BIBLIOGRAFIA COMENTADA

MANOEL DE OLIVEIRA, org. Álvaro Machado
Cosac & Naify, 2005

Lançado durante a retrospectiva do realizador na última Mostra de SP, o livro reúne diferentes fontes de materiais: artigos sobre sua obra (a maioria republicações), entre os quais se destacam a análise aguda de João Bénard da Costa sobre a presença do feminino na obra de Oliveira e o olhar bastante pessoal de Inácio Araújo sobre sua experiência com os filmes do diretor; quatro textos do próprio Oliveira (onde se destaque a transcrição de um discurso de 2002, quando foi eleito doutor honoris causa na Universidade de Lisboa, e no qual ele traça um olhar sobre sua relação com o cinema - sintomaticamente chamado de "Esta minha paixão"); uma cuidadosa filmografia comentada que traz alguns trechos de críticas e comentários do próprio Oliveira sobre cada um dos seus trabalhos; e finalmente uma longa entrevista com o diretor, realizada por Leon Cakoff em 2004. Esta última, principal material inédito do livro, se aprofunda pouco na obra de Oliveira, mas dá muito espaço para que ele fale livremente sobre uma série de temas que o interessam hoje, o que permite acima de tudo uma aproximação bem mais pessoal com o pensamento do Oliveira para além do cineasta. Algo de muito interessante, ainda mais quando feito por um gênio do cinema aos 96 anos de idade, completamente lúcido, podendo olhar com distância para toda uma vida. O conjunto do livro tem como maior destaque esta amplitude de aproximações com a obra de Oliveira, e serve de material precioso para um primeiro olhar publicado no Brasil sobre ela. (E.V.)

MANOEL DE OLIVEIRA - Edição especial de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, número 12-13
Instituto Camões (Lisboa), 2001

Compilação de vários textos sobre e pelo cineasta português. O principal texto analítico da revista está disponível no livro publicado no Brasil pela Cosac & Naify (o de João Bénard da Costa), assim como os textos Os caminhos da prostituição e Rios da terra, rios da nossa aldeia, do próprio Oliveira. O material mais valioso deste catálogo, então (para além de uma rica iconografia com stills e fotos de filmagem), são os testemunhos pessoais de uma série de colaboradores de Oliveira ao longo de sua carreira, como é o caso do músico João Paes, da continuísta (e mais antiga parceira de set ainda trabalhando com ele) Julia Buisel, e de atores como Maria de Medeiros e Glória de Matos - mas o mais rico para os interessados na história recente do cinema mundial é mesmo a entrevista com o produtor Paulo Branco, que ajuda muito a explicar a capacidade produtiva que Oliveira exerceu a partir dos anos 80. Fora isso, há alguns textos analíticos breves (e francamente menos interessantes), um informativo painel sobre a recepção crítica do cineasta na França (sem a qual, como podemos ver, sua carreira também não teria conseguido o mesmo rumo), dois textos então "atuais" sobre sua carreira (ou seja, publicados juntos com o lançamento de Vou para Casa), e finalmente uma filmografia completa que, embora menos rica em comentários que a da edição em livro brasileira, possui as fichas técnicas completas e premiações de todos os seus filmes até então. (E.V.)

CONVERSAS COM MANOEL DE OLIVEIRA, Antoine de Baecque e Jacques Parsi
Campo das Letras (Porto), 1999 (traduzido do original francês de 1996)

Esta extensa entrevista com o diretor resulta de vinte e duas horas de conversa dos autores, em 1994, depois retomada em 1996. Nela, há espaço para Manoel de Oliveira discorrer sobre os mais variados temas, com uma preocupação não-paralisante de passar pelas diferentes fases da sua carreira. Claro que, em se tratando de Oliveira, cinema, vida e História se entrecruzam o tempo inteiro, mas até pela inflexão mais analítica dos seus entrevistadores (o que eventualmente cria aquela impressão desagradável da tentativa de validamento de algumas teses pela voz do próprio realizador de uma obra), vai mais fundo no tema dos filmes de Oliveira do que a entrevista que está disponível no livro publicado pela Cosac & Naify. Curiosamente, porém, embora realizada com um cineasta de quase 90 anos então, a entrevista fica rapidamente "obsoleta", por assim dizer, no que se refere a uma tentativa de análise mais completa da obra de Oliveira que os entrevistadores eventualmente arriscam, não por ser datada historicamente, e sim porque entre 96 e hoje ele realizou, simplesmente, outros 10 longas-metragens! (E.V.)

