ALÉM DO AZUL SELVAGEM
Werner Herzog, Wild Blue Yonder, EUA, 2005

Além do Azul Selvagem se anuncia como “fábula de ficção científica”, embora, em aparência, seja unm documentário. A ambivalência se justifica: utillizando imagens captadas por terceiros, mas lhes alterando o contexto e o significado, Werner Herzog, na prática, explana a respeito da relação conturbada que mantém com a natureza em seu próprio cinema, no qual ela não é mãe, mas madrasta de personagens que se autodestroem por sonharem demais.

Em Aguirre, A Cólera dos Deuses, em Fitzcarraldo e em Cobra Verde, Werner Herzog mergulha na natureza para mostrar os devaneios megalomaníacos de Klaus Kinski, cujos personagens representam o apogeu do homem ocidental individualista e empreendedor. Contudo, ao invés de subjugarem o meio ambiente como desejam, os heróis do cineasta acabam dominados por ele, na medida em que, apesar de “civilizados”, guardam em si as pulsões animais que os levam rumo à loucura. Sonhadores ensandecidos, eles encarnam ao mesmo tempo o estado de cultura e o estado de natureza, esquizofrenia que os corrompe e que inevitavelmente os aniquila.

A narrativa de Além do Azul Selvagem é conduzida por extraterrestre que, vindo da galáxia de Andrômeda, enxerga no avanço terráqueo pelo espaço sideral o mesmo motivo – a destruição do planeta natal – e a mesma consequência – a destruiçâo do novo planeta descoberto – da jornada empreendida por sua própria espécie há milhares de anos. Herzog transforma imagens subaquáticas da Terra em visôes do “Azul Selvagem” para dizer que a exploraçâo humana está indelevelmente associada à conquista, que a aventura e a ousadia da descoberta termina na pilhagem do ambiente, que o sonho da civilizaçâo racionalista deságua na loucura da seleçâo natural. Antes de sujeitos à Lei dos Homens, os personagens que habitam os contos-de-fadas do diretor – inclusive esta “fábula de ficçâo científica – encontram-se presos à Lei da Selva, que nâo apenas se situa no mundo exterior agindo de fora para dentro, como também está impresso no código genético de cada um, prestes a explodir.

A natureza para Werner Herzog é violenta, assim como os homens – mesmo que, pelo ponto de vista de Thomas Hobbes, a organizaçâo geral do Estado procure estabelecer a convivência comum ao retirar do indivíduo a violência para concentrá-la na esfera supra-coletiva. Trata-se de predadores que lutam para sobreviver em um ambiente por si mesmo predatório: o meio natural não como lugar de vida, mas de morte; não enquanto espaço para a criação, e sim para a destruição. Assim, o que entender da afirmaçâo, ao final de Além do Azul Selvagem, de que a Terra se tornou um santuário, um recanto de férias para os homens? Embora mais agradável, seria ingênuo pensar na resoluçâo pacífica do conflito com a natureza que, ao longo de quarenta anos, têm motivado os filmes de Herzog. Deve-se, ao contrário, inferir que o cineasta se vale da ironia para atacar novamente a corrupçâo do habitat natural que se propaga em todas as espécies, unidas que estão pelos genes: o terceiro planeta do sistema solar já não dá conta dos desvarios humanos, cujo relacionamento sado-masoquista com a natureza precisa se estender rumo ao universo inteiro.

Sado-masoquismo à parte, Além do Azul Selvagem deixa entrever que ainda existem sonhadores entre os homens, dispostos a se baterem até o fim contra a natureza que os subjuga. Se a fé quase cega no sonho termina na loucura, tanto melhor: do que valeria viver, diz Herzog, se não fosse para sonhar?.


Paulo Ricardo de Almeida