Em Trilogia: Vale
dos Lamentos, Theo Angelopoulos pretende
passar a limpo a História da Grécia através da vida
trágica de Eleni, desde sua chegada à Tessalônica em
1919 até a morte de seus filhos no conflito civil que
assolou o país no imediato pós-Segunda Guerra Mundial.
No entanto, a incapacidade do diretor em mesclar os
dramas pessoais da protagonista com as transformações
políticas que a cercam, bem como a longa duração de
cada plano que apenas serve para explicitá-los e torná-los
óbvios, fazem do filme exercício melodramático pretensioso
e, para o espectador, igualmente tedioso.
Grupo de expatriados gregos, fugindo da revolução socialista
na Rússia, chega à Tessalônica, terra pobre e estéril.
Entre eles, encontra-se a órfã Eleni, que se apaixona
pelo irmão de criação, com quem gera, ainda adolescente,
dois filhos. Prometida em casamento ao padrasto – líder
da comunidade que acabará encoberta pelas águas –, ela
foge com o amante que, músico, possui como protetor
um ativista sindical contra o fascismo. Juntos ou separados,
o casal enfrenta as dificuldades impostas pela época
em que vivem: a pobreza do país, a ascensão fascista
e as guerras mundial e civil, além das repreensões sociais
e morais contra o amor proibido que nutrem um pelo outro.
Vale dos lamentos, ou vale das lágrimas: Angelopoulos
tenciona montar amplo painel histórico a fim de representar
o sofrimento da Grécia ao longo da primeira metade do
século XX. Eleni (referência à helênica, ou seja, à
nação e à cultura em si) atravessa toda sorte de agressões
e de maus tratos – sobretudo a morte daqueles a quem
ama – em busca do amor e da felicidade para, ao final,
ver-se sozinha em meio ao caos reinante. A onipresença
da personagem principal durante o filme, não por acaso,
faz-se acompanhar pela água em suas mais diversas manifestações,
estabelecendo a conexão entre o choro constante da heroína
pelas próprias feridas e as dores que marcam o nascimento
da Grécia contemporânea.
A relação Eleni e a Grécia, porém, naufraga, na medida
em que Trilogia: Vale dos Lamentos
não cria vínculos suficientes das privações emocionais
da heroína com as turbulências que solavancam o país.
Como Angelopoulos procura abarcar gama vasta demais
de acontecimentos, a narrativa somente pontua as histórias
individuais e subjetivas de Eleni com citações deslocadas
à História (entendida como sucessão cronológica de fatos
que afetam a sociedade inteira) da nação, de modo que,
fora do contexto que os abrigariam e dariam sentido,
os sentimentos e as vivências da protagonista passam
a valer por si mesmos, exacerbando o melodrama pessoal
e, em contrapartida, esvaziando o que há de político
na construção da “alma” grega,ou seja, nas feridas que
cada indivíduo imerso na cultura helênica carrega consigo
como herança das atribulações passadas junto à comunidade
com que se identifica.
Embora abrace o melodrama em Trilogia: Vale
dos Lamentos, Angelopoulos mantém as características
de seus filmes anteriores: a dilatação do tempo através
de longos planos-seqüências e a tentativa de expressar
o mundo a cada plano. Se plasticamente belos, os planos-seqüências
em questão pecam ao deixarem tudo às claras, ao explicitarem
os sentidos que contêm – por conseguinte, intimados
pelo cineasta a mergulhar no tempo estendido à procura
da revelação, o espectador encontra apenas o vazio da
obviedade, como na cena em que, dos carneiros pendurados
na árvore, a câmera enquadra lentamente a poça de sangue
no chão: símbolo da culpa do casal pela morte do pai/padrasto,
que eles precipitaram ao fugirem da aldeia e ao mergulharem
a família na vergonha. O procedimento de começar em
plano geral para, em demorados zoom in,
reenquadrar acontecimentos específicos, não remetem
à suposta conexão entre o total e o particular que o
filme esboça, mas somente levam a potência das ações
que estão dispersas pelo ambiente rumo ao nada absoluto
que, ao final, elas suscitam.
É doloroso saber, pois, que Angelopoulos ainda fará
mais dois filmes para completar a trilogia - especialmente
se forem tão tediosos e nulos quanto a primeira parte.
Paulo Ricardo de Almeida
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