Saenghwalui balgyeon, Coréia
do Sul, 2002
Yeojaneun namjaui miraeda, Coréia do Sul/França,
2004
Turning Gate e A Mulher é o Futuro
do Homem, mesmo não se configurando como
trabalhos iniciais da carreira de Hong Sang-Soo (são
seus 4º e 5º filmes, respectivamente),
podem servir perfeitamente como marcos introdutórios
a sua obra. Principalmente por estarem impregnados por
um estilo já devidamente sedimentado e amadurecido.
E, se não a primeira, ao menos uma das mais precoces
impressões que tais filmes liberam sobre esse
estilo é a sua limpidez. No cinema de Hong Sang-Soo
não parece haver muito espaço para floreios,
sua simplicidade e objetividade são gritantes.
Ao mesmo tempo, tal simplicidade é banhada de
uma riqueza de detalhes no que compete à caracterização
das personagens e dos espaços por onde eles habitam
ou transitam.
Hong Sang-Soo é antes de tudo um cineasta do
tempo presente. Não somente pelo fato de seus
filmes se passarem em época contemporânea,
mas principalmente pelo fato de seus protagonistas estarem
quase irremediavelmente prisioneiros de um momento de
vazio em suas vidas, uma espécie de limbo, ao
mesmo tempo fugaz e eterno, para o qual não parece
haver futuro a ser vislumbrado e no qual as tentativas
de resgate de momentos passados – felizes ou não
– acabam por ser todas igualmente frustrantes.
A ação dos filmes de Hong Sang-Soo retrata
fatias da vida de suas personagens que, apesar de caracterizarem
um espaço cronológico curto, parecem definir
toda a sua existência. E essa idéia de
repetição mais se ressalta na apresentação
dos filmes sempre em duas etapas distintas que se espelham
a todo instante. É a vida que segue em fluxo
ao mesmo tempo contínuo e cíclico, sem
que hajam reviravoltas ou soluções que
alterem drasticamente o curso dessa existência.
Com isso, as conclusões aparentemente abruptas
que o cineasta sempre apresenta, seja para algumas seqüências,
mas em especial ao terminar seus filmes, se mostram
de uma extraordinária coerência para com
suas intenções de não propor qualquer
solução redentora para suas personagens,
em especial pelo fato de simplesmente não acreditar
nelas.
Visto assim, pode parecer que as personagens de Hong
Sang-Soo, dentro de suas existências cíclicas,
pareçam estar imersas dentro de um fatalismo
que os aproximaria de figuras trágicas. Longe
disso, não há uma condenação
a repetir um destino predeterminado. Essa sucessão
de eventos é retratada como nada menos que integrante
natural da vida, mesmo quando embasadas em uma história
contada repetidamente através dos tempos, como
em Turning Gate, onde as experiências vividas
pelo protagonista remontam a uma lenda milenar.
Desse modo, sem que se possa reduzi-los a figuras felizes
ou infelizes, os seres humanos retratados por Hong Sang-Soo
existem e seguem ao sabor de uma vida cuja ordem natural
das coisas parece se definir pela tríade falar-beber-trepar.
Em Hong Sang-Soo não se bebe pelo prazer da degustação
nem tampouco para de embriagar, mesmo que essa inevitável
conseqüência do ato acabe por determinar
muitas das atitudes das personagens. Mas a bebida faz
parte de suas vidas de forma que faz-se impossível
dela dissociá-la. Assim como o sexo, que quase
sempre se mostra não como determinado pela paixão
ou por um tesão intenso, descontrolado, mas por
um instinto quase racional, por mais paradoxal que possa
perecer tal idéia. Não emoção,
não busca do gozo, mas ato irremediavelmente
inexorável dentro do fluxo de experiências
vivenciadas. Não há como deixar de se
destacar a forma como Hong Sang-Soo filma suas cenas
de sexo, fazendo delas algo nada excitante mas profundamente
autêntico.
Essa autenticidade de estende igualmente aos diálogos
criados por Hong Sang-Soo. Tendo em vista não
apenas a abundância como também a importância
dessas longas seqüências onde as personagens
conversam ao longo de seus filmes, torna-se inevitável
um paralelo entre ele e Eric Rohmer. Mas se Rohmer é
um cineasta que dota suas personagens de uma loquacidade
infinita, onde os mais diversos assuntos brotam com
incrível espontaneidade, os diálogos de
Hong Sang-Soo destacam sempre os silêncios constrangedores,
aquilo que deixou de ser dito, ou, mais ainda, aquilo
que é dito por falta de coisa melhor para dizer.
Nada define mais intensamente essa faceta do cinema
de Hong Sang-Soo que esta pequena frase tirada de Turning
Gate: "Vamos nos beijar para quebrar o gelo."
Só isso bastaria para fazer dele um cineasta
de identidade ímpar no panorama atual. Inconfundível
e obrigatório.
Gilberto Silva Jr.
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