A idéia das narrativas de terror
elaboradas em histórias curtas é tão antiga quanto a
humanidade, que desde os primórdios as vem divulgando
através da tradição oral nas mais diversas culturas.
A literatura clássica abraçou tal tradição e consagrou
o conto como formato extremamente adequado aos temas
sobrenaturais e, em meio a um universo bastante rico,
bastaria a obra de Edgar Allan Poe para exemplificar
essa tese. Nada mais natural que o cinema também se
apropriasse desse conceito, concebendo filmes de longa-metragem
compostos por episódios independentes, que funcionariam
como coletâneas de histórias de horror. Tal fórmula
teve seus tempos de glória no período áureo da Hammer
ou com os mestres do terror italiano, Mario Bava pairando
acima de todos.
Não deixa de ser bastante bem vinda, então, a proposta
desse Três...Extremos,
que retoma a idéia do filme-coletânea, aplicando-a ao
universo da cinematografia oriental, que nos vem proporcionando
alguns dos momentos mais ricos do que se faz em cinema
atualmente. Essa empolgação aumenta ainda mais com a
escolha dos diretores que conceberam seus episódios
independentes para o filme, que, mais que um conjunto
coeso, funciona como uma vitrine para que os três autores
ofereçam uma breve porém expressiva amostra de seus
estilos, expondo não somente seus méritos, mas também
suas fragilidades. Com isso, mesmo se o resultado acaba
sendo desigual, permanece a todo momento provido de
interesse como uma curiosa amostra comparativa de três
formas diversas de se fazer cinema.
Contrariando a máxima de que “os últimos serão os primeiros”,
Três...Extremos
começa logo com a melhor de suas três partes. Um dos
mais celebrados realizadores do moderno cinema de Hong-Kong,
Fruit Chan apresenta a versão curta de Dumplings. Se o ponto de partida é mais
que batido – uma variante dos mitos complementares de
Fausto e Dorian Gray – o diretor cria um universo bastante
pessoal, repleto de elementos como o poder da comida
e da natureza corporal, além de um marcante humor negro
que estavam presentes em seu único filme já exibido
por essas bandas, Hollywood Hong-Kong (2001). Dumplings consegue ser ao mesmo tempo aterrador
e sutilmente irônico, mesclando elementos bizarros a
uma narrativa de rara elegância, integrada de forma
assombrosa pela fotografia de Christopher Doyle. Abrindo
também espaço para excelentes atuações de Miriam Yeung
Chin-wah, como a estrela veterana em busca da juventude
perdida, e de Bai Ling, como a bruxa que lhe prepara
os misteriosos bolinhos que ajudam a resgatar o vigor
de tempos passados.
Cut, do sul-coreano
Park Chan-Wook é de longe o episódio menos interessante.
O diretor retoma aqui, mais uma vez, o tema da vingança
que é o mote principal de sua obra, como podemos observar
em Old Boy (2004).
Temos uma inspiração flagrante em elementos de grand guignol que marcaram alguns filmes estrelados por Vincent Price
na década de 70 (O
Abominável Dr. Phibes, As
Sete Máscaras da Morte) e que tinham como elementos
marcantes assassinatos encenados rebuscadamente. Mas,
se os filmes com Price transbordavam uma ironia debochada
e um caráter abertamente lúdico, Park Chan-Wook concebe
seu teatrinho de vingança de forma a igualmente causar
um impacto gratuito e extravasar um pretenso virtuosismo
em seu modo de filmar. Pode à primeira vista
sugerir alguma ousadia, mas no fundo não deixa de demonstrar
de forma intensa um exibicionismo pueril, somado a um
ritmo de montagem histérico à custa de se pretender
vertiginoso, que já caracterizavam os principais defeitos
presentes em Old Boy.
Finalizando, Três...Extremos
cresce novamente em qualidade com sua última história,
Box, do japonês Takasi Miike, realizador prolífico, mas infelizmente
de obra pouco divulgada entre nós. Como nos outros,
temos aqui ingredientes marcantes da obra anterior de
seu autor, em especial seu filme mais conhecido internacionalmente,
Audition (1999).
Nesse caso, uma narrativa cíclica que mescla sonho,
memória e realidade com rara habilidade. Miike integra
com propriedade elementos do teatro popular de seu país
para contar uma versão mais sombria, violenta e erotizada
da rivalidade entre irmãs tão bem explorada em O
Que Terá Acontecido a Baby Jane de Robert Aldrich
(1962). O espírito de Edgar Allan Poe também paira a
todo momento nesse episódio, construído como um emaranhado
que vai ao mesmo tempo se desenrolando e novamente reembolando
aos poucos, numa estrutura que lembra o título de um
conto do escritor americano: Um Sonho Dentro de um Sonho. Além disso,
ao contrário de Park Chan-Wook, que corre com sua câmera
e retalha seu filme sem saber muito o porquê,
Miike demonstra aqui, com enquadramentos e cortes precisos,
o quanto domina os recursos da direção e montagem cinematográficas.
Gilberto Silva Jr.
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