FIM DO MUNDO/NAMORADOS
Shiori Kazama, Sekai no owari / World’s End/Girl friend, Japão, 2005

Parte do que há de mais interessante em O Fim do Mundo/Namorados é observar uma cineasta que saiba diluir influências sem usá-las como um escudo para si. O primeiro plano, com um dos protagonistas andando por um beco escuro, já deixa claro, tanto pelo quadro quanto pela postura diante do personagem, que Shiori Kazama viu muito Tsai Ming-liang. Mas também mostra, em especial no quadro mais próximo da garota, que tem noção o bastante sobre o que faz para não ser uma mera coladora de planos. Com a foto bastante granulada, o filme se alonga em observar por algum tempo uma pessoa solitárao em meio ao nada. Talvez a diferença máxima entre Tsai e Kazama seja que filmar o Japão é diferente de se filmar Taiwan, e isso passa por outras opções de texturas e uma câmera mais flexível em muitos momentos.

Os personagens de Kazama são mais melancólicos que solitários, já que fazem companhia uns aos outros em qualquer situação, mas sempre passam uma idéia de deslocamento – mesmo Shinossuke, que é a primeira vista um sujeito descolado, vai se revelando aos poucos alguém um tanto perdido. A forma como Kazama filma estas relações, com encenação nem um pouco apressada, talvez seja o que há de melhor em Fim do Mundo..., especialmente porque a cineasta dedica a todos os personagens o mesmo tipo de olhar, mesmo quando a atenção se foque mais em um ou outro. E há cenas bastante fortes, dentre elas diversas entre Shinossuke e Haruko, muitas com humor bastante efetivo. Mas, provavelmente a mais bonita seja mesmo entre Haruko e seu namorado, quando ele a encontra escondida atrás das cortinas e lhe conta sobre quando caiu no buraco, terminando com um plano especialmente forte com o abraço dos dois.

O movimento mais complicado que a cineasta faz no filme é justamente quando precisa tomar um posição dramatúrgica em que um personagem se põe contra o outro, e acaba nesta opção abandonando, de forma consideravelmente questionável, um personagem ao qual dedicava um carinho especial, justamente o namorado de Haruko. Quando sua esposa retorna, e este abandona Haruko, com o plano da mão dela largando a camisa dele, vemos um raro caso de um plano realmente ruim no filme. Opção curiosa, em especial porque até mesmo a garota com quem saía Shinossuke no momento, um personagem novo no filme, recebe uma dedicação e olhar mais carinhoso, enquanto com o namorado de Haruko o filme apenas cria uma ruptura e não mais reata. As cenas que se seguem à esta seqüência alternam muita a regularidade, com uma clara dificuldade de entrar num crescendo dramático final ao filme, quando o casal central teria de ter seu encontro. A opção de como se lidar com isso passa longe da obviedade, e ainda que se sinta falta de alguma coisa, a forma como ela resolve, sem necessariamente fechar os acontecimentos com um final exato, é bastante forte e bem encenada. Mesmo que soe como um cinema em ainda formação, com as opções formais às vezes se atropelando, e ainda tendendo a necessitar de seus mestres para fazer seu cinema, fica uma impressão forte, e em especial o desejo de procurar no futuro novos filmes desta jovem cineasta.

Guilherme Martins