GUARDIÕES DA NOITE
Timur Bekmambetov, Nochnoy dozor, Rússia, 2004

O prólogo, em que cavaleiros das forças da Luz e da Escuridão se digladiam, lembra as seqüências de batalha de O Senhor dos Anéis. A “ambigüidade” do herói, na verdade homem atormentado que trabalha para o lado do bem, remete a Constantine. A virada final do roteiro, por sua vez, segue a trilha aberta por O Sexto Sentido. Cada imagem, cada plano de Guardiões da Noite – que a Rússia teve coragem de indicar ao Oscar de filme estrangeiro – já foi visto anteriormente: a única razão para se assistir ao festival de clichês que passa na tela está em descobrir até que ponto Bekmambetov levará seu cinema da repetição, de simples cópia da cópia. E ele o leva ao limite do insuportável, sobretudo quando, nos créditos finais, exibe em altíssima velocidade o filme inteiro que antes se desenrolara em quase duas horas de projeção.

Na trama, Anton Gorodetsky descobre fazer parte dos “outros”, seres que mantêm o equilíbrio entre o bem e o mal, entre a Luz e a Escuridão, e que devem optar, livremente, por um dos lados. Ao mesmo tempo em que procura salvar Yegor, garoto de doze anos, das garras de vampiros, o herói a contragosto também se vê diante de um ciclone que, produzido por uma virgem amaldiçoada, ameaça destruir Moscou.

A despeito da história confusa e risível, Guardiões da Noite é somente mais uma versão do combate entre mocinhos e bandidos, maniqueísmo que Bekmambetov tenta esconder através dos métodos nada ortodoxos de Anton – capaz, inclusive, de matar, ameaçando o pacto de não-agressão firmado entre Geser, líder da Luz, e Zavulon, senhor da Escuridão. De passado obscuro, pois quase assassinou, em ritual de magia negra, o suposto filho bastardo da esposa, o protagonista é a peça manipulável do jogo que Geser e Zavulon travam entre si, na medida em que, para o primeiro, representa o caminho mais curto (fora da burocracia estabelecida pelo acordo) para limpar o planeta dos entes malignos, enquanto, para o segundo, significa o exemplo negativo que trará Yegor – o “Grande Outro” que, como Anakin Skywalker na saga Guerra nas Estrelas, está destinado a alterar o equilíbrio entre as forças opostas – para as Trevas. A guinada de Yegor para o Mal, bem como a descoberta de que se trata do filho legítimo de Anton, são as reviravoltas previsíveis do roteiro.

Pior que a história, no entanto, é a forma com que Bekmambetov a encena. A luta decisiva do herói contra Zavulon, por exemplo, dá-se com imagens retiradas diretamente de jogo de computador, refletindo com perfeição a estética virtual impressa pelo cineasta em Guardiões da Noite: cortes alucinados entre planos desconexos (cuja velocidade ultrapassa a da MTV e se aproxima da vista nos filmes de Darren Aronovsky), que unem a ação do presente com estilhaços de momentos passados; travellings voadores computadorizados, que eliminam a distância física entre os diversos espaços e acabam por trazer a narrativa para a absoluta mitificação despolitizada; necessidade compulsiva de transformar todos os planos em clímaxes por si mesmos, através da entrada e do aumento repentino da música, ou da junção de imagens e de sons que primam pela violência sensória. Para Bekmambetov, assim, está em jogo seduzir o espectador, paradoxalmente, abusando de seus sentidos, com planos que vão a contrastes gráficos extremos e que utilizam movimentos de câmera libérrimos os quais, sem enquadrarem nada de fundamental ou estarem a serviço da narrativa, apenas repetem as estripulias boçais de um Gaspar Noé em Irreversível.

Se Zavulon é o mentor dos acontecimentos que levam o “Grande Outro” a optar pela Escuridão, fica a pergunta: como Yegor consegue a façanha de ser enganado por contador de histórias tão ruim? Talvez porque tenha doze anos e não conheça a vilania alheia. Para azar de Timur Bekmambetov, Guardiões da Noite é proibido para menores, de modo que a torpeza de sua narrativa não passa impune aos olhos de quem a assiste.

Paulo Ricardo de Almeida