MANOEL DE OLIVEIRA E A MONTRA DAS TENTAÇÕES, José de Matos-Cruz
Sociedade Portuguesa de Autores/Publicações Dom Quixote (Lisboa), 1996

Um dos principais esforços em sistematizar em forma de livro um pensamento sobre o cinema de Manoel de Oliveira, este livro parece um pouco uma bricolagem de diversos materiais, alguns mais necessário, outros menos. Como destaque maior, uma "Entrevista panorâmica" de 50 páginas com Oliveira que tenta dar conta especificamente dos filmes de Oliveira e das relações que se pode estabelecer entre eles. O segundo destaque é para a filmografia bastante completa, com fichas técnicas exaustivas (inclusive com data de primeira exibição pública, o que é essencial para datar uma filmografia com alguns dados diferentes, como a de Oliveira) e menção ao trabalho teatral e aos filmes em que Oliveira participou como ator. Uma tentativa de Filmografia comentada em "Roteiro cinematográfico", apesar dos textinhos meio telegráficos, mostra diversas belas idéias sobre cada filme em particular. Completa o livro um caderno precioso de fotografias, com fotos de Oliveira jovem, fotos de filmagem, fotografias de cena e cartazes dos filmes. (R.G.)

CAHIERS DU CINÉMA, anos 80 (edições 326, 328, 330, 373 e 379)
Éditions de l'étoile (Paris)

Na verdade, o começo de avaliação do cinema de Oliveira pela revista francesa Cahiers du Cinéma data de 1977, quando Serge Daney escreve "Notes sur le cinéma de Manuel de Oliveira" descrevendo-o como um marginal no seio do cinema português, um cinema que "não existe – ou quase não existe". Em 1979, o mesmo Serge Daney faz um texto de defesa – texto mais de divulgação do que de análise, na verdade – de Amor de Perdição, para contrapor à má recepção que o filme vinha tendo no país natal do diretor e propagandear o filme em seu próprio país. Mas a entrega incondicional da revista a Manoel de Oliveira se dá quando da exibição de Francisca na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 1981. É Charles Tesson, que viria a ser um dos maiores "advogados" do cineasta português, que dispara: "Francisca: uma paixão", na cobertura de Cannes (#326). Dois números depois, uma extensa entrevista com Oliveira feita por Charles Tesson e Michel Chion, possivelmente aquela em que o diretor mais contribuiu a explicar seu processo criativo e mostrar suas idéias sobre cinema como fixação e sobre transposição cinematográfica (que ocupa todo o seu trabalho nos anos 70 e 80). Dezembro de 1981: Francisca estréia na França e o filme ganha a capa da revista, além de uma bela crítica de Serge Daney. Na votação da revista, as desventuras de Fanny Owen com José Augusto e Camilo atingirão a posição máxima de filme do ano. Em 1985, a saga continua: O Sapato de Cetim é defendido por Michel Chion em Cannes (#373): "É preciso um homem como Manoel de Oliveira, um imenso realizador, para nos fazer encontrar no cinema a virtude mágica e como que sagrada do registro". No número 379, O Sapato de Cetim é capa da revista, ganha crítica de Charles Tesson ("Uma epopéia da paixão") e nova entrevista com Pascal Bonitzer e Michel Chion. Daí para a frente, o terreno estaria assegurado e Oliveira jamais deixaria de ser um "autor-Cahiers". (R.G.)