Vamos colocar isso na mesa logo, porque inegavelmente
é o assunto do qual falam todos ao verem Concerto
Campestre: sim, o final deste filme é um dos mais
esdrúxulos de todos os tempos, seja no cinema brasileiro
ou onde mais for. Só que, ao contrário do que a maioria
diz, isso não se dá por alguma deficiência ou impossibilidade
prática de realizar os exagerados efeitos visuais que
pedia a solução final escolhida pelo diretor. Há, é
verdade, um certo ar mambembe nestes, mas nada que não
pudesse ser relevado. O problema maior é sim o excesso
de pretensão escondido neste final "simbólico", que
deixa às claras de forma finalizante e mortal o principal
defeito do filme todo: sua falta de humor. Concerto
Campestre, do início ao fim, se leva a sério demais,
e um final que poderia até funcionar numa chave mais
satírica, revela-se aí sim constrangedor quando busca
assumir tons épicos e metafóricos.
A história do filme tenta, desde o início, mesclar um
jogo de pequena história (bastante calcada numa série
de gêneros específicos) com o ambiente histórico por
detrás dela (que lida principalmente com a questão da
escravidão). Este é um outro exemplo do filme se levando
a sério demais: cumprir com estas pretensões está bastante
longe das possibilidades do trabalho do diretor com
o material dramático em suas mãos. A quantidade de clichês
alinhavados, que vão dos especialmente ruins diálogos
ao desenvolvimento narrativo e de personagens até o
trabalho dos atores, não pode funcionar sem que sintamos
que o diretor os reconhece como tais clichês, e está
disposto a, a partir disso, jogar com seu filme e conosco,
a platéia. Perceber que ele leva completamente a sério
sua história (o que não equivale a dizer que não haja
piadas propositais no filme, apenas que elas terminam
em muito menor número do que as não pensadas como tal),
retira do filme qualquer frescor que ele poderia ter,
num registro que o reconhecesse e criasse alguma novidade
no seu diálogo com os gêneros, etc.
Mesmo a escalação do elenco parece pedir este trabalho:
Antônio Abujamra trabalha num registro de piloto automático
completo, e na medida em que seu personagem passa por
radicais transformações, ele se aproxima do tom de piada
que vai tomando conta do filme, sem que a encenação
o acompanhe em nenhum momento. O mesmo vale para participações
como a de Alexandre Paternost, e principalmente o casal
protagonista, Samara Felippo e Leonardo Vieira todos
lidam com personagens tão completamente batidos que,
na ausência de auto-crítica do filme quanto a isso,
seu ridículo fica exposto. Talvez, porém, o melhor exemplo
seja o personagem interpretado pelo músico e ator Hique
Gomez, o protagonista de A Festa de Margarette,
pelo contraste até com este outro trabalho. Lá, o diretor
Renato Falcão emulava o trabalho do cinema mudo na sua
forma narrativa e com isso pedia dos atores um desempenho
no limite do burlesco, conseguindo deste jogo retirar
a princípio comicidade, mas logo depois pungência extrema
(ou não eram pungentes Charles Chaplin e Buster Keaton? sem comparar neste nível os desempenhos cômicos, claro).
Aqui, Hique Gomes parece continuar no registro onde
funciona, o da paródia, mas seu personagem se leva a
sério, e é levado a sério pelo diretor, pela narrativa.
A sério, ele, como todo o filme, fica mais próximo do
patético e, aí sim, da incapacidade de articular o discurso
desejado. O que leva à sensação, citada no início, de
que ao final do filme só fica a lembrança do esdrúxulo
da sua inadequação. Só que a culpa não é do "furacão"
que toma conta do filme, e sim do que ele adiciona ao
que já vínhamos assistindo desde o início: um filme
que está num registro enquanto seu diretor procura outro.
O que não deixa de ser sempre um espetáculo triste de
se assistir.
Eduardo Valente
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