TAPETE VERMELHO
Luiz Alberto M. Pereira, Brasil, 2005

O tapete vermelho estendido para Quinzinho entrar no cinema repleto de cartazes de blockbusters, para ver finalmente um filme do Jeca Tatu, era o tapete que Mazzaropi estendia para si, numa mímese do glamour hollywoodiano. Grande homem de cinema, suas comédias duras e realistas abriram uma profícua fronte de filmes populares, que pretendiam fazer existir uma indústria de cinema no Brasil, mas acabaram meio esquecidos no tempo. Sobraram para nós o comércio e a paródia: Tapete vermelho, ao retomar o personagem do Jeca em uma “homenagem” a Mazzaropi, afirma uma impossibilidade de travar um contato com este outro (o homem não-urbano que pouco conhecemos, o cinema nacional que pouco conhecemos) fora da incorporação pela caricatura e pela tipificação (reconhecível, vendável).

A imagem romantizada do Jeca de Matheus Nachtergaele, um homem que parou no tempo remoto de uma casinha isolada no meio da natureza do interior paulista (ignorante dos acontecimentos fora do seu quinhão de terra, inocente no seu não-corrompimento pelo tempo) é a do personagem folclórico com que nos relacionamos no âmbito da fantasia. Retirado deste meio próprio (o cenário idílico e artificial de sua rocinha idealizada) e jogado no mundo (as cidades paulistas do cenário de 2005, o campo assolado por problemáticas de terra e repleto de violência, a modernidade do consumo e da tecnologia), ele se revela anacrônico, irreal, um clown-quase-sátira de um personagem que existiu. Porque se o Jeca de Mazzaropi era um arquétipo de um tipo vivo (reinterpretação regionalista de Mazzaropi de um personagem brasileiro criado por Monteiro Lobato como representação do país), que, em sua comicidade trazia à tona questões de condições humanas de vida, o Jeca de Tapete vermelho é um personagem quixotesco lançado num roadmovie que, em sua intenção de homenagem, constrói um retrato rasteiro e um tanto irresponsável do país.

O elogio do cinema como elemento mágico, associado ao “mundo caipira” e aos “tempos antigos” de uma roça mergulhada em rezas e crenças, choca-se com uma realidade desencantada, corrompida pela modernidade (apenas como efeito cômico), afogada numa cultura de televisão, religião menor (as igrejas evangélicas) e relações comerciais (as lojas, a preocupação incessante com o ganho e o rendimento). O uso constante de grande angular em ligeiro contra-plongée, combinado com cortes apressados de ação-reação, cria uma ambientação de estranheza que joga tudo o que se passa no âmbito do derrisório, da comédia sem conseqüências, que se utiliza do que estiver à mão para fazer piada. O percurso de intenções nobres dos personagens principais, pautados por uma “inocência” fantasiosa, é o que vai cooptar a empatia do público para a homenagem a que o filme se pretende. Mas todo este processo parte de um distanciamento mascarado do objeto a ser homenageado (Mazzaropi) e de um aliviamento proposital do espaço-tempo em que nós, público, estamos inseridos. Nos identificamos com o Jeca e sua família e mergulhamos na aura mágica que os envolve. Em contato com tudo aquilo que teoricamente reconheceríamos como território familiar, experimentamos um contraste indesejado, repelindo, portanto, a esfera referente ao real.

Pois o Jeca não é mais real. E o que talvez seja o real em seu lugar (os crentes que freqüentam as Igreja Evangélicas, os integrantes do MST, o público do cinemão americano, os comerciantes) não tem muita importância. O cinema se retira da História – e também da História do Cinema, pois reconfigura o significado e a aura de um personagem de intensa vida para transformá-lo em simulacro levianamente cômico. Ao espectador, restam camadas superpostas de imagens que se refutam a pensar o seu lugar, a se pensar como representação e matéria do mundo.

Tatiana Monassa