ACHADOS E PERDIDOS
José Joffily, Brasil, 2005

O diretor José Joffily, ao optar por eliminar de seu filme a figura do inspetor Spinoza, que protagoniza o romance de Luiz Alfredo Garcia-Roza, deixa bastante claro seu desejo de não restringir-se a fazer uma narrativa meramente policial, mas sim um filme de personagens, priorizando o drama de Vieira (Antônio Fagundes), delegado aposentado, e sua namorada prostituta (Zezé Polessa), assassinada logo no início da trama. A decisão parece a princípio acertada, tendo em vista a meia hora inicial de Achados e Perdidos: Joffily introduz seus protagonistas de maneira bastante convincente, situando o casal como mais que meros tipos, mas sim figuras dotadas de facetas, contando com intensa cumplicidade entre a dupla de atores.

O diretor convence ao optar por enquadramentos que privilegiam o retrato do universo habitado pelas personagens. Filma apartamentos, bares e inferninhos que sabemos estar situados em Copacabana, sem, no entanto, partir para uma demarcação geográfica que privilegie aspectos peculiares do bairro, como foi feito recentemente em O Outro Lado da Rua ou Diabo a Quatro. Mais que a Copacabana de todos os cariocas, temos a Copacabana particular de Vieira e Magali, onde o casal interage em sua intimidade. Intimidade essa que Joffily consegue transmitir cuidadosamente ao espectador, fazendo uso de planos médios e próximos, concebidos e filmados com um apuro certamente maior que o presente em seus trabalhos anteriores. A eficácia desses momentos iniciais também fica bastante evidente com a narrativa voltando e avançando sucessivamente no tempo, através de flashbacks que são introduzidos de forma clara, com uma montagem ágil e convincente, sem que haja, no entanto, qualquer sinal evidente de passagens no tempo, como alterações no registro de imagem.

Chega, entretanto, um momento no qual fica claro que o filme não poderá se manter apenas às custas de personagens e climas. A história precisa avançar e, a partir de então, Achados e Perdidos começa a deixar pouco a pouco evidentes suas fragilidades. Isso fica bem marcado a partir do flashback que introduz o “passado negro” de Vieira e a origem de sua relação com o político corrupto que o assedia. A seqüência, muito pouco convincente, parece deslocada do filme bem cuidado que se desenvolvera até então. A partir daí, Achados e Perdidos passa a funcionar como uma série de explicações para o crime e as atitudes das personagens, acabando por assumir aos poucos o clima de trama policialesca do qual o filme, a princípio, parecia pretender fugir.

Com isso, inegavalmente vai perdendo boa parte de seu encantamento inicial, abrindo espaço, por exemplo, para a figura pouco convincente de Flor (Juliana Knust), personagem cujas intenções se declaram óbvias desde as primeiras aparições e que carece de uma ambigüidade que lhe permitisse ganhar mais força. Toda a parte da trama que leva Vieira a participar de um complô político (que se sugere, a princípio, como a solução dramática para o assassinato de Magali), se ressente justamente de uma falta de veracidade, coisa que Joffily conseguiu muito propriamente inserir nas cenas iniciais com o casal. Mas a coisa desanda mesmo é nas aparições da prostituta drogada, que desde a primeira vez que entra em cena parece estar no filme para funcionar como uma espécie de oráculo, explicando coisas que não foram vistas e levando à resolução do crime que, a princípio, serviria apenas como ponto de partida para o roteiro.

Ao seu término, Achados e Perdidos deixa uma impressão de frustração de um bom filme desperdiçado caso houvesse conseguido manter a qualidade atingida nos momentos iniciais – mas cujos méritos, ainda assim, acabam por situá-lo em um patamar superior a outras adaptações frustradas de literatura policial no cinema brasileiro recente, como é o caso de Bufo e Spalanzani ou Bellini e a Esfinge.

Gilberto Silva Jr.