Um trabalho bastante pessoal
marca esta estréia de Liev Schreiber na direção. Trabalho
de retorno a origens familiares (seja de Liev, seja
do autor do livro em que se baseia), mas também de encontrar
raízes cinematográficas bem mais fincadas nestas origens
– Leste Europeu – do que num cinema americano clássico,
ainda que o filme passe sem medo pela idéia de se tratar
sim de um olhar radicado na América, mas com profundo
interesse nas formas distantes.
O filme se compõe basicamente da ida de um jovem americano
à Ucrânia para tentar encontrar um pequeno vilarejo
no interior do país aonde seu avô viveu. Ele tem como
hobbie colecionar os mais variados objetos que
o ajudam a manter a memória – e a memória é algo vital
neste filme –, e na viagem conta com a ajuda de um jovem
guia – o único outro personagem a falar inglês no filme
– e seu avô que também tem seu passado entrelaçado com
a região. Além da busca pelas raízes, há o judaísmo
em questão, mostrado no filme como se mesmo hoje ainda
houvesse uma certa tensão forte dentro do país sobre
o tema. Schreiber traça assim mais do que um mero retorno,
uma espécie de tentativa de compreensão desse país que
lhe é distante, mas tão importante, sem deixar de mostrar
um lado mais político da Ucrânia, vista como um país
ainda mal resolvido com os problemas do passado.
Os pontos de contato mais fortes do cinema de Schreiber
aqui são com os filmes de Emir Kusturica, especialmente
no tom de humor, mas também num estilo de filmar e cortar;
mas se os caminhos e idéias flertam, cada um tem um
foco direto um tanto diferente. O timing dos
atores é excelente, em especial Eugene Hutz que é quem
dita os tempos dentro do filme no geral, com o humor
alternando entre estilos, mas sempre sob o controle
de Schreiber. Há um ou outro momento em que as coisas
parecem escapar do controle, como no uso da imagem congelada
ainda no começo, seguido da narração em off,
aonde o humor verborrágico funciona menos do que no
resto do filme; além do uso da imagem se congelando
de certa forma ir contra a coerência estética do filme
como um todo. Ainda no aspecto cômico, há que se destacar
o uso do humor físico em alguns momentos, como com o
cachorro Sammy Davis Jr. Jr., gerando alguns dos momentos
de encenação mais acertadas do filme.
Schreiber é bastante direto nos tempos do filme, nada
é arrastado e sim até rápido demais, estruturando a
narrativa de forma apertada entre capítulos, que a narrativa
até justifica ao fim, mas que soa sempre como um atalho
fácil para escapar dos tempos mortos em um filme em
que os tempos já são calmos. Há ainda opções um tanto
estilizadas que também destoam, ainda que existam certos
excessos no filme, como as cores radiantes do jardim
em contraste com as cores envelhecidas que escolhe mostrar
o país no geral; ou como a cena da morte do avô, em
especial o momento em que a cena retorna pela segunda
vez, com o plano em plongée que dá um peso desmedido
e que quebra um certo equilíbrio do clímax no filme.
Mas Schreiber consegue momentos fortes o bastante para
que os eventuais deslizes não pesem tanto, especialmente
na forma como consegue mostrar o que lhe interessa –
e aí incluídos temas pesados, sem perder o clima feel
good que permeia o filme. E, por fim, também existe
a curiosidade de se observar uma produção americana
onde mais da metade dos diálogos são em uma outra língua,
sem que isso se torne um excesso. A impressão mais importante
é a de que os momentos fortes permanecem mais que os
deslizes, e tendem a crescer ainda mais na memória.
Estréia mais do que digna.
Guilherme Martins
|