A
IDADE DA TERRA
GLAUBER ANDRADE ROCHA
Nasceu aos 14 de março de 1939, em Vitória
da Conquista, Bahia.
1949 – Estréia como ator no Teatro do Colégio
2 de Julho, em Salvador.
1955-57 – Rádio, Teatro, Imprensa e Política.
1958 – Abandona a Faculdade de Direito e realiza o filme
Pátio.
1960 – Produção Executiva de A Grande
Feira, de Rex Schindler e Roberto Pires.
1962 – Barravento, Prêmio Obra Prima,
no Festival Internacional de Karlov Vary, Tcheco-Eslováquia.
1963 – Revisão Crítica do Cinema Brasileiro,
ensaio (Ed. Civilização Brasileira. Traduzido
para o espanhol, publicado em Havana e Madri).
1964 – Deus e o Diabo na Terra do Sol. Grande
Prêmio no I Festival Internacional do Cinema
Livre, Porreta Terme, Itália. Prêmio AIRCE,
da crítica italiana. Prêmio da Crítica
Mexicana no Festival Internacional de Acapulco.
1966 – Amazonas Amazonas e Maranhão
66. Produtor de Menino de Engenho, de Walter
Lima Jr., e co-produtor, com Zelito Viana, de A Grande
Cidade, de Carlos Diegues.
1967 – Terra em Transe. Prêmio Internacional
da Crítica no Festival de Cannes. Prêmio
Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som,
Rio. Prêmio Melhor Filme, conferido pela
crítica cubana. Oito prêmios no Festival
de Locarno, Suíça.
1968 – Câncer.
1969 – O Dragão da Maldade Contra o Santo
Guerreiro. Prêmio Melhor Direção
no Festival de Cannes. Prêmio Luiz Buñuel,
conferido pela crítica espanhola. Prêmio
Cinema de Arte, conferido pelos exibidores internacionais
no Festival de Cannes. Prêmio Melhor Diretor,
conferido pelo Instituto Nacional de Cinema do Brasil.
Produtor de Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr.
1970 – Der Leon Has Sept Cabezas. Produção
ítalo-germânica filmada no Congo Brazzaville.
Cabeças Cortadas. Produção
hispano-brasileira filmada em Barcelona.
1971 – Filmes em Super 8.
1973 – História do Brasil. Produção
ítalo-cubana, em colaboração com
Marcos Medeiros, que se responsabiliza pela versão
definitiva.
1974 – O Nascimento dos Deuses – Roteiro para
a Rádio TV Italiana, sobre Ciro da Pérsia
e Alexandre da Grécia.
1975 – Claro. Produção italiana
filmada em Roma.
1977 – Di Cavalcanti. Produção
Embrafilme. Prêmio Especial do Júri no
Festival de Cannes.
1978 – Riverão Sussuarana. Romance (Ed
Record).
1979 – Jorjamado no Cinema. Produção
Embrafilme para TV
– Participação no programa Abertura,
TV Tupi.
– Jornalismo: Pasquim, Correio Brazylyense,
Folha de São Paulo, Jornal do Brasil,
Enfim, jornais e revistas internacionais
1980 – A Idade da Terra. Produção Embrafilme.
– Revolução do Cinema Novo – Ensaio
(Ed. Alhambra).
