Paisagens paradisíacas, fofura
infantil, humor do absurdo, personagens pitorescos,
piadinhas sobre o global invadindo o local. A receita
é conhecida, e os objetivos são sempre os mesmos: Mongolian
Pingpong é claramente um filme dedicado a explorar
o exotismo do modo de vida dos camponeses da Mongólia,
e formatá-los para encaixar direitinho no modelo de
filmes-de-bom-coração do circuito internacional de festivais
e dos cinemas bistrô ao redor do ocidente. A própria
sinopse já entrega o jogo: um menino acha uma bola de
pingue-pongue, e não sabe do que se trata; sua avó senil
afirma tratar-se de um talismã; numa projeção improvisada
de cinema, eles vêem a bolinha de golfe; pela televisão,
descobre-se que o pingue-pongue é “o esporte nacional”,
e que a bola seria então “a bola da nação”; o que mais
natural, então, do que entregar à nação aquilo que pertence
a ela?
Não que o filme seja despido de momentos engraçados.
A despeito de um humor bastante repetitivo, o filme
consegue algumas boas tiradas, invariavelmente a partir
do deslocamento de sentido de determinados objetos –
uma plaquinha de “4x4” colocada num cavalo, uma antena
de televisão sendo improvisada com tampa de lata de
lixo e latinhas de cerveja –, mas a reiteração dessas
situações local/global é tão grande que torna as piadinhas
irritantes: uma revista com Kylie Minogue na capa, uma
televisão que não dá sinal, um batom, etc.
Desde o primeiro plano de Mongolian Pingpong,
faz-se necessário uma comparação com O Mundo,
de Jia Zhang-ke: a família tira uma foto tendo por fundo
um desenho da Praça da Paz Celestial, e em seguida esse
desenho é recoberto por um desenho do Arco do Triunfo
francês. Mas se o filme de Jia dá espaço a um verdadeiro
questionamento sobre o processo de globalização chinês
e imbui todos os curto-circuitos espaciais de um sentimento
contrastante entre um discurso oficial (a China se moderniza)
e o significado disso na prática (não se tem acesso
às coisas mas a seus simulacros, o eterno no future
do cinema de Jia Zhang-ke), em Mongolian Pingpong
o anacronismo dos campos mongóis são meramente um objeto
de derrisão, ocasião para uma tirada de chapéu ao espectador
espertinho: olha como eles são ingênuos, olha como existe
uma pureza que está sendo contaminada pelo consumo,
olha como o modo de vida deles é tão lindo e diferente,
como eles são todos doces, etc. Nosso equivalente tupiniquim
são os já famosos planos de antenas parabólicas nas
favelas ou nas cidades do interior, como se pobre e/ou
camponês e/ou interiorano não tivesse direito às benesses
da sociedade de consumo.
Porque se há uma relação desenvolvida com o espectador
de Mongolian Pingpong, é claramente uma de consumo,
e não mais: te entrego uma realidade toda pronta, que
só se pode consumir do exterior (ponto de vista do turista)
e que apresenta um mundo singelo e exótico. Três moleques
que adoram aprontar, um pai bebum, uma mãe docemente
severa, uma vovó senil, um comerciante meio picareta,
um policial apalermado: todos os personagens inteiramente
construídos para nossa fruição desapegada. Ou seja,
estamos diante de um típico representante de um gênero
de filme cujo mais recente exemplar a aportar em nosso
território foi o nefasto Primavera, Verão, Outono,
Inverno... e Primavera, de Kim Ki-Duk. Orientalismo
prêt-à-porter conjuga muito bem com o suplemento de
alma buscado pelos degustadores de circuitinho cult
no Brasil e ao redor do mundo. Mas o prato é requentado.
Ruy Gardnier
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