Há cineastas cuja repetição
de determinados recursos estilísticos e maneirismos
ao longo de sua obra acabam por levar a um sucessivo
enfraquecimento da mesma, especialmente a partir do
ponto em que tais recursos tornam-se previsíveis, passando
a funcionar como meros cacoetes. É nesta situação, ao
que parece, que encontra-se atualmente Atom Egoyan.
A estrutura de seus filmes, que apresentam-se como um
conjunto de camadas sucessivas, muitas vezes aparentemente
desconectadas, que aos poucos vão convergindo para a
definição de um todo funcionou, e impressionou tremendamente
bem em Exótica (1994), e atingiu níveis de brilhantismo
e perfeição com O Doce Amanhã (1997). A partir
de Ararat (2002), Egoyan deixa de surpreender,
principalmente pelo fato de cair em um universo de reiteração
e auto-citação, tornado mais evidente pelas maiores
pretensões daquele projeto, que abandona um microcosmo
e um grupo restrito de personagens que povoavam os filmes
de 94 e 97, e manifesta um desejo – frustrado, diga-se
de passagem – de realizar um retrato da alma e do holocausto
do povo armênio, origem étnica do cineasta.
Com esse trabalho mais recente, Where the Truth Lies,
Egoyan abandona parcialmente uma proposta de cunho histórico
e quase universal, fazendo, à sua maneira, um filme
de gênero. Temos basicamente uma história de investigação.
Karen (Alison Lohman) é uma jornalista que escreve um
livro sobre uma dupla de comediantes que atingira seus
tempos de glória nos anos 50, mas que contém uma névoa
em seu passado: a morte de uma moça, cujo corpo foi
encontrado na banheira de um quarto de hotel usado pelos
dois. A dupla, formada por Lanny Morris (Kevin Bacon)
e Vince Collins (Colin Firth), encontra-se separada
em 1972, momento em que Karen faz seu trabalho, motivada
não somente pela investigação em si, mas também pelo
fato de reencontrar-se com seus ídolos de infância.
Egoyan desenvolve a trama, baseada em romance de Rupert
Graves, aplicando mais uma vez sua estrutura calcada
em gradativas revelações. Que aqui, seja pelo já destacado
desgaste dos recursos de Egoyan, seja pela previsibilidade
dos elementos e personagens de Where the Truth Lies,
já não guarda qualquer resquício de algum impacto que
possa ter existido nos filmes anteriores do diretor.
Motivações e atitudes das personagens são demasiado
óbvias, e um pouco de atenção nos leva a antecipar uma
trama que se pretende construir através de revelações
surpreendentes. Isso poderia até ser pouco importante,
caso as principais intenções de Egoyan fossem fazer
uma desmitificação do culto e da construção de celebridades,
ou centrar-se em algum outro tipo de abordagem crítica
ou até mesmo nostálgica. Se tais intenções não deixam
de aparecer de forma tangente, o que sobressai em Where
the Truth Lies parece ser o desejo de Egoyan em
fazer um filme no qual “simplificaria” um pouco seu
estilo rebuscado, de forma a contar uma história mais
acessível, um filme mais vendável, apelando inclusive
para elementos de uma exploração sexual aparentemente
gratuita, mas pertinentes no contexto geral.
Se Egoyan consegue evocar de forma satisfatória os diferentes
elementos das épocas (1957 e 1972) nas quais se desenvolve
a ação de Where the Truth Lies, além de atingir
um eficiente trabalho com os atores –Kevin Bacon e Colin
Firth estão bastante bem e Alison Lohman bem que se
esforça, mas fica devendo alguma coisa numa personagem
mais madura – isso é muito pouco para tirar da vala
comum da mediocridade a carreira de um cineasta que
há menos de uma década vinha sendo incensado como figura
expressiva no panorama cinematográfico. Falta a Where
the Truth Lies, acima de tudo, autenticidade e verossimilhança.
Esse último fator, conforme bem destacou Alfred Hitchcock,
seria de pouca importância como elemento essencial a
um cinema de gênero, mas parece inevitavelmente necessário
a um filme cujo título original propõe a idéia de buscar
onde mora a verdade.
Gilberto Silva Jr.
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