O diretor José Joffily, ao optar
por eliminar de seu filme a figura do inspetor Spinoza,
que protagoniza o romance de Luiz Alfredo Garcia-Roza,
deixa bastante claro seu desejo de não restringir-se
a fazer uma narrativa meramente policial, mas sim um
filme de personagens, priorizando o drama de Vieira
(Antônio Fagundes), delegado aposentado, e sua namorada
prostituta (Zezé Polessa), assassinada logo no início
da trama. A decisão parece a princípio acertada, tendo
em vista a meia hora inicial de Achados e Perdidos:
Joffily introduz seus protagonistas de maneira bastante
convincente, situando o casal como mais que meros tipos,
mas sim figuras dotadas de facetas, contando com intensa
cumplicidade entre a dupla de atores.
O diretor convence ao optar por enquadramentos que privilegiam
o retrato do universo habitado pelas personagens. Filma
apartamentos, bares e inferninhos que sabemos estar
situados em Copacabana, sem, no entanto, partir para
uma demarcação geográfica que privilegie aspectos peculiares
do bairro, como foi feito recentemente em O Outro
Lado da Rua ou Diabo a Quatro. Mais
que a Copacabana de todos os cariocas, temos a Copacabana
particular de Vieira e Magali, onde o casal interage
em sua intimidade. Intimidade essa que Joffily consegue
transmitir cuidadosamente ao espectador, fazendo uso
de planos médios e próximos, concebidos e filmados com
um apuro certamente maior que o presente em seus trabalhos
anteriores. A eficácia desses momentos iniciais também
fica bastante evidente com a narrativa voltando e avançando
sucessivamente no tempo, através de flashbacks
que são introduzidos de forma clara, com uma montagem
ágil e convincente, sem que haja, no entanto, qualquer
sinal evidente de passagens no tempo, como alterações
no registro de imagem.
Chega, entretanto, um momento no qual fica claro que
o filme não poderá se manter apenas às custas de personagens
e climas. A história precisa avançar e, a partir de
então, Achados e Perdidos começa a deixar pouco
a pouco evidentes suas fragilidades. Isso fica bem marcado
a partir do flashback que introduz o “passado
negro” de Vieira e a origem de sua relação com o político
corrupto que o assedia. A seqüência, muito pouco convincente,
parece deslocada do filme bem cuidado que se desenvolvera
até então. A partir daí, Achados e Perdidos passa
a funcionar como uma série de explicações para o crime
e as atitudes das personagens, acabando por assumir
aos poucos o clima de trama policialesca do qual o filme,
a princípio, parecia pretender fugir.
Com isso, inegavalmente vai perdendo boa parte de seu
encantamento inicial, abrindo espaço, por exemplo, para
a figura pouco convincente de Flor (Juliana Knust),
personagem cujas intenções se declaram óbvias desde
as primeiras aparições e que carece de uma ambigüidade
que lhe permitisse ganhar mais força. Toda a parte da
trama que leva Vieira a participar de um complô político
(que se sugere, a princípio, como a solução dramática
para o assassinato de Magali), se ressente justamente
de uma falta de veracidade, coisa que Joffily conseguiu
muito propriamente inserir nas cenas iniciais com o
casal. Mas a coisa desanda mesmo é nas aparições da
prostituta drogada, que desde a primeira vez que entra
em cena parece estar no filme para funcionar como uma
espécie de oráculo, explicando coisas que não foram
vistas e levando à resolução do crime que, a princípio,
serviria apenas como ponto de partida para o roteiro.
Ao seu término, Achados e Perdidos deixa uma
impressão de frustração de um bom filme desperdiçado
caso houvesse conseguido manter a qualidade atingida
nos momentos iniciais – mas cujos méritos, ainda assim,
acabam por situá-lo em um patamar superior a outras
adaptações frustradas de literatura policial no cinema
brasileiro recente, como é o caso de Bufo e Spalanzani
ou Bellini e a Esfinge.
Gilberto Silva Jr.
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