FICHA TÉCNICA
Direção, Produção e Roteiro:
Glauber Rocha
Assistentes de Direção:
Carlos Alberto Caetano / Tizuka Yamasaki
Equipe de Produção
Produtores Executivos:
Carlos Alberto Diniz / Wilson Mendes Andrade Júnior
Diretores de Produção:
Tizuka Yamasaki / Walter Schilke
Gerente Financeiro:
Haroldo Born de Silva
Assistentes de Produção:
Yurika Yamasaki / Alice Osaua / Urbano de Castro
Pires / Antônio Alves Cury / Nivalda Silva Costa
/ Francisco Luiz Drumond Neto / João da Rocha
Freitas Neiva / João Melo / Maria de Fátima
Barreto / Sheila Maria Lopes Torres / Telma Melo Duarte
Guimarães
Cenografia e Figurinos:
Paula Gaetan Moscovici / Raul Willian Amaral Barbosa
Assistente de Cenografia e Figurinos:
Nilde Maria Goebel
Costureira:
Nalva Djanira da Silva
Roupeira:
Júlia José de Santana
Contra-regra:
Antônio Raimundo dos Santos
Continuístas:
Suely Seixas Nunes Neiva / Laura Tereza Fernandes
Carneiro / Paloma Andrade Rocha
Equipe de Som
Técnica de Som:
Sylvia Maria Amorim de Alencar
Assistentes de Som:
Rony Castro Pires / Antônio Raimundo dos Santos
/ Raul Manuel Quinteros Riquelme / Rodolfo Brandão
/ Sérgio Santos Cravo / Luis Antônio Prado
/ Paloma Andrade Rocha
Montagem do Som:
Jorge Saldanha
Mixagem:
Roberto Leite / Onélio Motta
Diretores de Fotografia:
Roberto de Castro Pires / Pedro de Moraes
Câmera:
John Howard Sherman
Assistentes de Câmera:
Roque Pereira Araújo / Alonso Rodrigues dos
Santos / Jaime Schwartz / Antônio Carlos Lyra
Seabra
Still:
Sônia Nercessian / Paula Gaetan Moscovici
/ Tizuka Yamasaki / Pedro de Moraes / Carlos Cavalcante
Cox
Chefe Eletricista:
Roque Pereira de Araújo
Eletricista:
José Pereira dos Santos
Auxiliares de Elétrica:
Sebastião de Luna / Sandoval Santos Silva
/ José Caetano de Lima
Maquinista:
José Pinheiro de Carvalho
Auxiliar de Maquinaria:
Edson dos Santos da Cruz / Hélio Ferreira
/ Eliezer Tavares dos Santos
Motoristas:
João José Prazeres / Manuelito Alves
da Silva / José Antônio dos Santos / José
Ademir Modesto / Erotildes Alves dos Santos / Valmir
Nogueira da Silva / Osvaldo Ribeiro / Inácio
Moura Souza / Jario Coutinho Santos
Montagem:
Carlos Cavalcante Cox / Raul Soares / Ricardo Miranda
Equipe Musical
Diretor Musical:
Rogério Duarte
Arranjador Musical:
Vivaldo Santa Pereira
Músicos:
Pascoal Trindade Reis / Antônio Apolinário
Andrade / Lídio Marques de Souza / Álvaro
dos Santos Cerqueira / Antônio Ferreira da Anunciação
/ Manoel Natividade Passos / orquestra Mística
da Bahya
Colaboração de:
Villa Lobos / Jorge Ben / Jamelão / Nanã
/ Mozart / Folklore
ATORES CENTRAIS
ANA MARIA MAGALHÃES
JECE VALADÃO
NORMA BENGELL
DANUSA LEÃO
ANTONIO PITANGA
GERALDO DEL REY
MAURÍCIO DO VALLE
TARCÍSIO MEIRA
ATORES DA BAHIA
CARLOS PETROVICH
MÁRIO GUSMÃO
GLÓRIA X
LAURA Y
PALOMA ROCHA
PAULA GAETAN
TETÊ CATALÃO
ARI PARA RAIOS
JOÃO UBALDO RIBEIRO
RAUL DE XANGÔ
CLYDE MORGAN
GERARD LECLERY
ROGÉRIO DUARTE
SANDOVAL
TELMA DUARTE
ATORES DE BRASÍLIA
ADELMO RODRIGUES DA SILVA
ARI JOSÉ OLIVEIRA
ALBERTINO DOS SANTOS
AMARO SANTOS DA SILVA
ALEXANDRE DUMAS VALADARES RIBONDI
DAVID ANTONIO NETO
DIMER CAMARGO MONTEIRO
FERNANDO LEMOS
JOÃO JOSÉ MIGUEL
