CACHIMBA
Silvio Caiozzi, Cachimba, Chile, 2004

Nome veterano do cinema chileno, Silvio Caiozzi havia demonstrado em seu trabalho anterior, Coronacion, exibido no Festival do Rio de 2001, um correto domínio da ação dramática e uma cuidadosa concepção de planos e exploração de espaços que mantinham o interesse quanto ao referido filme, apesar de suas evidentes limitações dentro de um universo de óbvio formalismo acadêmico.

Suas intenções com o mais recente Cachimba parecem ter sido mais ousadas, nesse filme anunciado como sua primeira comédia. Mas, a julgar pelo resultado final, Caiozzi não demonstra muito traquejo para o gênero, tentando abraçar bem mais do que estaria ao alcance de suas mãos. A princípio tudo indica que o filme vá trafegar pelo terreno da farsa, com personagens exagerados, em um tom caricato que ultrapassa os limites do ridículo. Sim, é fato que o exagero é, se não inerente, um elemento integrante na comédia e na farsa. Só que, no caso de Cachimba, ao invés de provocar riso ou graça, seus grotescos personagens só conseguem despertar profundo desprezo.

Esse exagero também fica bastante aparente nos demais aspectos da mise-en-scène de Caiozzi, que insiste em se utilizar gratuitamente de planos excessivamente elaborados. Quando o estranho casal de protagonistas, Marcos, um funcionário de banco com obsessão pela preservação do passado, e Hilda, sua namorada gordinha, descobrem numa cidade de praia um museu abandonado que abriga a obra de um pintor desconhecido, as coisas parecem tomar algum rumo, numa seqüência até certo ponto interessante. Surge a figura mais carismática do filme, Don Felipe, o guardião do museu, que domina todas as cenas nas quais aparece, apesar (ou talvez por conta) do trabalho completamente overacting do ator Julio Jung. Mas logo as coisas voltam a desandar, à medida que vai se estabelecendo a trama em que Marco passa a convencer os que o cercam quanto à necessidade de preservação do museu. Aos poucos Cachimba vai abandonando o tom de deboche, que até então já se demonstrara insatisfatório, para começar a se levar demasiado a sério, pretendendo fazer uma reflexão sobre o momento presente da sociedade chilena.

Caiozzi tenta daí para frente conduzir Cachimba como uma crítica a diversos aspectos de seu país. A começar por um arcaísmo dominante, apresentando as personagens em meio a cenários, objetos e figurinos anacrônicos, mas fazendo uso de celulares, computadores e internet. Esse arcaísmo também se estenderia a um comportamento sexual demonstrado pelos protagonistas, reprimidos de forma doentia. O filme também pincela críticas a uma eterna competitividade social e ao neoliberalismo. Em meio a isso tudo, o principal alvo da sanha crítica de Caiozzi parece ser uma ausência de valores culturais e artísticos de destaque na construção de uma identidade nacional chilena. O que, por sinal, não parece nem um pouco despropositado, pois, exceto por Pablo Neruda e Raul Ruiz, qual teria sido a contribuição do Chile à cultura da humanidade?

O problema é que essas críticas parecem ser a todo momento generalizadas em demasia. É tudo muito chamativo e óbvio, carecendo de uma maior sutileza, o que tornaria a sátira mais eficiente. Como está, o filme mais parece um amontoado de bizarrices. Sobram idéias, mas falta talento para concretizá-las. Dessa forma, Cachimba acaba se tornando um barco que naufraga sem mesmo começar a navegar, simplesmente por querer carregar uma carga bem maior que sua capacidade.

Gilberto Silva Jr.