A DIGNIDADE DOS NINGUÉNS
Fernando Solanas, La dignidad de los nadies, Argentina/Brasil/Suiça, 2005

A Dignidade dos Ninguéns fala sobre as possibilidades de ação política no contexto latino-americano do início do século XXI. Fernando Solanas, apesar de reconhecer a falta de mudanças reais geradas pelas revoltas contra a crise econômica da Argentina a partir de 2001, alia-se quase utopicamente aos movimentos sociais e aos “ninguéns” que homenageia, acreditando no poder de resistência e na rede de solidariedade que eles originam.

A Dignidade dos Ninguéns aposta no sonho: entremeando imagens das grandes passeatas organizadas pelos “piqueteiros” – contra a crise econômica que desvalorizou o peso, levou ao confisco da poupança e à moratória da dívida externa – com entrevistas que apresentam a luta diária de participantes específicos das manifestações em foco, Fernando Solanas ainda crê na força da participação popular e, em conseqüência, na política enquanto instrumento de melhorias e de transformações sociais. Solanas, contudo, também percebe a caducidade das ideologias revolucionárias de esquerda e de seus métodos violentos em relação à conjuntura democrática e globalizante que norteia a Argentina atual, bem como o vazio deixado pela ausência das respostas utópicas aos problemas concretos enfrentados pelos “ninguéns” que dão alma ao filme.

No entanto, A Dignidade dos Ninguéns encara as lutas de resistência ainda possíveis – organizar almoços coletivos para os que não têm o que comer, impedir os leilões das terras dos pequenos proprietários entoando o hino nacional, sobreviver catando lixo e ocupando casa que sofre com enchentes, ajudar desconhecido vítima da brutalidade policial – como estratégias tão válidas para a afirmação identitária dos grupos envolvidas quanto as utilizadas anteriormente, no calor da ditadura militar que assolou o país nos anos 70.

Portanto, Fernando Solanas acompanha de perto e interage com as ações e com as histórias que mostra, na medida em que outorga a sim mesmo o papel de narrador em A Dignidade dos Ninguéns. Homenageando Fernando Birri, cujo Tire Dié introduziu a narração em off crítica e incisiva (que não apenas segue os fatos, mas antes os comenta) no documentário latino-americano, Solanas une seu próprio discurso de contestação aos dos movimentos sociais e dos anônimos que exalta, com olhar carinhoso que remete aos contos-de-fada com finais felizes. Apesar das diferenças entre as épocas, partir corajosamente em busca de príncipes encantados permanece a missão principal tanto para os revolucionários de ontem quanto para os de hoje.

Paulo Ricardo de Almeida