É preciso tocar em uma questão
exterior ao filme, mas não ao cinema e à crítica, antes
de uma aproximação com Doutores
da Alegria. Ter o conhecimento de ser esse um filme
de Mara Mourão, diretora de Alô?! e Avassaladoras, certamente
alimenta expectativas antecipadas. Não é caso exclusivo:
qualquer filme cria uma esperança qualquer no crítico
caso, esse conheça outros trabalhos do diretor. Isso
pode até interferir na percepção, pois supresas e frustrações,
a rigor, só são possíveis se o crítico, antes de ver
o filme, fizer suposições baseadas em conhecimento da
obra do realizador. No caso de Mara Mourão, levando
em conta esse raciocínio, a expectativa é negativa:
Alô?! e Avassaladoras, hoje já desbotados na memória, deixaram lembrança desanimadora.
Em matéria de humor, registro de ambos, Mara Mourão
nos parece insignificante. Falta-lhe traquejo para controlar
os tempos das piadas e escolher a maneira mais eficaz
de construir o campo. Doutores da Alegria, talvez em parte por conta da fragilidade dos
dois filmes anteriores, é, portanto, uma surpresa se
a postura inicial for de pé atrás.
O material, evidentemente, ajuda. Mara Mourão encadeia
depoimentos de atores que, vestidos e maquiados de palhaços,
atuam para crianças em hospitais. Há muitos fragmentos
de depoimentos dos “doutores”, explicações sobre a importância
da atividade cênica-interativa, para eles e para os
pacientes, momentos dessas atuações. Pode-se ver o filme,
portanto, por esses dois recortes: um é o processo criativo
dos atores, com seus métodos e reflexões, que, se não
são desprovidos de emoção nas palavras, ofertam certo
distanciamento: o da análise. Outro são as interações
com as crianças, situações mais calorosas, mais dotadas
de emoção, sem tanta interferência da diretora, já que,
embora a câmera esteja ali com o objetivo de captar
imagens para um filme, o acontecimento existiria sem
a sua presença e, mesmo não ignorando os sinais de performance
para a câmera, essa câmera capta autenticidade nas “cenas”.
Esses momentos observacionais, porém, apesar de serem
os mais fortes e vivos, são problemáticos pelo ritmo,
mais ou menos constante, que determina os cortes. Aparentemente,
captou-se, em digital, com duas câmeras. Há vários momentos
com plano e contraplano, algo impossível de fazer com
uma câmera apenas, sem um trabalho de encenação e repetição
da cena. O que facilitaria, porém, acaba atrapalhando.
A quantidade de material registrado acaba determinando
um caráter apressado de cada plano, sem dar tempo para
a cena se estabelecer. Também se opta por não dar espaço
ao “depois”, a como reagem as crianças nas ausências
do palhaço, a como as palhaçadas interferem na vida
delas fora do espetáculo.
Seu recorte escolhido, em cima dos palhaços, mais que
das crianças, tem algo de propagandístico e, nesse sentido,
pouco vale a informação de que o criador dos Doutores,
Wellington Nogueira, é marido de Mara Mourão. Mesmo
se não se souber disso, pelo jeito como as coisas estão
articuladas, é evidente o tom propagandístico, de adesão,
sobretudo quando os atores tecem considerações sobre
o caráter subversivo da atuação deles, usando uma máscara
(o nariz, a maquiagem) para jogar fora as máscaras e,
assim, ir para o sacrifício da boa imagem e enfiar-se
no mico completo, varrendo do corpo e da voz os traços
da civilização dos bons modos. Eles falam disso como
padres falam de Deus. Há algo de mágico nessa “missão”
deles (segundo os próprios), algo de beatificado em
suas falas. Gasta-se tempo demais com a auto-legitimação
da atividade e tempo de menos com a atividade propriamente
dita. Mara Mourão empenha-se mais nas explicações, pela
boca dos palhaços, e pouco nas evidências das ações
em si. No cômputo geral, contudo, demonstra progresso.
Cléber Eduardo
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