QUATRO IRMÃOS
John Singleton, Four brothers, EUA, 2005

Quatro Irmãos vem marcar, para o diretor John Singleton, um reencontro com o universo de seu filme de estréia, Boyz’n the Hood, ainda hoje seu trabalho mais célebre. Se não há como negar o vigor do filme de 1991, não deve ser também esquecido que ele vinha banhado em um certo sociologismo simplista, com uma visão bastante idealizada das relações sociais e raciais, certamente fruto da visão de um diretor-roteirista mal saído da adolescência – Singleton tinha 22 anos quando da sua realização. Em seu trabalho mais recente, Singleton vem desenhar toda uma maior complexidade nas relações entre seus personagens, aqui caracterizadas por laços mais intensos que os existentes entre “irmãos” de cor e que a violência institucionalizada seria determinada por teias mais sinuosas que as do mero preconceito.

Curioso destacar que essa retomada temática venha através de um projeto não autoral do diretor, que trabalha com um roteiro assinado por David Eliot e Paul Lovett, por sua vez inspirado em Os Filhos de Katie Elder, um faroeste que Henry Hathaway dirigiu em 1965. Singleton consegue, no entanto, inserir de forma coerente uma visão francamente pessoal a um material alheio, se posicionando dentro de uma proposta bem mais ampla que a de um “cinema negro” ou “filmes de gueto”. O que se vê na tela em Quatro Irmãos deixa claro que a passagem por uma linhagem de filmes mais “comerciais” – como Shaft (2000) e + Velozes + Furiosos (2003) – fez muito bem a Singleton, contribuindo para uma evolução visível em seu domínio do artesanato cinematográfico. Além do já comentado e natural amadurecimento de sua visão de mundo, ele está filmando bem melhor, e impondo à montagem um ritmo certeiro e objetivo.

Essa maturidade do cineasta vem sem que ele abandone, contudo, as qualidades que já vinha apresentando desde seu início de carreira. No caso, a representação de um ambiente e a caracterização das relações entre personagens, que configuravam o maior mérito de Boyz’n the Hood. Durante a primeira meia hora de Quatro Irmãos, vão sendo construídos e definidos de forma bastante intensa os laços entre os personagens-título, irmãos de criação que retornam a um pobre subúrbio da cidade de Detroit para o enterro da mãe adotiva, morta em circunstâncias suspeitas durante o assalto a uma loja. O quarteto – dois negros, dois brancos – é apresentado sem qualquer forma de maniqueísmo, nem heróis nem vítimas, apenas figuras fadadas a permanecerem distantes de uma vida bem sucedida, personalidades díspares unidas por formas de amor fraterno intensas que sobrepõem-se a quaisquer laços raciais e familiares. Quando o grupo retorna à casa materna, ficam em pouco tempo definidos os perfis de cada indivíduo do quarteto, tornando não menos que lógicas as atitudes quase sempre extremas que serão tomadas ao longo do restante do filme.

Preparado o terreno para a ação dos personagens, o que se vê a partir do momento em que fica claro que a morte da mãe não teria sido meramente circunstancial são alguns dos momentos de violência mais seca e desglamurizada, e por isso mesmo dos mais impressionantes, que o cinema apresentou nos últimos tempos. A vingança dos irmãos vai sendo mostrada por Singleton com uma objetividade narrativa ímpar. Os atos passam a se suceder num crescendo, sem pausas para alívio ou explicações, que seriam por sinal desnecessárias. As seqüências se intercalam por uma pulsação que por vezes choca, numa crueza que deixa clara o quanto essa violência estaria inserida de forma natural no universo retratado no filme. Quase não há interferência externa, seja dos habitantes que não participam diretamente da ação, seja de alguma forma maior de justiça institucionalizada. Fica patente uma espécie de lei do silêncio e um retrato de abandono ao qual estariam submetidas as comunidades pobres como a que aparece em Quatro Irmãos, abandono esse que se estende de forma igual a todos, sejam brancos, negros ou latinos. Distantes da noção de prosperidade generalizada que a cultura oficial americana insiste em propagar e, por outro lado, bastante próxima de uma realidade normalmente identificada como terceiro-mundista.

Singleton leva seu filme até um clímax bastante seco, uma seqüência ambientada em lugar ermo, no qual só se vê neve, os personagens e seus carros, destacando ainda mais o incessante isolamento ao qual parecem destinados. E mesmo que o final proponha uma redenção, não há como não acreditar que essa pode ser apenas pouco mais que um momento fugaz. Conclusão mais que certeira para um filme que não se assiste impunemente, conduzido de forma exemplar por um cineasta cujo talento não deve ser subestimado.

Gilberto Silva Jr.