A Máquina tem sido saudado
por alguns como um positivo passo do produtor Diler
Trindade em direção a um entretenimento popular de qualidade
(posicionando o filme em oposição aos trabalhos do produtor
com Xuxa, Angélica ou o padre Marcelo). No entanto,
me parece bem mais perto da verdade olhar para A
Máquina como um sinal de uma “dilertrindadização”
do cinema popular brasileiro. Os motivos para esta afirmativa
sobram no filme, marcado por uma impressionante falta
de ritmo: em momentos, corre-se muito com a história,
em outros ela se arrasta sem motivo aparente. De fato,
a sua realização claudicante faz com que várias opções
narrativas nunca funcionem. Por exemplo, é impossível
sua estrutura multi-temporal funcionar se todas as cenas
passadas no futuro são encenadas de maneira tão francamente
mal resolvida (basta que se faça um exercício simples:
repare-se nos planos todos de reação dos personagens
que ouvem a história contada por Paulo Autran – incrivelmente
desconectados do que se conta). Ou ainda que sua antecipação
de um determinado clímax simplesmente não cause efeito
nenhum pela filmagem confusa, feia, truncada, do referido
desfecho.
Chama a atenção ainda, e desde bem cedo no filme, um
preocupante desleixo visual. Preocupante, entre outras
coisas, porque o filme tem a grife fotográfica de Walter
Carvalho por trás de si, e o que constatamos é que no
conflito de grifes (Waltinho versus Diler) parece que
a renomada filmagem-relâmpago do produtor levou a melhor
sobre os cuidados (algumas vezes excessivos) do fotógrafo-marco
do cinema brasileiro atual. Tanto nas suas opções conceituais
maiores (como a filmagem inteira em estúdios da cidade
de Nordestina, o que, nem pelos efeitos de luz conseguidos,
se justifica na estrutura narrativa do filme – e o resultado
é pálido perto da ousadia que vimos, por exemplo, na
série de TV Hoje é dia de Maria), como na realização
pequena mesmo (as imagens em vídeo do começo e do clímax
do filme, as cenas no Rio de Janeiro), o filme parece
muito, muito desleixado.
Já havíamos detectado no último filme de Jorge Furtado
(cineasta que sempre disse, para quem quisesse ouvir,
que não gosta tanto de filmar quanto de escrever) muitos
dos mesmos defeitos notados em A Máquina, ainda
que aquele não fosse um filme de Diler Trindade. Percebemos
agora que, claramente no que se refere a um dito cinema
popular de qualidade, temos um cineasta de fato (Guel
Arraes), e de resto alguns talentos sem muita paciência
com a elaboração da sua linguagem no cinema. No filme
de João Falcão a comparação com Arraes fica muito mais
desigual (e impossível de evitar) ainda, porque de fato
há vários possíveis pontos de contato do filme com Lisbela
e o Prisioneiro – e em todos eles, o filme de Arraes
leva vantagem, desde a estrutura narrativa, o ritmo,
as soluções visuais, até chegar mesmo no que ainda é
o forte de Falcão (ou Furtado), a escritura do roteiro.
Neste há incongruências fortes demais que passam menos
pela questão da verossimilhança do que da simples falta
de coerência interna.
De fato, todos os pontos positivos que restam em A
Máquina (e há alguns, seria mentiroso dizer o contrário
– geralmente nas cenas “pequenas”, íntimas) vêm das
áreas onde o primado da linguagem não é a cinematográfica:
seja o trabalho de atores (com destaque para Paulo Autran,
a pequena participação de Wagner Moura, e alguns papéis
menores, como a mãe do protagonista), que é em essência
a alma do teatro; seja o texto escrito, com suas peculiaridades
linguísticas e a eventual poesia do prosaico, que já
poderiam vir do livro que deu origem à peça, que deu
origem ao filme. Difícil é defender qualquer ponto onde
esta multi-obra tenha sido acrescida de sentido ou de
permanência nesta sua mais recente passagem de meios,
pois o fato é que, no cinema, A Máquina não engrena.
Pode até fazer sucesso, porque sabemos que cuidado e
talento cinematográfico não obrigatoriamente estão relacionados
com as bilheterias (e Diler sabe bem disso). Mas não
representa passo nenhum adiante na linguagem popular
do cinema brasileiro atual.
Eduardo Valente
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