A Dignidade dos Ninguéns
fala sobre as possibilidades de ação política no
contexto latino-americano do início do século XXI. Fernando
Solanas, apesar de reconhecer a falta de mudanças reais
geradas pelas revoltas contra a crise econômica da Argentina
a partir de 2001, alia-se quase utopicamente aos movimentos
sociais e aos “ninguéns” que homenageia, acreditando
no poder de resistência e na rede de solidariedade que
eles originam.
A Dignidade dos Ninguéns aposta no sonho: entremeando
imagens das grandes passeatas organizadas pelos “piqueteiros”
– contra a crise econômica que desvalorizou o peso,
levou ao confisco da poupança e à moratória da dívida
externa – com entrevistas que apresentam a luta diária
de participantes específicos das manifestações em foco,
Fernando Solanas ainda crê na força da participação
popular e, em conseqüência, na política enquanto instrumento
de melhorias e de transformações sociais. Solanas, contudo,
também percebe a caducidade das ideologias revolucionárias
de esquerda e de seus métodos violentos em relação à
conjuntura democrática e globalizante que norteia a
Argentina atual, bem como o vazio deixado pela ausência
das respostas utópicas aos problemas concretos enfrentados
pelos “ninguéns” que dão alma ao filme.
No entanto, A Dignidade dos Ninguéns encara as
lutas de resistência ainda possíveis – organizar almoços
coletivos para os que não têm o que comer, impedir os
leilões das terras dos pequenos proprietários entoando
o hino nacional, sobreviver catando lixo e ocupando
casa que sofre com enchentes, ajudar desconhecido vítima
da brutalidade policial – como estratégias tão válidas
para a afirmação identitária dos grupos envolvidas quanto
as utilizadas anteriormente, no calor da ditadura militar
que assolou o país nos anos 70.
Portanto, Fernando Solanas acompanha de perto e interage
com as ações e com as histórias que mostra, na medida
em que outorga a sim mesmo o papel de narrador em A
Dignidade dos Ninguéns. Homenageando Fernando Birri,
cujo Tire Dié introduziu a narração em off crítica
e incisiva (que não apenas segue os fatos, mas antes
os comenta) no documentário latino-americano, Solanas
une seu próprio discurso de contestação aos dos movimentos
sociais e dos anônimos que exalta, com olhar carinhoso
que remete aos contos-de-fada com finais felizes. Apesar
das diferenças entre as épocas, partir corajosamente
em busca de príncipes encantados permanece a missão
principal tanto para os revolucionários de ontem quanto
para os de hoje.
Paulo Ricardo de Almeida
|