveria, em tese, atrair a atenção do
público), mas os mínimos olhares trocados, o espaço
claustrofóbico onde se dá essa luta de jornalistas por
um ideal. Esse espaço é uma sala minúscula onde se dão
as reuniões de pauta de um programa de prestígio, “See
it Now” – apresentado por Edward Murrow, mas custoso
para a emissora incipiente, CBS. Existe também o bar,
reduto dos jornalistas que se apinham entre mesas apertadas
com jornais à mão para comentar a repercussão do último
programa. Por último, existe um casal que não pode se
assumir como tal porque é proibido relacionamento amoroso
entre colegas de setor.
Há muito mais força no desfocar de personagens importantes
como o de Clooney (diretor do programa) do que nos closes
de reação, e Clooney (o diretor do filme) parece entender
perfeitamente que o fora de quadro pode ser até mais
eficiente quando se torna dentro do quadro – mesmo que
pareça continuar fora de quadro. São detalhes: do pedaço
de gente que anuncia alguma notícia primordial, do aparelho
televisivo que transmite os depoimentos dos perseguidos
pelo macarthismo, do personagem que lê a matéria mas
tem sua cabeça cortada, dos olhares de David Strathairn
(um Edward Murrow terno e responsável), de seu bordão
final, justamente o que dá nome ao filme, tão nobremente
entoado. Detalhes que não fogem ao olhar atento e sensível
de Clooney.
Que se note também o risco de se descambar pra uma crítica
via Michael Moore, comparando os EUA daquela época aos
de hoje. Clooney pode até querer essa conexão, mas ela
não se dá pelo viés de denúncia e sim pelo da esperança:
Frank Langella, que interpreta magistralmente o chefão
da CBS, é o personagem-chave nessa busca pelo ideal
jornalístico do outro lado; o contraponto sensato à
“porralouquice” idealista dos jornalistas. É ele quem
segura o rojão, não censurando, não pressionando, mas
alertando para os excessos do programa, que poderiam
afetar a emissora e causar demissões. No pronunciamento
deflagrador de Murrow, ele diz que pode conviver com
amigos comunistas sem ser influenciado por seus ideais
políticos. Clooney poupa a todos no meio político da
época, menos o senador Joseph McCarthy e o jornalista
do Washington Post que provocou o suicídio de um outro
âncora, comunista enrustido de um outro programa da
CBS.
Pode-se dizer que o momento da política americana durante
o macarthismo é tão escancaradamente ridículo, como
o próprio filme reforça, que qualquer contraponto tornaria-se
redundante, pois o prestígio do âncora já fornece todos
os dispositivos críticos à política do senador. Mas,
claro, há os patrocinadores: sem eles, qualquer tentativa
de levar esclarecimento ao público dá em fracasso. O
programa é mandado para um horário ingrato, e o diretor
do programa tem a difícil missão de fazer cortes em
seu pessoal. Mas o filme termina como começou, com Murrow
dando uma palestra, em 1958, sobre seu passado na TV,
e sobre o futuro do jornalismo – fazendo a ponte, desnecessária,
com a situação atual com que tanto sonham os críticos
americanos.
Sérgio Alpendre
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