JORGE HENRIQUE TOSTA DA SILVA
JOÃO ANTÔNIO DE LIMA ESTEVES
JANDUIR DE LIMA SOEIRO
JOSÉ JUSTINO DA SILVA
JOÃO JOSÉ PRAZERES (cego)
MARIA CONCEIÇÃO BISPO DOS ANJOS
MARIA DA GLÓRIA DE MENEZES GELTO
MARLY VIANNA DE SOUZA
PALOMA ROCHA (pianista)
PAULA GAETAN
ROMÁRIO CÉSAR SCHETTINO
VANDERLEY DOS SANTOS CATALÃO
WANILDA SILVA MACHADO
RAUL SOARES – Montador
Em 1978, fui convidado por Glauber Rocha para integrar
a equipe na função de montador de uma
das partes do filme A Idade da Terra. O filme
existe e está aí para comprovar a sua
existência. Um processo longo e demorado, o que
gerou reclamações por parte de alguns
setores produtores de cultura... enfim, o mais importante
para mim é falar de como esse processo se deu.
Uma vez dentro da sala de montagem, tive diante de mim
horas de projeção de imagens impressas
sem uma esquematização prévia.
Um vasto material filmado em aberto sem a construção
convencional e tradicional dos moldes de produção
padronizada, tão bem veiculada no mercado de
exibição. Imagens com enquadramento e
movimentos audaciosos no ato de filmar, como registro
do que está acontecendo ali no momento, de uma
situação de improviso criada por todas
as pessoas por todas as pessoas envolvidas na produção
e que a câmera cuida de registrar com liberdade
de movimento dentro e fora do quadro. Uma vez conhecendo
o material e com ele me relacionando em vários
níveis, no que está implícito o
relacionamento com o Glauber, pudemos desenvolver todo
um trabalho de articulação desse material,
identificando conflitos e contradições,
compreendendo sentidos e significados impressos na imagem
e daí partir para uma estruturação.
Tentamos várias estruturas e todas eram possíveis
dada a riqueza do material, mas era preciso continuar
experimentando e aprofundando cada vez mais no sentido
de melhor compreender as múltiplas possibilidades
que nos ofereciam as imagens. Isso consistia num trabalho
difícil e atraente. Difícil por ter de
romper com uma forma já concebida, e atraente
pela elaboração e descoberta de uma nova
forma.
Na medida em que esse processo se desenvolvia, a criação,
era maior a participação, questionando
e sendo questionado a todo instante, desestruturando
e reestruturando conceitos de montagem. Uma experiência
levada às últimas conseqüências,
um filme sendo estruturado na sala de montagem.
Para mim esse trabalho foi uma experiência enriquecedora
de tentar viver mais completamente, mais intensamente
o significado das imagens numa relação
afetiva e intuitiva, uma visão mais ampla das
múltiplas possibilidades que se tem quando se
senta numa moviola para montar um filme, para se ver
um filme, para se viver.
RICARDO MIRANDA – Montador
1978. Carnaval. Avenida de desfile das Escolas de Samba.
Uma roleta com seus tracs-tracs contínuos. Trovões:
possibilidade de chuvas; calor forte. Vou entrando pela
roleta e encontro Glauber que se prepara para rodar
uma seqüência d’A Idade da Terra no
desfile. Este seria meu primeiro contato com o filme,
que depois se prolongaria por mais de dois anos como
um de seus montadores, e mais precisamente, com a parte
rodada no Rio de Janeiro.
