TRÊS... EXTREMOS
Fruit Chan, Park Chan-wook e Takashi Miike, Three... extremes, Hong Kong/Coréia do Sul/Japão, 2005

A idéia das narrativas de terror elaboradas em histórias curtas é tão antiga quanto a humanidade, que desde os primórdios as vem divulgando através da tradição oral nas mais diversas culturas. A literatura clássica abraçou tal tradição e consagrou o conto como formato extremamente adequado aos temas sobrenaturais e, em meio a um universo bastante rico, bastaria a obra de Edgar Allan Poe para exemplificar essa tese. Nada mais natural que o cinema também se apropriasse desse conceito, concebendo filmes de longa-metragem compostos por episódios independentes, que funcionariam como coletâneas de histórias de horror. Tal fórmula teve seus tempos de glória no período áureo da Hammer ou com os mestres do terror italiano, Mario Bava pairando acima de todos.

Não deixa de ser bastante bem vinda, então, a proposta desse Três...Extremos, que retoma a idéia do filme-coletânea, aplicando-a ao universo da cinematografia oriental, que nos vem proporcionando alguns dos momentos mais ricos do que se faz em cinema atualmente. Essa empolgação aumenta ainda mais com a escolha dos diretores que conceberam seus episódios independentes para o filme, que, mais que um conjunto coeso, funciona como uma vitrine para que os três autores ofereçam uma breve porém expressiva amostra de seus estilos, expondo não somente seus méritos, mas também suas fragilidades. Com isso, mesmo se o resultado acaba sendo desigual, permanece a todo momento provido de interesse como uma curiosa amostra comparativa de três formas diversas de se fazer cinema.

Contrariando a máxima de que “os últimos serão os primeiros”, Três...Extremos começa logo com a melhor de suas três partes. Um dos mais celebrados realizadores do moderno cinema de Hong-Kong, Fruit Chan apresenta a versão curta de Dumplings. Se o ponto de partida é mais que batido – uma variante dos mitos complementares de Fausto e Dorian Gray – o diretor cria um universo bastante pessoal, repleto de elementos como o poder da comida e da natureza corporal, além de um marcante humor negro que estavam presentes em seu único filme já exibido por essas bandas, Hollywood Hong-Kong (2001). Dumplings consegue ser ao mesmo tempo aterrador e sutilmente irônico, mesclando elementos bizarros a uma narrativa de rara elegância, integrada de forma assombrosa pela fotografia de Christopher Doyle. Abrindo também espaço para excelentes atuações de Miriam Yeung Chin-wah, como a estrela veterana em busca da juventude perdida, e de Bai Ling, como a bruxa que lhe prepara os misteriosos bolinhos que ajudam a resgatar o vigor de tempos passados.

Cut, do sul-coreano Park Chan-Wook é de longe o episódio menos interessante. O diretor retoma aqui, mais uma vez, o tema da vingança que é o mote principal de sua obra, como podemos observar em Old Boy (2004). Temos uma inspiração flagrante em elementos de grand guignol que marcaram alguns filmes estrelados por Vincent Price na década de 70 (O Abominável Dr. Phibes, As Sete Máscaras da Morte) e que tinham como elementos marcantes assassinatos encenados rebuscadamente. Mas, se os filmes com Price transbordavam uma ironia debochada e um caráter abertamente lúdico, Park Chan-Wook concebe seu teatrinho de vingança de forma a igualmente causar um impacto gratuito e extravasar um pretenso virtuosismo em seu modo de filmar. Pode à primeira vista sugerir alguma ousadia, mas no fundo não deixa de demonstrar de forma intensa um exibicionismo pueril, somado a um ritmo de montagem histérico à custa de se pretender vertiginoso, que já caracterizavam os principais defeitos presentes em Old Boy.

Finalizando, Três...Extremos cresce novamente em qualidade com sua última história, Box, do japonês Takasi Miike, realizador prolífico, mas infelizmente de obra pouco divulgada entre nós. Como nos outros, temos aqui ingredientes marcantes da obra anterior de seu autor, em especial seu filme mais conhecido internacionalmente, Audition (1999). Nesse caso, uma narrativa cíclica que mescla sonho, memória e realidade com rara habilidade. Miike integra com propriedade elementos do teatro popular de seu país para contar uma versão mais sombria, violenta e erotizada da rivalidade entre irmãs tão bem explorada em O Que Terá Acontecido a Baby Jane de Robert Aldrich (1962). O espírito de Edgar Allan Poe também paira a todo momento nesse episódio, construído como um emaranhado que vai ao mesmo tempo se desenrolando e novamente reembolando aos poucos, numa estrutura que lembra o título de um conto do escritor americano: Um Sonho Dentro de um Sonho. Além disso, ao contrário de Park Chan-Wook, que corre com sua câmera e retalha seu filme sem saber muito o porquê, Miike demonstra aqui, com enquadramentos e cortes precisos, o quanto domina os recursos da direção e montagem cinematográficas.

Gilberto Silva Jr.