DUMPLINGS
Fruit Chan, Gaudzi, Hong Kong, 2004

Como já havíamos escrito no texto sobre o filme Três...Extremos, do qual Dumplings é como um dos três episódios, em uma versão de cerca de 40 minutos, um formato curto – seja em literatura, seja no cinema – é de muita conveniência para se transmitir uma história de ingredientes sobrenaturais. Nesse formato, uma intensa cumplicidade da audiência é conquistada, através de um poder encantatório que vai se desprendendo através da rápida sobreposição de elementos inusitados, narrados de forma objetiva, sem que se forneça muito espaço para pensamentos ou análises detalhadas. O surgimento de espaço para reflexão podendo induzir a uma busca de verossimilhança não é necessariamente desejável para a fruição de uma narrativa de cunho essencialmente fantástico e irreal.

É nessa objetividade inusitada que reside o principal método da versão curta de Dumplings. Ela se fecha redondamente como um conto de terror quase perfeito, onde Fruit Chan sabiamente consegue equilibrar os elementos escabrosos da história roteirizada por Lilian Lee inserindo novos elementos em sua obra, que tradicionalmente privilegiava uma abordagem explícita de elementos orgânicos, beirando o escatológico e, à moda dos irmãos Farrelly, sobrepujando um certo senso de “bom gosto”. Em Dumplings, Fruit Chan, sem abandonar o universo que explora abertamente elementos fisiológicos – alimentação, envelhecimento, sexo, gravidez - opta por uma mise-en-scène que beira a elegância e, até mesmo, a delicadeza. Ele faz isso não como forma de suavizar ou tornar seu estilo mais palatável, mas sim como mais uma arma de sedução e coerência com a abordagem de um universo feminino no qual Dumplings se ambienta. Quando surge o grotesco, ele vem para destacar toda uma perversidade inerente a uma busca sem freios pela vaidade e o hedonismo no mundo em que vive a Sra. Li. O contraste entre os luxuosos ambientes que ela habita e a sordidez do condomínio pobre onde mora a “feiticeira” Tia Mei ressalta ainda mais esse ponto de vista.

Pensando mais especificamente na versão de Dumplings em longa-metragem (90 minutos), percebe-se que todos os elementos que cristalizam os méritos e o poder de sedução do filme já constavam em sua versão mais condensada. No longa, roteiro e direção aproveitam para explorar mais os detalhes, seja na ambientação, seja na concepção e background das personagens. Se por vezes esse maior tempo abre espaço para alguns bem vindos elementos de humor sutil, por outro lado um maior detalhamento sobre as personagens acaba abrindo espaço para explicações desnecessárias, que nada enriquecem o eixo central da narrativa. Além disso, uma exposição mais franca da psicologia e motivações das protagonistas explicita ações e atitudes que melhor funcionavam quando tangencialmente sugeridas na versão mais curta. Tudo coerente com a nossa tese inicial que a busca de verossimilhança contribui negativamente para o impacto de histórias fantásticas.

A cessão de um maior espaço no longa-metragem para a figura do marido e da amante (essa última praticamente ausente no curta, exceto por uma breve cena) faz com que a personagem da Sra. Li perca um pouco da perversidade bruta que, em especial na versão reduzida, vai se exacerbando à medida que os bolinhos de Tia Mei começam a fazer efeito. Com isso, se delineia um terreno que nos leva a conclusões diferentes para as duas versões, sendo que a do curta é sensivelmente mais cruel, mais impactante. Ainda assim, o Dumplings alongado não deixa de se configurar uma amostra expressiva e particular da pouco conhecida (por aqui, pelo menos) obra de Fruit Chan. Mas, feitas as devidas comparações, os 90 minutos abraçam apenas um bom longa-metragem, enquanto que, com somente 40 minutos, Dumplings quase sempre beirava a excelência.

Gilberto Silva Jr.