Em princípio trabalhávamos em blocos estanques:
eu, Cox e Raul; Rio, Bahia e Brasília, sendo
que isto não conotava um filme em três
partes, nem três filmes diferentes, mas apenas
o primeiro trabalho de montar cada seqüência
internamente. Construir os elos da estrutura
geral do filme. Um trabalho significante de desconstrução
da dramaturgia ortodoxa. Esta edição primeira
das estruturas elementares possibilitaria a criação
de uma Representação dos vetores
principais que norteariam a montagem final.
Foram dois anos de trabalho contínuo e diário,
para poder romper com as formas acadêmicas da
montagem. Para isso era necessário um estar
constante com todo o material. Montar e Remontar;
Discutir e Rediscutir; Ver e Rever. Glauber dirigia
o trabalho em todas as suas nuanças, isto é,
permitindo-se a todas as experimentações
do Olhar.
E o filme ficou pronto: as estruturas mais complexas
amarradas, alinhavadas, a noção eisensteiniana
de conflito estabelecida – o filme estava montado.
Agora, portanto, como montador, é esperar a sua
chegada à tela, o ato final depois do longo tempo
passado no silêncio de quatro pessoas: Glauber,
Cox, Raul e eu.
CARLOS ALBERTO CASTELLO BRANCO
Pediram-me que descrevesse algumas das impressões
da entrevista que dei a Glauber Rocha para o seu filme
A Idade da Terra. Inicialmente, quando me telefonaram
que Glauber queria uma entrevista minha para seu filme,
não entendi bem. Mas como era o Glauber, topei.
Quando a equipe começou a desembarcar na minha
porta, os equipamentos de filmagem, seus simpáticos
rapazes, moças, auxiliares e, entre eles, alguns
artistas de minha admiração, vi que estava
envolvido numa coisa diferente.
Afinal, chegou o Glauber. Rapidamente, pôs-se
a conversar comigo sobre política, sibre a revolução,
sobre o processo, sobre o governo. Foi uma ampla e insinuante
sondagem sobre o que eu poderia dizer e o que lhe interessava
gravar. Seguro do que queria e do que queria obter,
Glauber dispôs equipamentos e equipe e, com sua
notável criatividade, distribuiu esses elementos
numa aparente improvisação. Na verdade,
percebi que quando ele se depara com o ambiente logo
identifica a melhor maneira de utilizá-lo aproveitá-lo
para os fins que tem em vista.
Conduzido pelo Glauber, coube-me dialogar com o simpático
Pitanga, cujo riso limpo e branco ajudou a quebrar constrangimentos.
Na verdade, máquinas e gente não me intimidam
muito. Mas desde os primeiros "takes", percebi
que só iria dizer, do que poderia dizer, o que
Glauber queria. Ele interrompia meu discurso no momento
em que ele percebia que dali por diante poderia seguir
por rumos que fugiam ao seu objetivo. Reiniciava a tomada,
mudava a câmera, o cenário, etc., mas sempre
com o objetivo de juntar ao efeito cênico o controle
da autonomia do ator improvisado. O que eu disse, em
parte, era o que eu queria dizer, mas Glauber só
me deixou dizer o que ele também queria que eu
dissesse. Não mais.
Pela primeira vez, me senti dirigido. É a força
do talento e da experiência do Glauber e o preço
da minha total inocência diante dos dons maquiavélicos
de um extraordinário criador.
ROBERTO PIRES – Diretor de Fotografia
Luz Secreta
A câmera refletia a intuição
de Glauber, que funcionava. A luminosidade da lua e
do sol produzia efeitos maravilhosos e, apesar de não
se ter usado nenhum material especial, a impressão
é que se tratava daquele túnel de luz.
Aliás, tudo que se usava era anticonvencional;
até o estúdio foi adaptado em apenas um
quarto. Invariavelmente, porém, resultaram situações
plenas de energia. Os cenários amarelados e azulados
das amazonas, na Bahia, você vê e não
sabe o que é – esta cena simplesmente foi iluminada
como uma cena de picadeiro; já os efeitos especiais
de Guerra nas Estrelas, a gente saca todos vendo
o filme.
