O TERCEIRO OLHO
Roland Suso Richter, The I inside, EUA, 2005

Uma coisa não se pode negar ao diretor alemão Roland Suso Richter (de O Túnel): sua capacidade de enredar o espectador na teia de acontecimentos bizarros do filme é notável. A despeito de várias brincadeiras inúteis, também conhecidas como firulas (cortes no mesmo eixo, lentes que distorcem a imagem, zooms alucinantes...), colocadas apenas para denotar um estilo, a trama flui bem, pelo menos enquanto permanece no território cômodo do estranhamento. O problema é quando chega a hora de explicar o que está acontecendo. O que vem é tão decepcionante quanto indeciso. O que acontece não pode ser dito aqui, sob o risco de estragar por completo o prazer de quem quiser conferir o filme. Basta dizer que ele se insere, pelo menos no início, no rol de obras recentes sobre perda de memória.

Richter explica, mas deixa um final em aberto, seguindo uma concessão à ordem atual de confundir o espectador. Mas nem a conclusão nem a negação da própria conclusão soam satisfatórias. Primeiro porque Richter descuida de um fator fundamental nesse tipo de truque: existe a confusão mental do protagonista, existe a explicação para o que acontece com ele, mas não existe conexão plausível entre uma e outra. Ou melhor, até existe em termos meio frouxos, mas é tão pobre e boba dramaturgicamente, que passamos a rever o filme em retrospecto para ver como tudo se encaixa. E nesse retrospecto o filme cai muito, pois todo o trabalho sensitivo se esvai, restando apenas a historinha de espectros arrependidos.

Não se trata aqui de invocar verossimilhança, essa palavra que muitos têm, equivocadamente, como obrigatória em cinema. Também não é o caso de querer que as peças do quebra-cabeça se juntem revelando uma bela paisagem. Se olharmos de perto, depois de detectada a conexão forçada, vemos que essas imagens se casam perfeitamente. O que inicialmente parecia complicado, revela-se fácil e óbvio conforme pensamos nos acontecimentos relatados. Talvez esse seja o problema. Uma linha traçada com tanta simplicidade encontra um diretor que em certo ponto abandona o trato com a atmosfera de estranhamento para adentrar no universo esperto dos truqueiros de plantão. E dentro desse universo, ele não tem nada a acrescentar. A não ser uma ousada (e um tanto deslocada, por vir num momento explicativo em excesso) citação ao expressionismo alemão nos momentos finais do filme.

Resumindo: conforme percebemos o que vai acontecendo, toda a linha narrativa começa a se tornar clara. Quando uma coisa dessas acontece depois de 40 minutos de filme, o desinteresse é inevitável. Acompanhamos os restantes 50 minutos com um crescendo de significados que resultam no fim do clima criado com tanta desenvoltura. O que só não é uma tortura porque o elenco está surpreendentemente bem, com destaque para Sarah Polley e Stephen Rea, o ator perfeito para deixar todos sem saber onde pisar.

Sérgio Alpendre