Como já havíamos escrito no
texto sobre o filme Três...Extremos, do qual
Dumplings é como um dos três episódios, em uma
versão de cerca de 40 minutos, um formato curto – seja
em literatura, seja no cinema – é de muita conveniência
para se transmitir uma história de ingredientes sobrenaturais.
Nesse formato, uma intensa cumplicidade da audiência
é conquistada, através de um poder encantatório que
vai se desprendendo através da rápida sobreposição de
elementos inusitados, narrados de forma objetiva, sem
que se forneça muito espaço para pensamentos ou análises
detalhadas. O surgimento de espaço para reflexão podendo
induzir a uma busca de verossimilhança não é necessariamente
desejável para a fruição de uma narrativa de cunho essencialmente
fantástico e irreal.
É nessa objetividade inusitada que reside o principal
método da versão curta de Dumplings. Ela se fecha
redondamente como um conto de terror quase perfeito,
onde Fruit Chan sabiamente consegue equilibrar os elementos
escabrosos da história roteirizada por Lilian Lee inserindo
novos elementos em sua obra, que tradicionalmente privilegiava
uma abordagem explícita de elementos orgânicos, beirando
o escatológico e, à moda dos irmãos Farrelly, sobrepujando
um certo senso de “bom gosto”. Em Dumplings,
Fruit Chan, sem abandonar o universo que explora abertamente
elementos fisiológicos – alimentação, envelhecimento,
sexo, gravidez - opta por uma mise-en-scène que
beira a elegância e, até mesmo, a delicadeza. Ele faz
isso não como forma de suavizar ou tornar seu estilo
mais palatável, mas sim como mais uma arma de sedução
e coerência com a abordagem de um universo feminino
no qual Dumplings se ambienta. Quando surge o
grotesco, ele vem para destacar toda uma perversidade
inerente a uma busca sem freios pela vaidade e o hedonismo
no mundo em que vive a Sra. Li. O contraste entre os
luxuosos ambientes que ela habita e a sordidez do condomínio
pobre onde mora a “feiticeira” Tia Mei ressalta ainda
mais esse ponto de vista.
Pensando mais especificamente na versão de Dumplings
em longa-metragem (90 minutos), percebe-se que todos
os elementos que cristalizam os méritos e o poder de
sedução do filme já constavam em sua versão mais condensada.
No longa, roteiro e direção aproveitam para explorar
mais os detalhes, seja na ambientação, seja na concepção
e background das personagens. Se por vezes esse
maior tempo abre espaço para alguns bem vindos elementos
de humor sutil, por outro lado um maior detalhamento
sobre as personagens acaba abrindo espaço para explicações
desnecessárias, que nada enriquecem o eixo central da
narrativa. Além disso, uma exposição mais franca da
psicologia e motivações das protagonistas explicita
ações e atitudes que melhor funcionavam quando tangencialmente
sugeridas na versão mais curta. Tudo coerente com a
nossa tese inicial que a busca de verossimilhança contribui
negativamente para o impacto de histórias fantásticas.
A cessão de um maior espaço no longa-metragem para a
figura do marido e da amante (essa última praticamente
ausente no curta, exceto por uma breve cena) faz com
que a personagem da Sra. Li perca um pouco da perversidade
bruta que, em especial na versão reduzida, vai se exacerbando
à medida que os bolinhos de Tia Mei começam a fazer
efeito. Com isso, se delineia um terreno que nos leva
a conclusões diferentes para as duas versões, sendo
que a do curta é sensivelmente mais cruel, mais impactante.
Ainda assim, o Dumplings alongado não deixa de
se configurar uma amostra expressiva e particular da
pouco conhecida (por aqui, pelo menos) obra de Fruit
Chan. Mas, feitas as devidas comparações, os 90 minutos
abraçam apenas um bom longa-metragem, enquanto que,
com somente 40 minutos, Dumplings quase sempre
beirava a excelência.
Gilberto Silva Jr.
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