PARALELAS E TRANSVERSAIS
Johanna, de Kornel Mundruczó
Korda, de Marcos Andrade


Johanna, Hungria, 2005
Brasil, 2005


Existe um risco muito grande na decisão de contar-se uma história no formato longa-metragem a partir de um determinado “conceito”. Os filmes “conceituais” (daqueles cuja “sacada” se pode resumir em uma ou duas frases) estarão sempre andando numa autêntica corda bamba onde, se o diretor e sua equipe forem incapazes de incorporar novos elementos (sejam eles formais ou narrativos) ao seu conceito inicial, dificilmente conseguirão manter a atenção do espectador. Pode-se dizer que é esta a aposta destes dois filmes, que tentamos agora sintetizar em uma frase conceitual: Johanna, que encena uma versão pós-moderna da paixão de Joana D’Arc como uma ópera passada toda num hospital público da Hungria; e Korda, que retrata um personagem preso numa rotina desumanizante, num mundo em preto-e-branco sem a possibilidade aparente do contato humano. Ambos, aliás, sabedores de suas limitações narrativas, não são filmes muito longos, mas só aí Johanna já mostra uma opção melhor sucedida, mal ultrapassando a hora e vinte de duração.

O fato é que Johanna tem como diretor uma jovem promessa húngara de virtuose, cujo filme anterior (Dias AgradáveisPleasant Days), já nos apresentava um cineasta com apurado senso estético, ainda que mais preocupado com este do que com os seus personagens. Pois é este senso estético que mantém Johanna vivo ao longo de toda sua duração. Seja pelo uso realmente impressionante da steadycam, dos jogos de claro e escuro, da direção de arte detalhista e decadente (não por acaso, aliás, esta está a cargo do diretor mesmo), e principalmente do constante choque estético da opção pelo musical para a encenação desta tragédia que varia constantemente de tom entre o realismo exacerbado (a notar a cena do eletrochoque) e o fantástico assumido. Se seria mentira dizer que Johanna nunca é enfadonho, também não é verdadeiro dizer que ele chegue a perder de todo o interesse em algum momento. Kornel Mundruczó sabe a verdade por detrás de um fato: se sua narrativa, em si, não possui condições de sustentar o interesse do espectador, cabe ao diretor e ao seu estilo (em suma, ao seu domínio da linguagem audiovisual) a capacidade de fazer isso.

Pois é isso que falta, principalmente, em Korda: uma vez que o estreante Marcos Andrade coloca suas peças em jogo, e dá as regras pelas quais este será jogado, não sobra muito para o espectador acompanhar ao longo da hora e meia seguinte. Se seu estilo quer reproduzir a repetição da vida de seu personagem, isso não chega a servir de desculpa para o absoluto enfado que acaba provocando, em muito causando o total desinteresse do espectador pelas minúcias do que se passa na tela. Surpresas, quando há (como a participação de Babi Xavier no filme), são encenadas sem maior força, apenas seguindo um cuidado extremo com a iluminação que busca mais uma competência do que um efeito sensorial potente. O filme resulta um tanto óbvio, como algumas das imagens “simbólicas” que conjura (a criação de um relógio a partir de cartas de baralho, o aquário com apenas um peixe que serve de companhia no cenário para o protagonista).

No entanto, tratando diretamente do contexto brasileiro, deve-se destacar Korda por pelo menos dois motivos: primeiro pela corajosa opção do diretor estreante em bancar integralmente (não há qualquer cartela de patrocínio no começo do filme) um longa ficcional filmado e finalizado em película. Em segundo, por cercar-se de profissionais altamente cuidadosos e talentosos (como o fotógrafo, pouco usado no cinema nacional aliás, Alziro Barbosa, o técnico de som Silvio Da-Rin, a montador e editora de som Virgínia Flores). Este time garante ao filme um tanto do seu interesse, e nos faz crer que o desejo de cinema de Marcos Andrade é grande. Pois que seus próximos passos sejam tão corajosos quanto este, mas melhores adequados ao formato que ele escolhe – Korda, de fato, nos parece que seria um melhor curta.

Eduardo Valente