VINHO DE ROSAS
Elza Cataldo, Brasil, 2005

O começo de Vinho de Rosas, em seu tom impressionantemente menor, parece estabelecer da parte do filme uma relação de confronto com a concepção mais careta e repetida do filme histórico, negando toda uma proposta de enredo e de dramaticidade. Não é verdade, porém: o filme enveredará, logo, por caminhos já um tanto trilhados no que se refere a estes dois quesitos. O que este começo parece indicar, então, é mais uma falta de domínio da montagem e desenvolvimento de sua estrutura narrativa – o que, aliás, é algo para lá de comum em um filme de estréia, como é o caso aqui. Fosse este o principal problema de Vinho de Rosas, ele seria facilmente descontável na operação final de seus prós e seus contras. Porém, esta certa “falta de jeito” (que poderia ser adorável até), na medida em que vai se revelando crônica em constantes desníveis narrativos, e muito mais ainda no que se refere à direção de atores (o fantasma do recital de teatro filmado, que tanto assombra várias das narrativas históricas, aqui é presença constante), acaba desinteressando gradativamente o espectador do desenlace do que narra (sem maiores surpresas, aliás).

Este desinteresse é que acaba nos indicando a existência de um problema um tanto mais grave do que o sucesso ou não no desenvolvimento desta narrativa. Este problema, é importante que se diga, está longe de ser exclusividade de Vinho de Rosas, no cinema brasileiro atual – mas, nem por isso, pode ser ignorado: trata-se da falta de estabelecimento de relações com um público. Vinho de Rosas parece querer ignorar veementemente sua realização num determinado momento histórico do cinema brasileiro, porque não parece ter preocupação alguma de falar com alguém em especial, dentro do panorama do que seja o público do cinema hoje. Note-se bem: o estabelecimento de comunicação com um determinado público não deve nunca ser a medida de sucesso de um filme. Mas, se justifica-se por definição nos experimentos mais arriscados de um Julio Bressane ou de um Rogério Sganzerla, em filmes clássico-narrativos ao extremo, com poucas aspirações de fato a uma relação mais aventureira com a linguagem cinematográfica, como é o caso deste aqui, ganha tons muito mais de um forte anacronismo.

Como dissemos antes, este é um problema (e notem que usamos a palavra problema, e não a palavra defeito, distinção importantíssima) muito maior do que apenas deste filme. Curiosamente, inclusive, foi um problema que se revelou em várias das recentes produções mineiras (como é o caso desta aqui) - lembremos, por exemplo, de O Circo das Qualidades Humanas ou Aleijadinho. Ao ver qualquer um destes filmes, a sensação do deslocamento temporal é inevitável: parece-nos que assistimos a algo que saiu de uma máquina do tempo e, que, involuntariamente (e aí está grande parte do problema), aliena de si mesmo toda e qualquer consideração mais prática quanto a sua circulação – o que é muito mais curioso quando sabemos que a diretora estreante tem longa experiência em Minas justamente como exibidora.

Não por acaso, os dois filmes acima praticamente não existiram na relação com o espectador, e passaram quase imediatamente da estréia (à qual pelo menos chegaram, o que vários outros não podem dizer terem feito) para as prateleiras das cinematecas. Claro que há outras variáveis, inúmeras das quais um filme não pode ter controle, na sua chegada ou não a público. Vários filmes brasileiros recentes até com um considerável apelo popular considerável sofreram de sorte pouquíssimo diferente dos citados – seja por falta de cacife financeiro na distribuição, seja por não terem atingido o público certo na hora certa, seja por tantas e tantas outras coisas. No entanto, o que se quer notar aqui é que determinados filmes por si mesmos, antes de qualquer outra coisa entrar em jogo, parecem trazer consigo do nascedouro o estigma desta desatenção com um olhar contemporâneo (atenção, aliás, não significa conformismo, e sim ter consciência de algo e agir de acordo com isso) – e infelizmente, este parece ser o caso de Vinho de Rosas.

Que fique claro, porém: não se quer aqui nem ser arauto de um difícil futuro comercial para o filme (pelo contrário, adoraria estar muito errado e que ele se revelasse um grande sucesso), nem julgar a validade ou não de sua realização (que defenderei sempre). Se quer apenas levantar um tema que parece relevante, para além até mesmo deste filme, e que foi o tema que me ocupou os pensamentos durante boa parte da experiência de assistir ao filme. Pode-se pensar até que este não é assunto relevante para uma crítica, por aparentemente fugir da seara da apreciação estética do filme - mas isso está ligada a uma noção excessivamente restrita do que é a crítica. Até porque, que eu tenha pensado mais nisso que na história que era narrada, não me parece nem sem relação com o tema discutido, nem algo que se possa ignorar na hora de escrever sobre este trabalho.

Eduardo Valente