TRILOGIA: VALE DOS LAMENTOS
Theo Angelopoulos, Trilogia to Livadi pou Dakrusi, França/Grécia/Itália, 2005

Em Trilogia: Vale dos Lamentos, Theo Angelopoulos pretende passar a limpo a História da Grécia através da vida trágica de Eleni, desde sua chegada à Tessalônica em 1919 até a morte de seus filhos no conflito civil que assolou o país no imediato pós-Segunda Guerra Mundial. No entanto, a incapacidade do diretor em mesclar os dramas pessoais da protagonista com as transformações políticas que a cercam, bem como a longa duração de cada plano que apenas serve para explicitá-los e torná-los óbvios, fazem do filme exercício melodramático pretensioso e, para o espectador, igualmente tedioso.

Grupo de expatriados gregos, fugindo da revolução socialista na Rússia, chega à Tessalônica, terra pobre e estéril. Entre eles, encontra-se a órfã Eleni, que se apaixona pelo irmão de criação, com quem gera, ainda adolescente, dois filhos. Prometida em casamento ao padrasto – líder da comunidade que acabará encoberta pelas águas –, ela foge com o amante que, músico, possui como protetor um ativista sindical contra o fascismo. Juntos ou separados, o casal enfrenta as dificuldades impostas pela época em que vivem: a pobreza do país, a ascensão fascista e as guerras mundial e civil, além das repreensões sociais e morais contra o amor proibido que nutrem um pelo outro.

Vale dos lamentos, ou vale das lágrimas: Angelopoulos tenciona montar amplo painel histórico a fim de representar o sofrimento da Grécia ao longo da primeira metade do século XX. Eleni (referência à helênica, ou seja, à nação e à cultura em si) atravessa toda sorte de agressões e de maus tratos – sobretudo a morte daqueles a quem ama – em busca do amor e da felicidade para, ao final, ver-se sozinha em meio ao caos reinante. A onipresença da personagem principal durante o filme, não por acaso, faz-se acompanhar pela água em suas mais diversas manifestações, estabelecendo a conexão entre o choro constante da heroína pelas próprias feridas e as dores que marcam o nascimento da Grécia contemporânea.

A relação Eleni e a Grécia, porém, naufraga, na medida em que Trilogia: Vale dos Lamentos não cria vínculos suficientes das privações emocionais da heroína com as turbulências que solavancam o país. Como Angelopoulos procura abarcar gama vasta demais de acontecimentos, a narrativa somente pontua as histórias individuais e subjetivas de Eleni com citações deslocadas à História (entendida como sucessão cronológica de fatos que afetam a sociedade inteira) da nação, de modo que, fora do contexto que os abrigariam e dariam sentido, os sentimentos e as vivências da protagonista passam a valer por si mesmos, exacerbando o melodrama pessoal e, em contrapartida, esvaziando o que há de político na construção da “alma” grega,ou seja, nas feridas que cada indivíduo imerso na cultura helênica carrega consigo como herança das atribulações passadas junto à comunidade com que se identifica.

Embora abrace o melodrama em Trilogia: Vale dos Lamentos, Angelopoulos mantém as características de seus filmes anteriores: a dilatação do tempo através de longos planos-seqüências e a tentativa de expressar o mundo a cada plano. Se plasticamente belos, os planos-seqüências em questão pecam ao deixarem tudo às claras, ao explicitarem os sentidos que contêm – por conseguinte, intimados pelo cineasta a mergulhar no tempo estendido à procura da revelação, o espectador encontra apenas o vazio da obviedade, como na cena em que, dos carneiros pendurados na árvore, a câmera enquadra lentamente a poça de sangue no chão: símbolo da culpa do casal pela morte do pai/padrasto, que eles precipitaram ao fugirem da aldeia e ao mergulharem a família na vergonha. O procedimento de começar em plano geral para, em demorados zoom in, reenquadrar acontecimentos específicos, não remetem à suposta conexão entre o total e o particular que o filme esboça, mas somente levam a potência das ações que estão dispersas pelo ambiente rumo ao nada absoluto que, ao final, elas suscitam.

É doloroso saber, pois, que Angelopoulos ainda fará mais dois filmes para completar a trilogia - especialmente se forem tão tediosos e nulos quanto a primeira parte.

Paulo Ricardo de Almeida