Parece haver dois filmes, ou
pelo menos dois conflitos distintos, em Amor Para Sempre, do inglês Roger Mitchell, baseado em livro de Ian
McEwan. Primeiro temos o trauma provocado em um professor
pela morte de um desconhecido, depois que ambos, mais
um grupo de pessoas, tentam conter o vôo descontrolado
de um balão com uma criança dentro. O protagonista,
intelectual com visão biológica do amor, dotado de racionalismo
ferrenho, acha-se culpado, e é atormentado pela lembrança
do acidente e pela possibilidade de tê-lo evitado. Acha
que sua opção - largar a corda quando o balão começa
a voar - foi falha de caráter. Covardia. Individualismo.
O segundo conflito, que nasce mais ou menos atrelado
ao primeiro, mas toma outra rumo, é mais insólito.
O protagonista começa a ser seguido por um sujeito a
quem conheceu no local da tragédia, e esse sujeito revela,
depois de algum mistério, qual é seu interesse no protagonista.
Papo religioso, papo sexual – muito estranho. Esse segundo
núcleo dramático arquiva o primeiro, com sua base psicológica
e moral, para revestir a história com uma linha de “suspense
com psicopata”. A questão da culpa se dilui, e abre
espaço para a ameaça. Em quaisquer casos, investe-se
no desequilíbrio dos dois personagens - na loucura consciente
de um e na piração orgânica do segundo. O amor mostra-se
uma questão patológica. A suspeita de conspiração toma
conta do personagem central, insistindo, assim, em seus
princípios racionalistas.
Roger Mitchell não se limita a ligar a câmera para filmar,
em 2:35, com ampla margem lateral, esse drama moral-psiquíco
com mecanismos de thriller: quer correr atrás de um
estilo que potencialize a instabilidade do universo
filmado. Corre demais até. Talvez para se contrapor
à sobriedade, para muitos conservadora, de Um Lugar Chamado Notting Hill e A Mãe, decide por condução quase frenética.
Ele coloca a câmera em vários ângulos de um mesmo espaço,
sem necessariamente obter efeitos plásticos de suas
mudanças de enquadramento, tampouco uma dinâmica visual
gerada pela passsagem de um plano a outro. Puro maneirismo
para se manter a narrativa em ação constante, seja o
movimento dos corpos dos atores, seja o movimento da
câmera ou dos cortes. Mitchell também busca um ar de
modernidade quando cultiva a dissonância de som e imagem
no mesmo plano. Até mesmo a sequência do vôo do balão
e da queda subsequente são nada óbvias, embora seja
possível também vê-las apenas como fruto de uma direção
pouco hábil.
Quando resolve observar mais os seres e agilizar menos
a imagem, Mitchell encontra um casal de atores que,
ao contrário daquele outro de 9 Canções, do também inglês Michael Winterbotton, revela a intimidade
com algum grau de autenticidade. Não se trata de sexo,
como no outro filme, mas de tensão. A relação do protagonista
vai para o vinagre quando o peso da culpa passa a ter
importância superior à sua namorada (Samantha Morton).
Mitchell tem a vantagem de lidar com uma circunstância
dramática quando filma essa intimidade de casal. Eles
não vivem a intimidade cotidiana, mas uma intimidade
espetacular. De qualquer forma, se a princípio parece
disposto a agarrar-se no minímo e penetrar nele até
extrair caldo dramático, Mitchell abandona essa proposta:
ao inserir a enigmática figura do “perseguidor” do protagonista,
o filme larga o conflito psicológico e toma o patológico,
substituindo a crise emocional pela intriga com acontecimentos
novos.
O diretor demonstra ter uma habilidade maior para construir
um sentido de cena, de conflitos entre personagens durante
conversas, sem exibir a mesma capacidade quando “esculpe”
a imagem, empregando não só enquadramentos variados
como também acelerando ou colocando as situações em
câmera lenta. Mitchell parece um diretor conservador
brincando de pequenos experimentalismos. Seu conservadorismo
competente já era conhecido de Um Lugar Chamado Notting Hill e A
Mãe, filmes diferentes entre si, mas dotados de
um esquematismo dramático que, com resultados variados,
revelavam um diretor apoiado demais nas etapas posteriores
e anteriores à filmagem. É verdade que A Mãe, em alguns momentos, fugia do previsível. Tínhamos lá uma família
também ameaçada de dissolução por conta da força dos
instintos incontroláveis (de uma mãe coroa com o jovem
homem de sua filha). A protagonista de meia-idade manifesta
seu desejo sem vergonha de fazê-lo com o despudor necessário
para qualquer manifestação bruta de desejos. A circunstância,
para Mitchell, porém, pedia “respeito”. A câmera nos
dava a ver algo de carnal desse desejo, mas mantinha
uma distância até certo ponto movida por pudor. Esse
era o interesse limítrofe do filme.
Dois “roteirismos” manifestam-se nas soluções dos conflitos
de seu novo filme: 1) O casal reeditará o piquenique
interrompido no início, interrupção que, no desenvolver
das situações, interromperá a própria relação deles.
2) A necessidade circunstancial do herói atormentado
em envolver-se em uma segunda morte para enterrar o
trauma gerado pela primeira. Mas, há menos auto-limites
em Amor Para Sempre,
afinal, agora, estamos em um filme mais moderninho.
Vemos primeiro a queda de um homem no início. Se não
se mostra o impacto do corpo no chão, os efeitos físicos
serão mostrados logo adiante, assim como a imagem da
queda, de outro ângulo, será repetida mais de uma vez.
Mitchell não crê na força dramática da morte e do acidente.
Opta por uma estilização que, embora às vezes possa
causar algum estranhamento positivo, quase sempre mostra-se
questionável como arma para potencializar o material
manuseado pelo diretor.
Cléber Eduardo
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