OLIVER TWIST
Roman Polanski, Oliver Twist, Grã-Bretanha/França/República Tcheca, 2005

Projeto dos sonhos de Roman Polanski, Oliver Twist continua a exploração, cara ao cineasta, do tema da inocência que persiste ainda quando confrontada com a realidade corrupta que a cerca. Porém, da mesma forma que em O Pianista, o Mal se apresenta sob diversas formas, seja ele absoluto, na figura de William Sykes, seja ele fruto das fraquezas e falhas humanas, como Fagin.

Roman Polanski une-se novamente ao produtor Alain Sarde, ao roteirista Ronald Harwood e ao fotógrafo Pawell Edelman – mesma equipe de O Pianista – para realizar, com idêntico senso de narrativa clássica e de espetáculo, a adaptação do romance de Charles Dickens, Oliver Twist. Conforme já indicado desde os créditos de abertura (série de litogravuras comuns na ilustração de livros), o diretor segue ao pé da letra as determinações do escritor, sendo-lhe bastante fiel, de modo que a trama, levada inúmeras vezes ao cinema – as versões mais conhecidas são as de David Lean e o musical de Carol Reed – mostra as conhecidas desventuras do órfão Oliver Twist no submundo londrino caracterizado pela miséria, pela marginalidade e pelos pequenos crimes que acontecem nas ruas.

Oliver Twist, para Polanski, representa a pureza e a integridade que, em contato com o mundo hostil, ainda resiste, devido ao coração nobre que possui. Por outro lado, William Sykes e Fagin, como são chamados em várias ocasiões ao longo do filme, interpretam o diabo, ou seja, personagens que carregam em si a vilania do ambiente onde estão inseridos. No entanto, são maldades diferentes, pois enquanto Bill aponta para a natureza própria do Mal, que existe independentemente da vontade humana (ou que antes se apossa dela) – notar a presença do cão Bull’s Eye, símbolo do demônio, sempre ao lado do personagem –, Fagin sintetiza justamente o inverso, a saber, as idiossincrasias que, devido a situações circunstanciais em jogo (interesses econômicos, problemas afetivos, desestruturação do núcleo familiar), afetam os homens todos os dias. Em Oliver Twist, Fagin possui função dramática semelhante ao do oficial nazista que, a despeito da ideologia anti-semita que professa, auxilia o herói judeu em O Pianista: expressar que as ações dos personagens não estão previamente inscritas em seus genes, mas que, na verdade, são resultado das escolhas éticas e morais que tomam em contato com o meio externo que os influencia.

Ponto culminante de Oliver Twist, assim, é o encontro entre o herói e Fagin na prisão, pouco antes deste ser enforcado. Omitido das demais versões do clássico dickensiano, que em geral terminam na morte de Bill Sykes, o encontro mostra a fragilidade e temor de Fagin pela execução iminente, já que o outrora vilão, para aquém do monstro desumano como se é tentado a representá-lo, significou efetivamente, junto aos trombadinhas que executavam pequenos furtos a seu mando, a primeira família na qual Oliver esteve inserido. A seqüência em questão retoma a impressão favorável deixada pelo primeiro ato da narrativa irregular, em que Polanski caracteriza a pobreza generalizada, as ruas enlameadas e os tipos escroques da Londres do século XIX, se não com a desenvoltura de Martin Scorsese em Gangues de Nova York – influenciado, por sua vez, pelos romances de Dickens –, pelo menos com a competência necessária para criar os ambientes onde a pureza e a corrupção de desenvolvem e se chocam. Oliver Twist, contudo, não resolve o calcanhar de Aquiles de dez entre dez adaptações cinematográficas de obras consagradas: como no filme de David Lean ou no de Carol Reed, novamente o atropelo dos acontecimentos descritos no livro, uma vez que foram condensados para caber nas duas horas de projeção, marcam presença, retirando o foco principal do relacionamento entre os personagens a fim de direcioná-lo rumo à aparente fidelidade do roteiro quanto ao enredo proposto pelo autor inglês.

Portanto, embora Oliver Twist mantenha Roman Polanski na trilha aberta por O Pianista, sua tão sonhada versão de Dickens para as telas decepciona pela falta de ousadia do cineasta em filmá-la de maneira diferente do que outros tantos já fizeram.


Paulo Ricardo de Almeida