A IDADE DA TERRA – RELEASE DE IMPRENSA

A IDADE DA TERRA

GLAUBER ANDRADE ROCHA

Nasceu aos 14 de março de 1939, em Vitória da Conquista, Bahia.

1949 – Estréia como ator no Teatro do Colégio 2 de Julho, em Salvador.

1955-57 – Rádio, Teatro, Imprensa e Política.

1958 – Abandona a Faculdade de Direito e realiza o filme Pátio.

1960 – Produção Executiva de A Grande Feira, de Rex Schindler e Roberto Pires.

1962 – Barravento, Prêmio Obra Prima, no Festival Internacional de Karlov Vary, Tcheco-Eslováquia.

1963 – Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, ensaio (Ed. Civilização Brasileira. Traduzido para o espanhol, publicado em Havana e Madri).

1964 – Deus e o Diabo na Terra do Sol. Grande Prêmio no I Festival Internacional do Cinema Livre, Porreta Terme, Itália. Prêmio AIRCE, da crítica italiana. Prêmio da Crítica Mexicana no Festival Internacional de Acapulco.

1966 – Amazonas Amazonas e Maranhão 66. Produtor de Menino de Engenho, de Walter Lima Jr., e co-produtor, com Zelito Viana, de A Grande Cidade, de Carlos Diegues.

1967 – Terra em Transe. Prêmio Internacional da Crítica no Festival de Cannes. Prêmio Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som, Rio. Prêmio Melhor Filme, conferido pela crítica cubana. Oito prêmios no Festival de Locarno, Suíça.

1968 – Câncer.

1969 – O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro. Prêmio Melhor Direção no Festival de Cannes. Prêmio Luiz Buñuel, conferido pela crítica espanhola. Prêmio Cinema de Arte, conferido pelos exibidores internacionais no Festival de Cannes. Prêmio Melhor Diretor, conferido pelo Instituto Nacional de Cinema do Brasil.
Produtor de Brasil Ano 2000, de Walter Lima Jr.

1970 – Der Leon Has Sept Cabezas. Produção ítalo-germânica filmada no Congo Brazzaville.
Cabeças Cortadas. Produção hispano-brasileira filmada em Barcelona.

1971 – Filmes em Super 8.

1973 – História do Brasil. Produção ítalo-cubana, em colaboração com Marcos Medeiros, que se responsabiliza pela versão definitiva.

1974 – O Nascimento dos Deuses – Roteiro para a Rádio TV Italiana, sobre Ciro da Pérsia e Alexandre da Grécia.

1975 – Claro. Produção italiana filmada em Roma.

1977 – Di Cavalcanti. Produção Embrafilme. Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes.

1978 – Riverão Sussuarana. Romance (Ed Record).

1979 – Jorjamado no Cinema. Produção Embrafilme para TV
– Participação no programa Abertura, TV Tupi.
– Jornalismo: Pasquim, Correio Brazylyense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Enfim, jornais e revistas internacionais

1980 – A Idade da Terra. Produção Embrafilme.
Revolução do Cinema Novo – Ensaio (Ed. Alhambra).



