SEQÜÊNCIA
9
Quarto de Brahms, ele está se recuperando, camisa
aberta, ainda vomita, Madalena se despe, se perfuma,
se mete na cama ao lado dele, lhe faz mensagens, lhe
dá remédios...
Madalena: Você está no fim...
Brahms: Não diga isto...
Madalena: Velho, feio, doente...
Brahms: Douglas, Viacharelli, Brooks, todos pensam em
dar o golpe... não confio em ninguém...
Madalena: Brooks não lhe trairá jamais...
Brahms: Os fanáticos traem com a mesma paixão...
Eu não queria ir ao Senado amanhã... sinto
estranhas vibrações... Sou um homem bom...
Sou um industrial, meu pai era um filósofo, meus
ancestrais foram Imperadores, nas minhas veias corre
o sangue de uma raça superior...
Madalena: Jogue uma bomba atômica no meu coração...
Brahms: Não, não, jogue a bomba no meu
câncer. Ah! Ui! Ai!
Brahms sente dores...
Madalena o despe... o beija... o arranha de leve...
Madalena: Em Ogulaganda ninguém morre de câncer
depois que apareceu um Profeta nas Montanhas do Norte...
Dizem que faz milagres, multiplica os pães, anda
em cima das águas, ressuscita mortos e cura qualquer
doença....
Brahms: Cristo não! Cristo não! Eu sou
diabo, eu tenho medo de Cristo...
Madalena: Mas quem falou em Cristo?
Brahms: Não, não fale neste nome.
Brahms tapa a boca de Madalena. Silêncio. Espreita.
Tempo
Brahms: Sonhei com a estátua de Vênus coberta
de sangue...
Madalena beija Brahms. Ele se acalma
Brahms: Tive vinte e três mulheres, tenho oitenta
filhos e todas me detestam... as mulheres...
Madalena: São seres inferiores?
Brahms: Seres misteriosos... quem é você?
Madalena: A Rainha da Terra, a mãe do Universo...
Brahms: Você não me ama... você quer
salvar Ogulaganda... estou triste, cansado... conquistei
metade do mundo e sou tão infeliz como antes...
Madalena: Você é Deus?
Brahms: Verdade?
Madalena: E a prova de sua força...
Brahms: Douglas, Viacharelli, Brooks, muitos políticos
e jornalistas pensam que eu quero fechar o Senado e
me coroar Imperador... Mas eu já sou o Imperador...
Na verdade eu quero libertar os homens de qualquer forma
de escravidão... Se eu der o poder ao povo, Douglas,
Viacharelli e Brooks serão liquidados. Por isto
conspiram... Meu serviço secreto... tenho sede...
que tragédya ser condenado pelos amigos... mas
não existem amizades... amor, talvez?
Madalena: Ninguém matará Deus...
Brahms: Se o Senado aprovar meus projetos farei a primeira
revolução mundial. Conasegui o apoio de
Pomenarov e Farawaya, dois idiotas fascinados pelo Ocidente...
Margarida: Durma, descanse, diga e faça o que
quiser, estarei com você em qualquer situação.
Madalena beija Brahms
Brahms: Eles pensam que eu quero o poder para mim...
não gosto de meus filhos... meu herdeiro será
o povo... o filho do povo...
Madalena: Nosso filho... meu amor.
Madalena beija Brahms.
SEQÜÊNCIA 48 – COVA DAS SERPENTES
Dentro da cova das serpentes, entre aranhas e teias
eletrônicas: MADALENA e FELIPE fundem seus corpos
e o campo abstrato explode em sons polifônicos,
transcendentais... um tempo... de quando o cinema é
sonho – ou realidade.
Elizabeth na porta da guerra. Justifica-se na cama e
mata os dois.
SEQÜÊNCIA 49 – REINO DIVINO
Cosmos. No centro das Galáxias do Ciclo do Sol
– Deus – O Grande Olho Dourado Azul – recebe CARLOS,
solitário poderoso da América. Infinita
solidão de espelhos tristes – o puro poder morto
de CARLOS através do labirinto e os espelhos
vídeos lhe transmitem as notícias de Ogulaganda
e Eldorado. E nas Américas os ratos atacam por
baixo e os pássaros bombardeiam. Guerra dos animais,
da natureza, do Diabo. CARLOS penetra no Reino Divino,
o Deus Solitário, o centro atômico, onde,
louco, aciona o botão atômico e a terra
parece se desintegrar mas dos gritos Negros – de um
Zumbi ressuscitando num abismo infinito... as energias
musculares e sonoras que se unem a outros cantos e movimentos
de CRISTO e RASSAM, do povo e da natureza e de todos
os ressuscitados dos terremotos que enfrentam a bomba
da Morte, e a graça a destrói, e a bomba
implode nos pulmões de CARLOS: vemos o pulmão,
o câncer, a bomba implodida e a invasão
dos cancerinosos pelas linfas condenam CARLOS a morrer
em alguns dias: do olho ele entra no salão da
Catedral, onde POMENAROV e FARAWAYA confabulam com o
Papa pela devida coroação de CARLOS: eles
são os demônios e a Katedral é a
Capital do Inferno na poluição. Em volta,
poluído, faminto, doente, o povo morre... E lá,
na pseudo-glória, o derradeiro ritual...
No ritual do lento massacre vazio, das mortes que se
sucedem, de CRISTO que entra com suas 12 tribus em Ogulaganda...
De Cristo que entra com suas 12 tribus em Eldorado...
Glauber Rocha
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