UMA VIDA ILUMINADA
Liev Shreiber, Everything is illuminated, EUA, 2005

Um trabalho bastante pessoal marca esta estréia de Liev Schreiber na direção. Trabalho de retorno a origens familiares (seja de Liev, seja do autor do livro em que se baseia), mas também de encontrar raízes cinematográficas bem mais fincadas nestas origens – Leste Europeu – do que num cinema americano clássico, ainda que o filme passe sem medo pela idéia de se tratar sim de um olhar radicado na América, mas com profundo interesse nas formas distantes.

O filme se compõe basicamente da ida de um jovem americano à Ucrânia para tentar encontrar um pequeno vilarejo no interior do país aonde seu avô viveu. Ele tem como hobbie colecionar os mais variados objetos que o ajudam a manter a memória – e a memória é algo vital neste filme –, e na viagem conta com a ajuda de um jovem guia – o único outro personagem a falar inglês no filme – e seu avô que também tem seu passado entrelaçado com a região. Além da busca pelas raízes, há o judaísmo em questão, mostrado no filme como se mesmo hoje ainda houvesse uma certa tensão forte dentro do país sobre o tema. Schreiber traça assim mais do que um mero retorno, uma espécie de tentativa de compreensão desse país que lhe é distante, mas tão importante, sem deixar de mostrar um lado mais político da Ucrânia, vista como um país ainda mal resolvido com os problemas do passado.

Os pontos de contato mais fortes do cinema de Schreiber aqui são com os filmes de Emir Kusturica, especialmente no tom de humor, mas também num estilo de filmar e cortar; mas se os caminhos e idéias flertam, cada um tem um foco direto um tanto diferente. O timing dos atores é excelente, em especial Eugene Hutz que é quem dita os tempos dentro do filme no geral, com o humor alternando entre estilos, mas sempre sob o controle de Schreiber. Há um ou outro momento em que as coisas parecem escapar do controle, como no uso da imagem congelada ainda no começo, seguido da narração em off, aonde o humor verborrágico funciona menos do que no resto do filme; além do uso da imagem se congelando de certa forma ir contra a coerência estética do filme como um todo. Ainda no aspecto cômico, há que se destacar o uso do humor físico em alguns momentos, como com o cachorro Sammy Davis Jr. Jr., gerando alguns dos momentos de encenação mais acertadas do filme.

Schreiber é bastante direto nos tempos do filme, nada é arrastado e sim até rápido demais, estruturando a narrativa de forma apertada entre capítulos, que a narrativa até justifica ao fim, mas que soa sempre como um atalho fácil para escapar dos tempos mortos em um filme em que os tempos já são calmos. Há ainda opções um tanto estilizadas que também destoam, ainda que existam certos excessos no filme, como as cores radiantes do jardim em contraste com as cores envelhecidas que escolhe mostrar o país no geral; ou como a cena da morte do avô, em especial o momento em que a cena retorna pela segunda vez, com o plano em plongée que dá um peso desmedido e que quebra um certo equilíbrio do clímax no filme.

Mas Schreiber consegue momentos fortes o bastante para que os eventuais deslizes não pesem tanto, especialmente na forma como consegue mostrar o que lhe interessa – e aí incluídos temas pesados, sem perder o clima feel good que permeia o filme. E, por fim, também existe a curiosidade de se observar uma produção americana onde mais da metade dos diálogos são em uma outra língua, sem que isso se torne um excesso. A impressão mais importante é a de que os momentos fortes permanecem mais que os deslizes, e tendem a crescer ainda mais na memória. Estréia mais do que digna.

Guilherme Martins