Glauber sempre diz: "Os fotógrafos brasileiros
precisam descobrir as luzes secretas dos trópicos
e abandonar a tabela da Kodak." Mas sempre que
ouvia isso, pensava que era somente por causa da luminosidade
da Bahia. De Salvador, avista-se a Ilha de Itaparica,
Mar Grande e, também, transparência e magia,
essas coisas que a fotografia leva ao infinito. Porém,
obedecendo-se a tabela da Kodak, teremos um véu
na imagem; e talvez seja justamente por isso que ele
se refere às tais luzes secretas dos trópicos.
Glauber nunca se repete. A Idade da Terra nada
tem a ver com seu filme anterior nem com o próximo.
Podemos dizer que o Glauber do Pátio é
romântico e chocante; o de Terra em Transe
é um completo desbunde, liberado de todas as
tendências, e, por aí, teremos muitos outros
Glauber.
O fato de se ter usado música ao vivo durante
a filmagem na Bahia, foi uma experiência inédita.
Mas tudo que ele faz dá certo.
O último filme que vi foi Tendas dos Milagres,
porque quase não vou ao cinema. Mas faço
questão de ver A Idade da Terra.
JECE VALADÃO – Ator
A primeira reação foi exatamente de incredulidade
quando recebi o convite para interpretar o papel de
Jesus Cristo, em A Idade da Terra. Porém,
logo entendi que o Cristo imaginado pelo Glauber era
um personagem importante, que merecia, portanto, toda
a minha dedicação. E, na verdade, dos
48 filmes que já fiz, este personagem foi o que
mais me entusiasmou. Realista, tem grande contato com
o povo, mas é também místico –
e mostra o lado místico de Glauber Rocha. Apesar
de toda a minha experiência exatamente na faixa
do cinema industrial, consegui me desligar de todos
os vícios adquiridos e me integrar com Glauber.
Resultado: trabalhar com ele durante dois meses foi
como ter cursado uma escola de direção.
O que mais me fascinava era seu processo de criação,
integralmente realizado de maneira espontânea.
Agora, obviamente, o meu cinema também vai melhorar
de qualidade.
Durante das filmagens, houve diversos incidentes. Quando
estávamos filmando no Museu de Arte Sacra da
Bahia, por exemplo, o pessoal da Tradição
Família e Propriedade achou que era ofensa à
Igreja Católica. Fui também ameaçado
de morte duas vezes, mas nem isso me desanimou, o que,
aliás, prova tratar-se de um filme de astral
elevadíssimo: logo eu, que tanto prezo a minha
vida, consegui me despojar de tudo. Outra descoberta:
Glauber Rocha é uma das melhores pessoas que
já conheci. E o que muito me envaidece é
o fato dele ter curtido o meu trabalho da mesma forma
que admiro o seu. O nosso, foi um casamento freudiano-cinematográfico.
ANTÔNIO PITANGA – Ator
O corpo, as vísceras, tudo em Glauber Rocha é
cinema, arte. Até a violência dele é
bonita, porque é uma violência que acrescenta
– faço questão de trabalhar com pessoas
assim.
Glauber pode não ser o único, mas é
um dos poucos diretores que mexem com o ator. Está
sempre a cobrar: – Você não é ator?
Então, vamos virar até pelo avesso...
Se você não se garante, logo dança.
Um homem sem idade, o retrato da força, Glauber
é o dia-a-dia, a terça-feira – sim, ele
cheira a terça-feira... Conheço-o muito,
no entanto, sempre me surpreende, nunca sei o que vai
me dizer. Mas, até quando me coloca em cheque,
me acrescenta.
Em A Idade da Terra, meu personagem é
Rassam, um Cristo negro. É a imagem da
grandeza do subdesenvolvimento, na medida em que reconhece
sua fraqueza. É o Brasil, a África. É
Cristo. É homem, forte e fraco. É o próprio
ser humano na eterna procura de si mesmo. Um personagem
do Terceiro Mundo. Uma bomba atômica – capaz de
falhar, mas, também, de explodir. Belo, feio,
Rassam representa uma força sem laços.
