Em Tapas, várias histórias
se cruzam pelas ruas de bairro de La Coruña. Micro-narrativas
que refletem sobre relacionamentos e, mais especificamente,
sobre a necessidade de se romperem relações afetivas
para que, libertos, os personagens possam seguir adiante
em suas vidas. José Corbacho e Juan Cruz adotam no filme
a estrutura do filme-painel, a mesma de Nashville,
de Magnólia e do recente Crash – No Limite,
em que não há protagonista, e sim diversos personagens,
cada qual com sua história independente (que pode interagir,
ou não, com as dos demais).
Tratam-se de narrativas microscópicas que se mantêm
unidas pelo espaço geográfico onde ocorrem, e que não
nascem da livre-vontade dos seres que respiram na tela,
mas antes são impostas a eles com o propósito de apresentar
tese, desenvolvida pelo filme, sobre temas abstratos.
Assim, há quatro tramas diferentes em Tapas,
a fim de demonstrar como a dor da perda faz parte, intrinsecamente,
de qualquer relacionamento: o envolvimento de Raquel,
solitária dona de mercearia deixada pelo marido, com
o jovem César, que rompem com a entrada em cena de Edgardo,
parceiro que ela conhecia apenas via internet; a amizade
que Lolo, proprietário do botequim, trava com seu cozinheiro
chinês, depois que sua esposa o abandona; as indas e
vindas dos amigos Opo e César que, trabalhando no supermercado,
interessam-se apenas por sexo e por Bruce Lee; e a doença
terminal de Mariano, que pede à esposa, Conchi (a qual
trafica remédios, para os adolescentes do bairro, a
fim de o sustentar), para matá-lo e acabar com seu sofrimento.
Apesar do bairro em comum, o fio condutor das narrativas,
por incrível que pareça, é o cachorro que Conchi liberta
no início do filme (tanto que o atropelamento do cãozinho
precipita a série de rompimentos e de reencontros que
garantem o sentido final de Tapas). Da mesma
forma com que os personagens, a liberdade do cachorro
se mostra relativa, pois, se idealmente surge como benéfica,
na prática traz os problemas de se encontrar solitário
no mundo, de lidar com a perda inevitável da pessoa
querida, de se reconectar e se readaptar a novo círculo
de relações, tarefa a princípio dificultada pelos hábitos
adquiridos com o tempo, pelo carinho quanto ao ser amado
que ficou para trás e pelo conjunto social hostil que
não está disposto a receber ninguém de braços abertos.
Embora os cineastas tentem pautar o filme a partir de
momentos de intimidade cotidiana, eles fracassam na
empreitada, na medida em que Tapas está mergulhado
em uma estrutura visual que possui sua origem na imagética
televisiva. Como nas novelas, os personagens ocupam,
via de regra, o centro do quadro, que jamais é vazado
por elementos que se situam fora da tela. Corbacho e
Cruz, também de acordo com a estética da TV, intercalam
planos de conjunto (a fim de introduzir os espaços onde
transcorre a ação: o bar de Lolo, a mercearia de Raquel,
o apartamento de Conchi e o supermercado de Opo e César)
com planos próximos, em geral de closes-up em
campo/contracampo, da mesma maneira que diálogos puramente
descritivos substituem a representação, em imagens,
dos acontecimentos. O resultado, ao contrário da pretendida
naturalidade das situações (e, por conseguinte, da busca
em tornar o espectador cúmplice do filme), é o artificialismo
que não permite a identificação necessária do público
com os personagens.
Portanto, a despeito das boas intenções de José Corbacho
e de Juan Cruz (e de boas intenções o inferno está cheio,
conforme o ditado popular), Tapas não passa de
novela com mania de grandeza, devido à forma de painel
que assume no trato dos relacionamentos entre os diversos
personagens. Prova de que, pelo menos neste filme, dois
diretores não pensam melhor do que apenas um.
Paulo Ricardo de Almeida
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