O prólogo, em que cavaleiros
das forças da Luz e da Escuridão se digladiam, lembra
as seqüências de batalha de O Senhor dos Anéis.
A “ambigüidade” do herói, na verdade homem atormentado
que trabalha para o lado do bem, remete a Constantine.
A virada final do roteiro, por sua vez, segue a trilha
aberta por O Sexto Sentido. Cada imagem, cada
plano de Guardiões da Noite – que a Rússia teve
coragem de indicar ao Oscar de filme estrangeiro – já
foi visto anteriormente: a única razão para se assistir
ao festival de clichês que passa na tela está em descobrir
até que ponto Bekmambetov levará seu cinema da repetição,
de simples cópia da cópia. E ele o leva ao limite do
insuportável, sobretudo quando, nos créditos finais,
exibe em altíssima velocidade o filme inteiro que antes
se desenrolara em quase duas horas de projeção.
Na trama, Anton Gorodetsky descobre fazer parte dos
“outros”, seres que mantêm o equilíbrio entre o bem
e o mal, entre a Luz e a Escuridão, e que devem optar,
livremente, por um dos lados. Ao mesmo tempo em que
procura salvar Yegor, garoto de doze anos, das garras
de vampiros, o herói a contragosto também se vê diante
de um ciclone que, produzido por uma virgem amaldiçoada,
ameaça destruir Moscou.
A despeito da história confusa e risível, Guardiões
da Noite é somente mais uma versão do combate entre
mocinhos e bandidos, maniqueísmo que Bekmambetov tenta
esconder através dos métodos nada ortodoxos de Anton
– capaz, inclusive, de matar, ameaçando o pacto de não-agressão
firmado entre Geser, líder da Luz, e Zavulon, senhor
da Escuridão. De passado obscuro, pois quase assassinou,
em ritual de magia negra, o suposto filho bastardo da
esposa, o protagonista é a peça manipulável do jogo
que Geser e Zavulon travam entre si, na medida em que,
para o primeiro, representa o caminho mais curto (fora
da burocracia estabelecida pelo acordo) para limpar
o planeta dos entes malignos, enquanto, para o segundo,
significa o exemplo negativo que trará Yegor – o “Grande
Outro” que, como Anakin Skywalker na saga Guerra
nas Estrelas, está destinado a alterar o equilíbrio
entre as forças opostas – para as Trevas. A guinada
de Yegor para o Mal, bem como a descoberta de que se
trata do filho legítimo de Anton, são as reviravoltas
previsíveis do roteiro.
Pior que a história, no entanto, é a forma com que Bekmambetov
a encena. A luta decisiva do herói contra Zavulon, por
exemplo, dá-se com imagens retiradas diretamente de
jogo de computador, refletindo com perfeição a estética
virtual impressa pelo cineasta em Guardiões da Noite:
cortes alucinados entre planos desconexos (cuja velocidade
ultrapassa a da MTV e se aproxima da vista nos filmes
de Darren Aronovsky), que unem a ação do presente com
estilhaços de momentos passados; travellings
voadores computadorizados, que eliminam a distância
física entre os diversos espaços e acabam por trazer
a narrativa para a absoluta mitificação despolitizada;
necessidade compulsiva de transformar todos os planos
em clímaxes por si mesmos, através da entrada e do aumento
repentino da música, ou da junção de imagens e de sons
que primam pela violência sensória. Para Bekmambetov,
assim, está em jogo seduzir o espectador, paradoxalmente,
abusando de seus sentidos, com planos que vão a contrastes
gráficos extremos e que utilizam movimentos de câmera
libérrimos os quais, sem enquadrarem nada de fundamental
ou estarem a serviço da narrativa, apenas repetem as
estripulias boçais de um Gaspar Noé em Irreversível.
Se Zavulon é o mentor dos acontecimentos que levam o
“Grande Outro” a optar pela Escuridão, fica a pergunta:
como Yegor consegue a façanha de ser enganado por contador
de histórias tão ruim? Talvez porque tenha doze anos
e não conheça a vilania alheia. Para azar de Timur Bekmambetov,
Guardiões da Noite é proibido para menores, de
modo que a torpeza de sua narrativa não passa impune
aos olhos de quem a assiste.
Paulo Ricardo de Almeida
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