Existe um risco
muito grande na decisão de contar-se uma história no
formato longa-metragem a partir de um determinado “conceito”.
Os filmes “conceituais” (daqueles cuja “sacada” se pode
resumir em uma ou duas frases) estarão sempre andando
numa autêntica corda bamba onde, se o diretor e sua
equipe forem incapazes de incorporar novos elementos
(sejam eles formais ou narrativos) ao seu conceito inicial,
dificilmente conseguirão manter a atenção do espectador.
Pode-se dizer que é esta a aposta destes dois filmes,
que tentamos agora sintetizar em uma frase conceitual:
Johanna, que encena uma versão pós-moderna da
paixão de Joana D’Arc como uma ópera passada toda num
hospital público da Hungria; e Korda, que retrata
um personagem preso numa rotina desumanizante, num mundo
em preto-e-branco sem a possibilidade aparente do contato
humano. Ambos, aliás, sabedores de suas limitações narrativas,
não são filmes muito longos, mas só aí Johanna
já mostra uma opção melhor sucedida, mal ultrapassando
a hora e vinte de duração.
O fato é que Johanna tem como diretor uma jovem
promessa húngara de virtuose, cujo filme anterior (Dias
Agradáveis – Pleasant Days), já nos apresentava
um cineasta com apurado senso estético, ainda que mais
preocupado com este do que com os seus personagens.
Pois é este senso estético que mantém Johanna vivo ao
longo de toda sua duração. Seja pelo uso realmente impressionante
da steadycam, dos jogos de claro e escuro, da
direção de arte detalhista e decadente (não por acaso,
aliás, esta está a cargo do diretor mesmo), e principalmente
do constante choque estético da opção pelo musical para
a encenação desta tragédia que varia constantemente
de tom entre o realismo exacerbado (a notar a cena do
eletrochoque) e o fantástico assumido. Se seria mentira
dizer que Johanna nunca é enfadonho, também não
é verdadeiro dizer que ele chegue a perder de todo o
interesse em algum momento. Kornel Mundruczó sabe a
verdade por detrás de um fato: se sua narrativa, em
si, não possui condições de sustentar o interesse do
espectador, cabe ao diretor e ao seu estilo (em suma,
ao seu domínio da linguagem audiovisual) a capacidade
de fazer isso.
Pois é isso que falta, principalmente, em Korda:
uma vez que o estreante Marcos Andrade coloca suas peças
em jogo, e dá as regras pelas quais este será jogado,
não sobra muito para o espectador acompanhar ao longo
da hora e meia seguinte. Se seu estilo quer reproduzir
a repetição da vida de seu personagem, isso não chega
a servir de desculpa para o absoluto enfado que acaba
provocando, em muito causando o total desinteresse do
espectador pelas minúcias do que se passa na tela. Surpresas,
quando há (como a participação de Babi Xavier no filme),
são encenadas sem maior força, apenas seguindo um cuidado
extremo com a iluminação que busca mais uma competência
do que um efeito sensorial potente. O filme resulta
um tanto óbvio, como algumas das imagens “simbólicas”
que conjura (a criação de um relógio a partir de cartas
de baralho, o aquário com apenas um peixe que serve
de companhia no cenário para o protagonista).
No entanto, tratando diretamente do contexto brasileiro,
deve-se destacar Korda por pelo menos dois motivos:
primeiro pela corajosa opção do diretor estreante em
bancar integralmente (não há qualquer cartela de patrocínio
no começo do filme) um longa ficcional filmado e finalizado
em película. Em segundo, por cercar-se de profissionais
altamente cuidadosos e talentosos (como o fotógrafo,
pouco usado no cinema nacional aliás, Alziro Barbosa,
o técnico de som Silvio Da-Rin, a montador e editora
de som Virgínia Flores). Este time garante ao filme
um tanto do seu interesse, e nos faz crer que o desejo
de cinema de Marcos Andrade é grande. Pois que seus
próximos passos sejam tão corajosos quanto este, mas
melhores adequados ao formato que ele escolhe – Korda,
de fato, nos parece que seria um melhor curta.
Eduardo Valente
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