Longa dividido em episódios
com a proposta de dar carta branca para três cineastas
importantes de locais bastante diversos – Ásia, América,
Europa, a idéia é mesmo continental, ainda que não exista
nada mais italiano que o episódio de Antonioni – versarem
sobre o desejo carnal. Picareta como a grande maioria
destes trabalhos, a embalagem que cerca os trabalhos
de Wong, Soderbergh e Antonioni é um verdadeiro estudo
do cafona que quer ser chique, mesclando pinturas ao
som de Caetano – é tão pretensamente sofisticado, que
faz todas as eventuais quedas pela cafonice dos episódios
soarem de uma força desmedida. Em todo caso o que realmente
interessa é a oportunidade de observar os cineastas
em ação, tendo como atração especial uma cada vez mais
rara, dado seu estado de saúde, chance de ver Antonioni
em ação.
Dando continuidade formal ao trabalho realizado em Amor
à Flor da Pele, Wong mergulha, com uma imersão bem
menos apática que a de seus parceiros de empreitada,
e faz uma obra com coerência conceitual mais direta,
como se realmente aproveitasse da oportunidade para
dar seguimento a sua obra pessoal. Se arrisca ao tentar
realmente construir ali um conto sobre a relação entre
dois personagens, mesmo tendo uma curta duração para
trabalhar, encontrando um tempo exato para que tudo
se resolva. Mãos, título pouco sutil, de fato
desdobra sua curta duração, arrasta o tempo para uma
realidade bastante interna. Com um trabalho detalhado,
onde as peças têm de se encaixar na hora certa, embalado
pela fotografia de Christopher Doyle e um trabalho sensacional
com os atores – nenhuma novidade em nenhum dos casos,
mas uma composição perfeita ainda assim – é impressionante
como tudo vai crescendo aos poucos no filme, onde cada
ato e plano vai ganhando um sentido cada vez mais pesado
e necessário. Não há nada de novo para os habituados
com o trabalho de Wong Kar Wai, e talvez se pensado
como um passo dentro de sua filmografia pode até soar
como algo estacionado, mas isso não diminui em nada
a força do curta/média.
À parte uma atuação esforçada de Robert Downey Jr.,
que tenta dar algum tom para aquilo que se desenvolve
tão desajeitadamente, o bloco comando por Soderbergh
não passa de mais uma das tentativas do cineasta em
manter duas carreiras paralelas, a mais comercial –
aonde eventualmente acerta a mão, mesmo que tropeçando
– e uma onde se desenvolveria um trabalho “de arte”,
seja lá exatamente o que isso signifique. Abrindo com
uma seqüência em cores – boa parte dele se passa em
p&b –, ao som estridente de uma canção, Soderbergh
já dá seus primeiros sinais de não ter a menor idéia
do que está fazendo, ao balançar a câmera de um lado
pro outro. De certa forma, Soderbergh é aquele que mais
comprou a noção-picaretagem do projeto, já que não bastasse
esquivar-se do “tema” do projeto, incorpora alguns dos
maiores tiques que os piores enganadores carregam, como
os joguinhos com a narrativa com direito à reviravolta
no fim – metendo inclusive o uso das cores nesse processo.
Chega a ser assustador o quanto, no fim das contas,
todo o filme não existe, está ali com um único propósito
de enrolar, aonde o personagem de Downey Jr. se encontra
no divã com Alan Arkin, encenando uma porção de atos
misteriosos do segundo enquanto o primeiro põe pra fora
suas angústias – ao fim descobrimos que tudo aquilo
não passava disto mesmo, um sonho angustiado. O divã
é ainda mais careta que a parte do quarto, a colorida,
mas faz algum sentido dentro da idéia; todavia é difícil
acreditar que não exista uma mise-én-scene toda
errada aqui, num sentido quase mofado. O fato é que
suas tentativas de musical multicoloridos, como Doze
Homens e um Segredo são definitivamente de um interesse
muito maior que empreitadas como esta.
O filme fecha com o trabalho de Antonioni, que, longe
de se tratar de um filme final, que trate da morte de
uma obra e de um olhar (tal qual filmes como Sarabanda
e Vai e Vem – Bergman e Monteiro, respectivamente),
o tom aqui é mais de algo passageiro, mesmo com todo
o peso que Antonioni dá aos atos encenados. Há algo
de meio desencontrado no filme, bastante irregular,
como se Antonioni tateasse meio perdidamente, e sempre
que tentasse expôr algo de mais concreto, especialmente
no ato final do episódio, onde as imagens ganham um
peso bastante estranho e desregulado, a coisa desandasse.
O que há de melhor circula o citado no primeiro parágrafo,
o italiano – o modo como Antonioni filma os descampados,
o mar, as paisagens, a casa antiga, as plantas, e mesmo
as pessoas, e como elas interagem com todos estes ambientes.
É mais do que o bastante para valer a viagem estranha
que é observar este trabalho. Há ainda perdido um zoom
arrepiante, uma quase assinatura, mesmo que solta demais.
Se a cereja do bolo é o episódio de Wong, observar alguns
dos planos que alcança Antonioni não deixa também de
dar valor à picaretagem do projeto.
Guilherme Martins
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