Parte do que há de mais interessante
em O Fim do Mundo/Namorados é observar uma cineasta
que saiba diluir influências sem usá-las como um escudo
para si. O primeiro plano, com um dos protagonistas
andando por um beco escuro, já deixa claro, tanto pelo
quadro quanto pela postura diante do personagem, que
Shiori Kazama viu muito Tsai Ming-liang. Mas também
mostra, em especial no quadro mais próximo da garota,
que tem noção o bastante sobre o que faz para não ser
uma mera coladora de planos. Com a foto bastante granulada,
o filme se alonga em observar por algum tempo uma pessoa
solitárao em meio ao nada. Talvez a diferença máxima
entre Tsai e Kazama seja que filmar o Japão é diferente
de se filmar Taiwan, e isso passa por outras opções
de texturas e uma câmera mais flexível em muitos momentos.
Os personagens de Kazama são mais melancólicos que solitários,
já que fazem companhia uns aos outros em qualquer situação,
mas sempre passam uma idéia de deslocamento – mesmo
Shinossuke, que é a primeira vista um sujeito descolado,
vai se revelando aos poucos alguém um tanto perdido.
A forma como Kazama filma estas relações, com encenação
nem um pouco apressada, talvez seja o que há de melhor
em Fim do Mundo..., especialmente porque a cineasta
dedica a todos os personagens o mesmo tipo de olhar,
mesmo quando a atenção se foque mais em um ou outro.
E há cenas bastante fortes, dentre elas diversas entre
Shinossuke e Haruko, muitas com humor bastante efetivo.
Mas, provavelmente a mais bonita seja mesmo entre Haruko
e seu namorado, quando ele a encontra escondida atrás
das cortinas e lhe conta sobre quando caiu no buraco,
terminando com um plano especialmente forte com o abraço
dos dois.
O movimento mais complicado que a cineasta faz no filme
é justamente quando precisa tomar um posição dramatúrgica
em que um personagem se põe contra o outro, e acaba
nesta opção abandonando, de forma consideravelmente
questionável, um personagem ao qual dedicava um carinho
especial, justamente o namorado de Haruko. Quando sua
esposa retorna, e este abandona Haruko, com o plano
da mão dela largando a camisa dele, vemos um raro caso
de um plano realmente ruim no filme. Opção curiosa,
em especial porque até mesmo a garota com quem saía
Shinossuke no momento, um personagem novo no filme,
recebe uma dedicação e olhar mais carinhoso, enquanto
com o namorado de Haruko o filme apenas cria uma ruptura
e não mais reata. As cenas que se seguem à esta seqüência
alternam muita a regularidade, com uma clara dificuldade
de entrar num crescendo dramático final ao filme, quando
o casal central teria de ter seu encontro. A opção de
como se lidar com isso passa longe da obviedade, e ainda
que se sinta falta de alguma coisa, a forma como ela
resolve, sem necessariamente fechar os acontecimentos
com um final exato, é bastante forte e bem encenada.
Mesmo que soe como um cinema em ainda formação, com
as opções formais às vezes se atropelando, e ainda tendendo
a necessitar de seus mestres para fazer seu cinema,
fica uma impressão forte, e em especial o desejo de
procurar no futuro novos filmes desta jovem cineasta.
Guilherme Martins
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