A estréia na direção de Shane
Black, roteirista de Máquina Mortífera e O
Último Herói Americano, tinha tudo para ser mais
feliz. Com um roteiro escrito por ele mesmo, que homenageia
o cinema noir, com direito a narração em primeira
pessoa, Beijos e Tiros ameaça decolar diversas
vezes, mas termina decepcionando.
Robert Downey Jr é o ladrão que se disfarça de ator
e se envolve numa trama de mistérios e mulheres fatais.
Sua atuação é digna de nota, lembrando seu trabalho
no muito superior The Singing Detective (de Keith
Gordon). Val Kilmer, no papel do detetive que pensa
ser homossexual, é dono de um dos momentos estranhamente
engraçados do filme: o toque de seu celular, com o famoso
sucesso de Gloria Gaynor. Se não é a primeira vez, nem
será a última, que “I Will Survive” é usada para sugerir
a opção sexual de um personagem, aqui os atores tratam
de fazer com que a cena renda boas risadas. Essa dupla
insólita ainda tem alguns bons momentos no decorrer
do filme, principalmente nos momentos dúbios, em que
não se sabe se é para rir ou para sentir repulsa.
Downey Jr conversa com o público, comentando os artifícios
costumeiros em produções americanas. Mas, o que deveria
ser o grande trunfo do filme acaba por se tornar uma
das coisas mais bobocas, principalmente por vir em doses
cavalares. Em poucos momentos esse truque funciona (e
aí, temos que admitir, é realmente engraçado). Como
por exemplo na cena em que Downey ironiza o costume
de se mostrar personagens menores que pareciam ter morrido
voltando vivinhos, com ferimentos, nos finais dos filmes.
A regra, no entanto, é o enfado que aparece quase sempre
que o truque é usado.
O filme trabalha o tempo numa chave caótica, e propositalmente
arrastada, como F. Gary Gray fez com mais sucesso em
Be Cool. Um ritmo estranho, que não é bem lento,
mas flutuante, “malemolente”. Só que, infelizmente,
não é capaz de imprimir esse ritmo o tempo todo, e quando
tenta sair dele, mete os pés pelas mãos. Há uma barriga
enorme no meio do filme, que tende a causar desinteresse
justamente pela falta de habilidade no corte das cenas.
Algumas devem durar mais, pra atingir o efeito pretendido;
outras deveriam acabar antes, não deixando a piada se
estragar (como na cena do tiro acidental na cabeça).
Típico filme de roteirista – e nada errado com isso,
a princípio, se Shane Black soubesse fazer pelo menos
o feijão com arroz na direção. O filme seria levado
com tranquilidade pelos atores. Pena que sua câmera
é descuidada e sem critério: às vezes com aquele balanço
de câmera na mão, outras mantendo-se colada aos atores.
Mas sempre parece meio perdida, exercitando o filmar
pelo filmar, sem se preocupar com o que está em cena,
com a distância entre a câmera e o que está sendo filmado.
Ou seja: vai mal no uso do tempo e também no uso do
espaço.
Sérgio Alpendre
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