FICHA TÉCNICA
Direção, Produção e Roteiro:
Glauber Rocha
Assistentes de Direção:
Carlos Alberto Caetano / Tizuka Yamasaki
Equipe de Produção
Produtores Executivos:
Carlos Alberto Diniz / Wilson Mendes Andrade Júnior
Diretores de Produção:
Tizuka Yamasaki / Walter Schilke
Gerente Financeiro:
Haroldo Born de Silva
Assistentes de Produção:
Yurika Yamasaki / Alice Osaua / Urbano de Castro Pires / Antônio Alves Cury / Nivalda Silva Costa / Francisco Luiz Drumond Neto / João da Rocha Freitas Neiva / João Melo / Maria de Fátima Barreto / Sheila Maria Lopes Torres / Telma Melo Duarte Guimarães
Cenografia e Figurinos:
Paula Gaetan Moscovici / Raul Willian Amaral Barbosa
Assistente de Cenografia e Figurinos:
Nilde Maria Goebel
Costureira:
Nalva Djanira da Silva
Roupeira:
Júlia José de Santana
Contra-regra:
Antônio Raimundo dos Santos
Continuístas:
Suely Seixas Nunes Neiva / Laura Tereza Fernandes Carneiro / Paloma Andrade Rocha
Equipe de Som
Técnica de Som:
Sylvia Maria Amorim de Alencar
Assistentes de Som:
Rony Castro Pires / Antônio Raimundo dos Santos / Raul Manuel Quinteros Riquelme / Rodolfo Brandão / Sérgio Santos Cravo / Luis Antônio Prado / Paloma Andrade Rocha
Montagem do Som:
Jorge Saldanha
Mixagem:
Roberto Leite / Onélio Motta
Diretores de Fotografia:
Roberto de Castro Pires / Pedro de Moraes
Câmera:
John Howard Sherman
Assistentes de Câmera:
Roque Pereira Araújo / Alonso Rodrigues dos Santos / Jaime Schwartz / Antônio Carlos Lyra Seabra
Still:
Sônia Nercessian / Paula Gaetan Moscovici / Tizuka Yamasaki / Pedro de Moraes / Carlos Cavalcante Cox
Chefe Eletricista:
Roque Pereira de Araújo
Eletricista:
José Pereira dos Santos
Auxiliares de Elétrica:
Sebastião de Luna / Sandoval Santos Silva / José Caetano de Lima
Maquinista:
José Pinheiro de Carvalho
Auxiliar de Maquinaria:
Edson dos Santos da Cruz / Hélio Ferreira / Eliezer Tavares dos Santos
Motoristas:
João José Prazeres / Manuelito Alves da Silva / José Antônio dos Santos / José Ademir Modesto / Erotildes Alves dos Santos / Valmir Nogueira da Silva / Osvaldo Ribeiro / Inácio Moura Souza / Jario Coutinho Santos
Montagem:
Carlos Cavalcante Cox / Raul Soares / Ricardo Miranda
Equipe Musical
Diretor Musical:
Rogério Duarte
Arranjador Musical:
Vivaldo Santa Pereira
Músicos:
Pascoal Trindade Reis / Antônio Apolinário Andrade / Lídio Marques de Souza / Álvaro dos Santos Cerqueira / Antônio Ferreira da Anunciação / Manoel Natividade Passos / orquestra Mística da Bahya
Colaboração de:
Villa Lobos / Jorge Ben / Jamelão / Nanã / Mozart / Folklore

 

ATORES CENTRAIS
ANA MARIA MAGALHÃES
JECE VALADÃO
NORMA BENGELL
DANUSA LEÃO
ANTONIO PITANGA
GERALDO DEL REY
MAURÍCIO DO VALLE
TARCÍSIO MEIRA

ATORES DA BAHIA
CARLOS PETROVICH
MÁRIO GUSMÃO
GLÓRIA X
LAURA Y
PALOMA ROCHA
PAULA GAETAN
TETÊ CATALÃO
ARI PARA RAIOS
JOÃO UBALDO RIBEIRO
RAUL DE XANGÔ
CLYDE MORGAN
GERARD LECLERY
ROGÉRIO DUARTE
SANDOVAL
TELMA DUARTE

ATORES DE BRASÍLIA
ADELMO RODRIGUES DA SILVA
ARI JOSÉ OLIVEIRA
ALBERTINO DOS SANTOS
AMARO SANTOS DA SILVA
ALEXANDRE DUMAS VALADARES RIBONDI
DAVID ANTONIO NETO
DIMER CAMARGO MONTEIRO
FERNANDO LEMOS
JOÃO JOSÉ MIGUEL
JORGE HENRIQUE TOSTA DA SILVA
JOÃO ANTÔNIO DE LIMA ESTEVES
JANDUIR DE LIMA SOEIRO
JOSÉ JUSTINO DA SILVA
JOÃO JOSÉ PRAZERES (cego)
MARIA CONCEIÇÃO BISPO DOS ANJOS
MARIA DA GLÓRIA DE MENEZES GELTO
MARLY VIANNA DE SOUZA
PALOMA ROCHA (pianista)
PAULA GAETAN
ROMÁRIO CÉSAR SCHETTINO
VANDERLEY DOS SANTOS CATALÃO
WANILDA SILVA MACHADO