Não tem pai nem mãe – é o grito
de todo um continente sufocado. Será acusado
de louco pelos que temem a verdade, certamente. Porém,
se louco é o que perdeu tudo menos a razão,
Rassam é isso aí – está
nu diante do mundo.
NORMA BENGELL – Atriz
"A rebeldia me renova e me salva. Se não
fosse a rebeldia, não teria criado este personagem
em A Idade da Terra." – Norma Bengell
Glauber Rocha:
uma pessoa que dirige cinema.
uma pessoa com uma nova proposta de arte.
Um menino que, brincando e brincando, vai fazendo genialidades,
como em A Idade da Terra.
Certo dia, estava assistindo Glauber filmar e, de repente,
enxerguei sua vitalidade: diante dos meus olhos, surgia
uma pessoa completamente diferente daquela que conhecia
há anos. Era um gênio dentro de seu próprio
mundo, com um brinquedo que se chama cinema. Era um
cineasta nato, sem nervosismo, atrás de uma câmera.
Existia, sim, grande entusiasmo e grande emoção,
assim como alegria, vontade fazer um grande filme e
de renovar. Tratava-se de uma nova proposta político-cultural.
Estava diante de mim uma pessoa que não falou
uma só vez em comércio, mas somente de
arte.
Durante o tempo em que trabalhamos juntos, conversamos
poucas vezes e só quando ele achava necessário.
A princípio, isso me espantou, mas logo entendi.
E o tempo todo deixava-me em liberdade para criar, fazendo
jus ao que sempre declara: "A ARTE É LIVRE".
Em Glauber, identifiquei realmente a liberdade. É
um homem que passa toda a sua emoção através
da câmera, do filme, de seu mundo. Positivamente,
é a idéia na cabeça e uma câmera
na mão; trabalha em cinemascope com a mesma liberdade
que se maneja uma Super-8. E para o ator, esta maneira
de trabalhar é sensacional; há a chance
de se mostrar e de provar se é bom ou não,
exatamente como naquela história:
– Você sabe cantar?
"Sei".
– Então, canta agora.
Se você não souber, vai cantar mal e ficará
ali registrado. O improviso, a descontração,
a desrepressão – são situações
fundamentais para o ator trabalhar bem.
Glauber é um diretor que, modéstia à
parte, só pode trabalhar com grandes atores,
porque, ao mesmo tempo em que ensina, pede muito em
troca.
É um maestro dirigindo uma sinfonia de Villa
Lobos.
Achei sensacional trabalhar com ele. Expulsei de mim
todos os demônios. Cantei. Improvisei letra, som.
Foi ótimo. Tive a oportunidade de criar um incrível
personagem, de conceber uma AFRO INDIAMAZONATRIARCA.
Achei que, em Veneza, cometeu-se uma tremenda injustiça
com Glauber. O filme é uma obra-prima, uma revolução
da linguagem cinematográfica. Dinâmico,
informativo, poético, intercala poesia, política,
povo, sol – e ainda tem humor, componente indispensável
nos dias atuais.
Fiquei contente e também bastante surpresa com
o fato de ter sido premiada em Veneza: num filme de
Glauber, não existe apenas uma estrela, mas um
elenco de grandes atores.
Devo confessar, ainda, que só vi o filme depois
de ter recebido o prêmio e foi quando realmente
entendi o valor do seu significado: premiou-se um trabalho
de arte integral, anticonvencional, criado em total
liberdade.
Acredito, finalmente, que o povo se reconhecerá
em A Idade da Terra. No mais, é ver, para
explicar ou não.
