TAPAS
José Corbacho e Juan Cruz, Tapas, Espanha, 2005

Em Tapas, várias histórias se cruzam pelas ruas de bairro de La Coruña. Micro-narrativas que refletem sobre relacionamentos e, mais especificamente, sobre a necessidade de se romperem relações afetivas para que, libertos, os personagens possam seguir adiante em suas vidas. José Corbacho e Juan Cruz adotam no filme a estrutura do filme-painel, a mesma de Nashville, de Magnólia e do recente Crash – No Limite, em que não há protagonista, e sim diversos personagens, cada qual com sua história independente (que pode interagir, ou não, com as dos demais).

Tratam-se de narrativas microscópicas que se mantêm unidas pelo espaço geográfico onde ocorrem, e que não nascem da livre-vontade dos seres que respiram na tela, mas antes são impostas a eles com o propósito de apresentar tese, desenvolvida pelo filme, sobre temas abstratos. Assim, há quatro tramas diferentes em Tapas, a fim de demonstrar como a dor da perda faz parte, intrinsecamente, de qualquer relacionamento: o envolvimento de Raquel, solitária dona de mercearia deixada pelo marido, com o jovem César, que rompem com a entrada em cena de Edgardo, parceiro que ela conhecia apenas via internet; a amizade que Lolo, proprietário do botequim, trava com seu cozinheiro chinês, depois que sua esposa o abandona; as indas e vindas dos amigos Opo e César que, trabalhando no supermercado, interessam-se apenas por sexo e por Bruce Lee; e a doença terminal de Mariano, que pede à esposa, Conchi (a qual trafica remédios, para os adolescentes do bairro, a fim de o sustentar), para matá-lo e acabar com seu sofrimento.

Apesar do bairro em comum, o fio condutor das narrativas, por incrível que pareça, é o cachorro que Conchi liberta no início do filme (tanto que o atropelamento do cãozinho precipita a série de rompimentos e de reencontros que garantem o sentido final de Tapas). Da mesma forma com que os personagens, a liberdade do cachorro se mostra relativa, pois, se idealmente surge como benéfica, na prática traz os problemas de se encontrar solitário no mundo, de lidar com a perda inevitável da pessoa querida, de se reconectar e se readaptar a novo círculo de relações, tarefa a princípio dificultada pelos hábitos adquiridos com o tempo, pelo carinho quanto ao ser amado que ficou para trás e pelo conjunto social hostil que não está disposto a receber ninguém de braços abertos.

Embora os cineastas tentem pautar o filme a partir de momentos de intimidade cotidiana, eles fracassam na empreitada, na medida em que Tapas está mergulhado em uma estrutura visual que possui sua origem na imagética televisiva. Como nas novelas, os personagens ocupam, via de regra, o centro do quadro, que jamais é vazado por elementos que se situam fora da tela. Corbacho e Cruz, também de acordo com a estética da TV, intercalam planos de conjunto (a fim de introduzir os espaços onde transcorre a ação: o bar de Lolo, a mercearia de Raquel, o apartamento de Conchi e o supermercado de Opo e César) com planos próximos, em geral de closes-up em campo/contracampo, da mesma maneira que diálogos puramente descritivos substituem a representação, em imagens, dos acontecimentos. O resultado, ao contrário da pretendida naturalidade das situações (e, por conseguinte, da busca em tornar o espectador cúmplice do filme), é o artificialismo que não permite a identificação necessária do público com os personagens.

Portanto, a despeito das boas intenções de José Corbacho e de Juan Cruz (e de boas intenções o inferno está cheio, conforme o ditado popular), Tapas não passa de novela com mania de grandeza, devido à forma de painel que assume no trato dos relacionamentos entre os diversos personagens. Prova de que, pelo menos neste filme, dois diretores não pensam melhor do que apenas um.

Paulo Ricardo de Almeida