Nome veterano do cinema chileno,
Silvio Caiozzi havia demonstrado em seu trabalho anterior,
Coronacion,
exibido no Festival do Rio de 2001, um correto domínio
da ação dramática e uma cuidadosa concepção de planos
e exploração de espaços que mantinham o interesse quanto
ao referido filme, apesar de suas evidentes limitações
dentro de um universo de óbvio formalismo acadêmico.
Suas intenções com o mais recente Cachimba parecem ter sido mais ousadas, nesse filme anunciado como
sua primeira comédia. Mas, a julgar pelo resultado final,
Caiozzi não demonstra muito traquejo para o gênero,
tentando abraçar bem mais do que estaria ao alcance
de suas mãos. A princípio tudo indica que o filme vá
trafegar pelo terreno da farsa, com personagens exagerados,
em um tom caricato que ultrapassa os limites do ridículo.
Sim, é fato que o exagero é, se não inerente, um elemento
integrante na comédia e na farsa. Só que, no caso de
Cachimba, ao invés de provocar riso ou graça, seus grotescos personagens
só conseguem despertar profundo desprezo.
Esse exagero também fica bastante aparente nos demais
aspectos da mise-en-scène
de Caiozzi, que insiste em se utilizar gratuitamente
de planos excessivamente elaborados. Quando o estranho
casal de protagonistas, Marcos, um funcionário de banco
com obsessão pela preservação do passado, e Hilda, sua
namorada gordinha, descobrem numa cidade de praia um
museu abandonado que abriga a obra de um pintor desconhecido,
as coisas parecem tomar algum rumo, numa seqüência até
certo ponto interessante. Surge a figura mais carismática
do filme, Don Felipe, o guardião do museu, que domina
todas as cenas nas quais aparece, apesar (ou talvez
por conta) do trabalho completamente overacting
do ator Julio Jung. Mas logo as coisas voltam a
desandar, à medida que vai se estabelecendo a trama
em que Marco passa a convencer os que o cercam quanto
à necessidade de preservação do museu. Aos poucos Cachimba vai abandonando o tom de deboche, que até então já se demonstrara
insatisfatório, para começar a se levar demasiado a
sério, pretendendo fazer uma reflexão sobre o momento
presente da sociedade chilena.
Caiozzi tenta daí para frente conduzir Cachimba como uma crítica a diversos aspectos de seu país. A começar
por um arcaísmo dominante, apresentando as personagens
em meio a cenários, objetos e figurinos anacrônicos,
mas fazendo uso de celulares, computadores e internet.
Esse arcaísmo também se estenderia a um comportamento
sexual demonstrado pelos protagonistas, reprimidos de
forma doentia. O filme também pincela críticas a uma
eterna competitividade social e ao neoliberalismo. Em
meio a isso tudo, o principal alvo da sanha crítica
de Caiozzi parece ser uma ausência de valores culturais
e artísticos de destaque na construção de uma identidade
nacional chilena. O que, por sinal, não parece nem um
pouco despropositado, pois, exceto por Pablo Neruda
e Raul Ruiz, qual teria sido a contribuição do Chile
à cultura da humanidade?
O problema é que essas críticas parecem ser a todo momento
generalizadas em demasia. É tudo muito chamativo e óbvio,
carecendo de uma maior sutileza, o que tornaria a sátira
mais eficiente. Como está, o filme mais parece um amontoado
de bizarrices. Sobram idéias, mas falta talento para
concretizá-las. Dessa forma, Cachimba
acaba se tornando um barco que naufraga sem mesmo começar
a navegar, simplesmente por querer carregar uma carga
bem maior que sua capacidade.
Gilberto Silva Jr.
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