EROS
Wong Kar-wai, Steven Soderbergh e Michelangelo Antonioni, Eros, Hong Kong/EUA/Itália/China/França/ Luxemburgo/Inglaterra, 2005

Longa dividido em episódios com a proposta de dar carta branca para três cineastas importantes de locais bastante diversos – Ásia, América, Europa, a idéia é mesmo continental, ainda que não exista nada mais italiano que o episódio de Antonioni – versarem sobre o desejo carnal. Picareta como a grande maioria destes trabalhos, a embalagem que cerca os trabalhos de Wong, Soderbergh e Antonioni é um verdadeiro estudo do cafona que quer ser chique, mesclando pinturas ao som de Caetano – é tão pretensamente sofisticado, que faz todas as eventuais quedas pela cafonice dos episódios soarem de uma força desmedida. Em todo caso o que realmente interessa é a oportunidade de observar os cineastas em ação, tendo como atração especial uma cada vez mais rara, dado seu estado de saúde, chance de ver Antonioni em ação.

Dando continuidade formal ao trabalho realizado em Amor à Flor da Pele, Wong mergulha, com uma imersão bem menos apática que a de seus parceiros de empreitada, e faz uma obra com coerência conceitual mais direta, como se realmente aproveitasse da oportunidade para dar seguimento a sua obra pessoal. Se arrisca ao tentar realmente construir ali um conto sobre a relação entre dois personagens, mesmo tendo uma curta duração para trabalhar, encontrando um tempo exato para que tudo se resolva. Mãos, título pouco sutil, de fato desdobra sua curta duração, arrasta o tempo para uma realidade bastante interna. Com um trabalho detalhado, onde as peças têm de se encaixar na hora certa, embalado pela fotografia de Christopher Doyle e um trabalho sensacional com os atores – nenhuma novidade em nenhum dos casos, mas uma composição perfeita ainda assim – é impressionante como tudo vai crescendo aos poucos no filme, onde cada ato e plano vai ganhando um sentido cada vez mais pesado e necessário. Não há nada de novo para os habituados com o trabalho de Wong Kar Wai, e talvez se pensado como um passo dentro de sua filmografia pode até soar como algo estacionado, mas isso não diminui em nada a força do curta/média.

À parte uma atuação esforçada de Robert Downey Jr., que tenta dar algum tom para aquilo que se desenvolve tão desajeitadamente, o bloco comando por Soderbergh não passa de mais uma das tentativas do cineasta em manter duas carreiras paralelas, a mais comercial – aonde eventualmente acerta a mão, mesmo que tropeçando – e uma onde se desenvolveria um trabalho “de arte”, seja lá exatamente o que isso signifique. Abrindo com uma seqüência em cores – boa parte dele se passa em p&b –, ao som estridente de uma canção, Soderbergh já dá seus primeiros sinais de não ter a menor idéia do que está fazendo, ao balançar a câmera de um lado pro outro. De certa forma, Soderbergh é aquele que mais comprou a noção-picaretagem do projeto, já que não bastasse esquivar-se do “tema” do projeto, incorpora alguns dos maiores tiques que os piores enganadores carregam, como os joguinhos com a narrativa com direito à reviravolta no fim – metendo inclusive o uso das cores nesse processo. Chega a ser assustador o quanto, no fim das contas, todo o filme não existe, está ali com um único propósito de enrolar, aonde o personagem de Downey Jr. se encontra no divã com Alan Arkin, encenando uma porção de atos misteriosos do segundo enquanto o primeiro põe pra fora suas angústias – ao fim descobrimos que tudo aquilo não passava disto mesmo, um sonho angustiado. O divã é ainda mais careta que a parte do quarto, a colorida, mas faz algum sentido dentro da idéia; todavia é difícil acreditar que não exista uma mise-én-scene toda errada aqui, num sentido quase mofado. O fato é que suas tentativas de musical multicoloridos, como Doze Homens e um Segredo são definitivamente de um interesse muito maior que empreitadas como esta.

O filme fecha com o trabalho de Antonioni, que, longe de se tratar de um filme final, que trate da morte de uma obra e de um olhar (tal qual filmes como Sarabanda e Vai e Vem – Bergman e Monteiro, respectivamente), o tom aqui é mais de algo passageiro, mesmo com todo o peso que Antonioni dá aos atos encenados. Há algo de meio desencontrado no filme, bastante irregular, como se Antonioni tateasse meio perdidamente, e sempre que tentasse expôr algo de mais concreto, especialmente no ato final do episódio, onde as imagens ganham um peso bastante estranho e desregulado, a coisa desandasse. O que há de melhor circula o citado no primeiro parágrafo, o italiano – o modo como Antonioni filma os descampados, o mar, as paisagens, a casa antiga, as plantas, e mesmo as pessoas, e como elas interagem com todos estes ambientes. É mais do que o bastante para valer a viagem estranha que é observar este trabalho. Há ainda perdido um zoom arrepiante, uma quase assinatura, mesmo que solta demais. Se a cereja do bolo é o episódio de Wong, observar alguns dos planos que alcança Antonioni não deixa também de dar valor à picaretagem do projeto.

Guilherme Martins