Ainda um cineasta que tenta
se estabelecer, Don Roos busca em Finais Felizes
algo próximo de um equilíbrio para sua obra, algo entre
o independente “espertinho” de O Oposto do Sexo
e o romance cômico mais tradicional de Mais que o
Acaso. Pega para si uma estrutura bastante usada
entre os independentes, a de ilustrar um cotidiano de
um grupo específico de personagens paralelamente, e
nisso não surpreende o quanto o filme tenda a lembrar
Robert Altman, em especial no tom que dedica a seus
personagens, esbarrando no cinismo, mas também na forma
de supostamente estar realizando um retrato social da
América. Até este ponto, não há nada que, mesmo em alguma
instância menor, não se possa perceber também em O
Oposto do Sexo, mas embora filmes complementares
– seus problemas em especial são bastante similares
– há uma evolução bastante forte quando se sai de um
ramo de estrutura e texto e se adentra os campos da
composição de cena.
Se não há nada de impressionante ou inovador no trabalho
de encenação de Roos aqui (na verdade ele se arrisca
muito mais em sua empreitada mais comercial com Mais
que o Acaso aonde conflitava seus cacoetes com um
enredo mais quadrado), mas impressiona o domínio com
o qual ele coloca as coisas em cena, a noção exata que
parece ter sobre todo o absurdo daquilo que encena.
Mesmo nas inserções um tanto insuportáveis de letreiros
que dialogam com o público, uma verdadeira negação de
suas próprias capacidades enquanto encenador, existe
um domínio, uma capacidade de encontrar os espaços exatos
do que quer mostrar. Difícil considerar por completo
desprezível então uma obra com tais qualidades, mas
então retorna o mal que assola tantos cineastas com
algum talento: o que filmar?
A trama principal gira em torno de dois irmãos de criação
que, na adolescência, tiveram um filho, ainda que só
a irmã saiba não ter sido ele abortado. Ela vive atualmente
na eminência de um possível reencontro com o filho “perdido”,
a partir de um documentarista que quer filmar seu encontro
com ele, e o irmão vive entre seu namorado e duas amigas,
tentando convencer a todos de alguma forma que o filho
delas possa ter sido gerado a partir do esperma de seu
namorado; há ainda paralelamente pai e filho dividindo
uma mulher interesseira, e a angústia do segundo em
revelar ao pai sua homossexualidade. Os temas se entrecruzam:
família, sexualidade, paternidade – há sim momentos
em que estes temas ganham tratamento que saia de uma
certa redundância, mas a insistência de Roos em preencher
cada cena com uma tirada infame envolvendo algum personagem
arruína qualquer capacidade de se levar muito adiante
as idéias do filme. Aposta demais nos atores, estando
estes bastante irregulares, muitas vezes oscilando por
demais em tons que vão da calmaria ao over em
pouquíssimo tempo, com uma inconstância que nem sempre
soa intencional – embora muitas vezes case com o estilo
cínico que Roos impõe ao filme.
Roos filma em scope, encontrando saídas para
o formato em certos momentos, mas soando em tantos outros
como quem deseja usá-lo apenas para dar um senso maior
de ambições ao filme, sem nenhum interesse visual vital
maior. Todavia, Roos passa longe de não ter habilidade
com o quadro, apenas insiste demais em textualizar as
imagens, faltando um tanto de crença no ato de filmar,
como se a imagem e o som não bastassem para seu cinema.
Entre todos os tropeços, incapacidades e buracos que
assombram Finais Felizes, existe algum tipo de
talento reprimido, e inclusive o paralelo entre Roos
e o documentarista interpretado por Jesse Bradford,
embora forçado, é bastante possível – e o fato de o
filme nutrir um certo carinho por ele, mesmo o mostrando
como um louco interesseiro, depõe a favor desta impressão.
Guilherme Martins
|