EM MINHA TERRA
John Boorman, In my country/Country of my skull, Inglaterra/África do Sul/Irlanda, 2004

A maior parte da filmografia de John Boorman é de filme históricos. São filmes que tendem a confundir o espectador porque não seguem a abordagem usual do cinema comercial sobre a História, nem os caminhos mais habituais do cinema dito de arte para lidar com tema. A História nos filmes de Boorman costuma nos chegar a partir de um filtro anti-naturalista que, geralmente (mas nem sempre), tem um viés mitológico. Nos últimos vinte anos, Boorman vem centralizando cada vez mais seus esforços na herança do colonialismo e as relações do europeu com o Terceiro Mundo. É como se Boorman estivesse à procura de purgar algum tipo de pecado original cometido pelo homem branco séculos atrás, no começo da expansão colonial.

Mais do que qualquer outro filme do cineasta, Em Minha Terra segue à perfeição tal descrição, o que pode explicar porque o filme deu errado. Estamos diante de um destes filmes que o critico australiano Adrian Martin se refere como filmes centrais secretos, trabalhos onde, ao lidar de forma mais direta com elementos que costumam formar o subtexto central de boa parte da sua obra, o cineasta acaba produzindo um filme esteticamente mais pobre que o habitual, como se a transformação do subtexto em texto levasse-o a uma camisa de força criativa.

No papel Em Minha Terra parece, a um fã de Boorman bastante promissor: logo após a eleição de Mandela, jornalista americano (Samuel L. Jackson) vai à África do Sul acompanhar a comissão que investiga crimes cometidos durante o apartheid. Esta comissão propõe que aqueles que se dispuserem a confessar, puderem provar que estavam seguindo ordens e mostrarem remorsos, serão perdoados – o que, para o jornalista, é só uma forma de garantir que um bando de brancos racistas escapem da prisão. O didatismo imposto pelo roteiro pede que Jackson e Juliette Binoche assumam a ingrata função de interpretar personagens excessivamente simbólicos, o que não seria em si um problema, já que Boorman claramente se interessa pela situação como um ensaio sobre a culpa, e o grande mérito do filme é justamente tratar do tema e da herança do apartheid de maneira nunca redutora. Só que a abordagem do cineasta rapidamente se torna confusa.

O problema de Em Minha Terra é de tom. O filme soa ao mesmo tempo bastante convencional e travado dentro deste formato filme de culpa liberal. Mais naturalista do que o hábito do cineasta, ao mesmo tempo que muito didático para existir como drama. O mergulho primitivo que costuma marcar os melhores trabalhos de Boorman se esboça, mas nunca se completa. O filme soa estranhamente desorganizado, perdido entre uma abordagem direta ou indireta do seu material, entre uma representação às claras ou simbólica dos sentimentos tortuosos do seu personagem central. Por exemplo, Brendan Gleeson tem alguns momentos fortes como um torturador que Jackson entrevista, mas suas cenas são inseridas sem ordem cronológica no filme, reduzindo seu impacto e soando simplesmente confusas, já que Boorman nunca as a apresenta de maneira a permitir que essas quebras na narrativa possam funcionar junto ao espectador.

Diz muito sobre a indecisão no centro de Em Minha Terra que o filme funcione de forma mais potente nos seus momentos mais diretos (as cenas das confissões nas comissões tiradas diretamente dos arquivos) e nos mais indiretos (quando a paisagem sul-africana que Boorman filma atinge um pouco da força que vemos nos seus melhores trabalhos). Nessa incerteza, John Boorman termina sucumbindo à culpa inicial que colocara em perspectiva de forma muito melhor resolvida em filmes anteriores.

Filipe Furtado