O começo de Vinho de Rosas,
em seu tom impressionantemente menor, parece estabelecer
da parte do filme uma relação de confronto com a concepção
mais careta e repetida do filme histórico, negando toda
uma proposta de enredo e de dramaticidade. Não é verdade,
porém: o filme enveredará, logo, por caminhos já um
tanto trilhados no que se refere a estes dois quesitos.
O que este começo parece indicar, então, é mais uma
falta de domínio da montagem e desenvolvimento de sua
estrutura narrativa – o que, aliás, é algo para lá de
comum em um filme de estréia, como é o caso aqui. Fosse
este o principal problema de Vinho de Rosas,
ele seria facilmente descontável na operação final de
seus prós e seus contras. Porém, esta certa “falta de
jeito” (que poderia ser adorável até), na medida em
que vai se revelando crônica em constantes desníveis
narrativos, e muito mais ainda no que se refere à direção
de atores (o fantasma do recital de teatro filmado,
que tanto assombra várias das narrativas históricas,
aqui é presença constante), acaba desinteressando gradativamente
o espectador do desenlace do que narra (sem maiores
surpresas, aliás).
Este desinteresse é que acaba nos indicando a existência
de um problema um tanto mais grave do que o sucesso
ou não no desenvolvimento desta narrativa. Este problema,
é importante que se diga, está longe de ser exclusividade
de Vinho de Rosas, no cinema brasileiro atual
– mas, nem por isso, pode ser ignorado: trata-se da
falta de estabelecimento de relações com um público.
Vinho de Rosas parece querer ignorar veementemente
sua realização num determinado momento histórico do
cinema brasileiro, porque não parece ter preocupação
alguma de falar com alguém em especial, dentro do panorama
do que seja o público do cinema hoje. Note-se bem: o
estabelecimento de comunicação com um determinado público
não deve nunca ser a medida de sucesso de um filme.
Mas, se justifica-se por definição nos experimentos
mais arriscados de um Julio Bressane ou de um Rogério
Sganzerla, em filmes clássico-narrativos ao extremo,
com poucas aspirações de fato a uma relação mais aventureira
com a linguagem cinematográfica, como é o caso deste
aqui, ganha tons muito mais de um forte anacronismo.
Como dissemos antes, este é um problema (e notem que
usamos a palavra problema, e não a palavra defeito,
distinção importantíssima) muito maior do que apenas
deste filme. Curiosamente, inclusive, foi um problema
que se revelou em várias das recentes produções mineiras
(como é o caso desta aqui) - lembremos, por exemplo,
de O Circo das Qualidades Humanas ou Aleijadinho.
Ao ver qualquer um destes filmes, a sensação do deslocamento
temporal é inevitável: parece-nos que assistimos a algo
que saiu de uma máquina do tempo e, que, involuntariamente
(e aí está grande parte do problema), aliena de si mesmo
toda e qualquer consideração mais prática quanto a sua
circulação – o que é muito mais curioso quando sabemos
que a diretora estreante tem longa experiência em Minas
justamente como exibidora.
Não por acaso, os dois filmes acima praticamente não
existiram na relação com o espectador, e passaram quase
imediatamente da estréia (à qual pelo menos chegaram,
o que vários outros não podem dizer terem feito) para
as prateleiras das cinematecas. Claro que há outras
variáveis, inúmeras das quais um filme não pode ter
controle, na sua chegada ou não a público. Vários filmes
brasileiros recentes até com um considerável apelo popular
considerável sofreram de sorte pouquíssimo diferente
dos citados – seja por falta de cacife financeiro na
distribuição, seja por não terem atingido o público
certo na hora certa, seja por tantas e tantas outras
coisas. No entanto, o que se quer notar aqui é que determinados
filmes por si mesmos, antes de qualquer outra coisa
entrar em jogo, parecem trazer consigo do nascedouro
o estigma desta desatenção com um olhar contemporâneo
(atenção, aliás, não significa conformismo, e sim ter
consciência de algo e agir de acordo com isso) – e infelizmente,
este parece ser o caso de Vinho de Rosas.
Que fique claro, porém: não se quer aqui nem ser arauto
de um difícil futuro comercial para o filme (pelo contrário,
adoraria estar muito errado e que ele se revelasse um
grande sucesso), nem julgar a validade ou não de sua
realização (que defenderei sempre). Se quer apenas levantar
um tema que parece relevante, para além até mesmo deste
filme, e que foi o tema que me ocupou os pensamentos
durante boa parte da experiência de assistir ao filme.
Pode-se pensar até que este não é
assunto relevante para uma crítica, por aparentemente
fugir da seara da apreciação estética
do filme - mas isso está ligada a uma noção
excessivamente restrita do que é a crítica.
Até porque, que eu tenha pensado mais nisso que
na história que era narrada, não me parece nem sem relação
com o tema discutido, nem algo que se possa ignorar
na hora de escrever sobre este trabalho.
Eduardo Valente
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