TAVINHO PAES – ATOR
Enfim chegou a hora de ensaiarmos. Glauber nos enfileirou
num canto do palco explicando que a cena não
era humanística-cristã e que precisava
de punch. A cabeça da gente tava a mil
por hora: havia de tudo nas internas do nosso pequeno
grupo. Éramos bastante diferentes uns dos outros:
diferenças culturais, regionais, etc... uma mistura
da pesada: franceses bem educados, negões safados,
mulheres danadas, desmunhecamentos, bíceps avantajados...
tudo na maior... creiam.
Enfileirados, Glauber nos explicou que representaríamos
uma cena típica do matriarcado; que deveríamos
sofrer nas mãos das mulheres, etc... Naturalmente
que não entrou em detalhes do roteiro mas apenas
do movimento que iríamos fazer.
De repente, não sei por que cargas d’água,
ele pediu ao Rogério Duarte que executasse uma
melodia ao piano e mandou que fizéssemos um coro.
Imagine a turma heterogênea, com a cabeça
a mil, encurralada ali há 10 horas, cantando
em coro uma composição do Rogério,
regida por Glauber... Mas isto era só a afinação:
minutos depois soubemos que seríamos acorrentados
e conduzidos pelas mulheres até sua rainha (Norma
Bengell), aos pés da qual seríamos castigados.
TETÊ CATALÃO – Atriz
Não eram bem atores. Não era bem um filme.
Uma semana de invenções, um acontecimento
envolvendo pessoas, gestos e idéias. Por acaso
(?), havia uma câmera registrando. As falas surgiam
ou não; Glauber dava o mote – no mais puro gênero
repentista – e o improviso nascia. A todo instante,
a tônica era esta: surpresa. Mas os brasileiros
sempre foram pegos de surpresa e, assim, agimos por
acaso (?). Havia o registro, não havia o fio
da meada, somente o fio da medula: transparentes antenas
sensíveis. Deu no que deu. O roteiro dos cinco
mil sentidos, à flor da pele e o espinho racional.
Apenas vivíamos por acaso (?) um momento de lucidez
no meio de tanta loucura organizada. Houve o constante
aprendizado, um exercício renovado de rompermos
o bloqueio intelectual e salpicar de inconsciência
e intuição este chão de estrelas.
ANA MARIA MAGALHÃES – Atriz
Ele não me deu o roteiro para ler. E falou do
personagem que eu interpretaria no filme exatamente
à sua maneira: citando como exemplo outros personagens,
contando histórias de pessoas interessantes.
Talvez, por isso, a sua maneira de dirigir é
rotulada de irracional – ele fornece a imagem
e o ator é obrigado a materializar o conteúdo.
Na verdade, nem o próprio Glauber sabia exatamente
como seria o meu personagem; tinha apenas a idéia
com relação à cor da vestimenta,
isto é, vermelho. Porém, ao me ver pronta,
achou que a imagem era exatamente de uma hindu – e,
então, numa homenagem a Indhira Ghandi, mandou
pintar no meu rosto um terceiro olho. Mas só
se deu por satisfeito quando coloquei uma rosa vermelha
nos cabelos – desta vez, simbolizava uma homenagem a
Ava Gardner.
No primeiro dia de trabalho, no automóvel, durante
o trajeto até o local das filmagens, conversava
animadamente comigo e o Tarcísio Meira sobre
política, atualidade, enfim, coisas que, aparentemente,
nada tinham a ver com o filme a ser começado
dali a poucos instantes. Nesse papo, absolutamente informal,
falávamos sobre o poder e expliquei que, diante
dele, a minha atitude é de total desprezo, porque
o vejo como um terrível instrumento de corrupção:
quando as pessoas dispõem do poder, só
pensam em adquirir mais. Ressaltei, porém, que
gosto de política – e que não curto mesmo
é o poder. E imediatamente após essa declaração,
Glauber Rocha decidiu: é exatamente isso que
você vai dizer no filme!!!
E, realmente, há muito tempo não me sentia
tão bem como atriz.
|