MONGOLIAN PING PONG
Ning Hao, Lu cao di, China, 2005

Paisagens paradisíacas, fofura infantil, humor do absurdo, personagens pitorescos, piadinhas sobre o global invadindo o local. A receita é conhecida, e os objetivos são sempre os mesmos: Mongolian Pingpong é claramente um filme dedicado a explorar o exotismo do modo de vida dos camponeses da Mongólia, e formatá-los para encaixar direitinho no modelo de filmes-de-bom-coração do circuito internacional de festivais e dos cinemas bistrô ao redor do ocidente. A própria sinopse já entrega o jogo: um menino acha uma bola de pingue-pongue, e não sabe do que se trata; sua avó senil afirma tratar-se de um talismã; numa projeção improvisada de cinema, eles vêem a bolinha de golfe; pela televisão, descobre-se que o pingue-pongue é “o esporte nacional”, e que a bola seria então “a bola da nação”; o que mais natural, então, do que entregar à nação aquilo que pertence a ela?

Não que o filme seja despido de momentos engraçados. A despeito de um humor bastante repetitivo, o filme consegue algumas boas tiradas, invariavelmente a partir do deslocamento de sentido de determinados objetos – uma plaquinha de “4x4” colocada num cavalo, uma antena de televisão sendo improvisada com tampa de lata de lixo e latinhas de cerveja –, mas a reiteração dessas situações local/global é tão grande que torna as piadinhas irritantes: uma revista com Kylie Minogue na capa, uma televisão que não dá sinal, um batom, etc.

Desde o primeiro plano de Mongolian Pingpong, faz-se necessário uma comparação com O Mundo, de Jia Zhang-ke: a família tira uma foto tendo por fundo um desenho da Praça da Paz Celestial, e em seguida esse desenho é recoberto por um desenho do Arco do Triunfo francês. Mas se o filme de Jia dá espaço a um verdadeiro questionamento sobre o processo de globalização chinês e imbui todos os curto-circuitos espaciais de um sentimento contrastante entre um discurso oficial (a China se moderniza) e o significado disso na prática (não se tem acesso às coisas mas a seus simulacros, o eterno no future do cinema de Jia Zhang-ke), em Mongolian Pingpong o anacronismo dos campos mongóis são meramente um objeto de derrisão, ocasião para uma tirada de chapéu ao espectador espertinho: olha como eles são ingênuos, olha como existe uma pureza que está sendo contaminada pelo consumo, olha como o modo de vida deles é tão lindo e diferente, como eles são todos doces, etc. Nosso equivalente tupiniquim são os já famosos planos de antenas parabólicas nas favelas ou nas cidades do interior, como se pobre e/ou camponês e/ou interiorano não tivesse direito às benesses da sociedade de consumo.

Porque se há uma relação desenvolvida com o espectador de Mongolian Pingpong, é claramente uma de consumo, e não mais: te entrego uma realidade toda pronta, que só se pode consumir do exterior (ponto de vista do turista) e que apresenta um mundo singelo e exótico. Três moleques que adoram aprontar, um pai bebum, uma mãe docemente severa, uma vovó senil, um comerciante meio picareta, um policial apalermado: todos os personagens inteiramente construídos para nossa fruição desapegada. Ou seja, estamos diante de um típico representante de um gênero de filme cujo mais recente exemplar a aportar em nosso território foi o nefasto Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, de Kim Ki-Duk. Orientalismo prêt-à-porter conjuga muito bem com o suplemento de alma buscado pelos degustadores de circuitinho cult no Brasil e ao redor do mundo. Mas o prato é requentado.

Ruy Gardnier