RAUL SOARES – Montador

Em 1978, fui convidado por Glauber Rocha para integrar a equipe na função de montador de uma das partes do filme A Idade da Terra. O filme existe e está aí para comprovar a sua existência. Um processo longo e demorado, o que gerou reclamações por parte de alguns setores produtores de cultura... enfim, o mais importante para mim é falar de como esse processo se deu. Uma vez dentro da sala de montagem, tive diante de mim horas de projeção de imagens impressas sem uma esquematização prévia. Um vasto material filmado em aberto sem a construção convencional e tradicional dos moldes de produção padronizada, tão bem veiculada no mercado de exibição. Imagens com enquadramento e movimentos audaciosos no ato de filmar, como registro do que está acontecendo ali no momento, de uma situação de improviso criada por todas as pessoas por todas as pessoas envolvidas na produção e que a câmera cuida de registrar com liberdade de movimento dentro e fora do quadro. Uma vez conhecendo o material e com ele me relacionando em vários níveis, no que está implícito o relacionamento com o Glauber, pudemos desenvolver todo um trabalho de articulação desse material, identificando conflitos e contradições, compreendendo sentidos e significados impressos na imagem e daí partir para uma estruturação.

Tentamos várias estruturas e todas eram possíveis dada a riqueza do material, mas era preciso continuar experimentando e aprofundando cada vez mais no sentido de melhor compreender as múltiplas possibilidades que nos ofereciam as imagens. Isso consistia num trabalho difícil e atraente. Difícil por ter de romper com uma forma já concebida, e atraente pela elaboração e descoberta de uma nova forma.

Na medida em que esse processo se desenvolvia, a criação, era maior a participação, questionando e sendo questionado a todo instante, desestruturando e reestruturando conceitos de montagem. Uma experiência levada às últimas conseqüências, um filme sendo estruturado na sala de montagem.

Para mim esse trabalho foi uma experiência enriquecedora de tentar viver mais completamente, mais intensamente o significado das imagens numa relação afetiva e intuitiva, uma visão mais ampla das múltiplas possibilidades que se tem quando se senta numa moviola para montar um filme, para se ver um filme, para se viver.

RICARDO MIRANDA – Montador

1978. Carnaval. Avenida de desfile das Escolas de Samba. Uma roleta com seus tracs-tracs contínuos. Trovões: possibilidade de chuvas; calor forte. Vou entrando pela roleta e encontro Glauber que se prepara para rodar uma seqüência d’A Idade da Terra no desfile. Este seria meu primeiro contato com o filme, que depois se prolongaria por mais de dois anos como um de seus montadores, e mais precisamente, com a parte rodada no Rio de Janeiro.

Em princípio trabalhávamos em blocos estanques: eu, Cox e Raul; Rio, Bahia e Brasília, sendo que isto não conotava um filme em três partes, nem três filmes diferentes, mas apenas o primeiro trabalho de montar cada seqüência internamente. Construir os elos da estrutura geral do filme. Um trabalho significante de desconstrução da dramaturgia ortodoxa. Esta edição primeira das estruturas elementares possibilitaria a criação de uma Representação dos vetores principais que norteariam a montagem final.

Foram dois anos de trabalho contínuo e diário, para poder romper com as formas acadêmicas da montagem. Para isso era necessário um estar constante com todo o material. Montar e Remontar; Discutir e Rediscutir; Ver e Rever. Glauber dirigia o trabalho em todas as suas nuanças, isto é, permitindo-se a todas as experimentações do Olhar.

E o filme ficou pronto: as estruturas mais complexas amarradas, alinhavadas, a noção eisensteiniana de conflito estabelecida – o filme estava montado.

Agora, portanto, como montador, é esperar a sua chegada à tela, o ato final depois do longo tempo passado no silêncio de quatro pessoas: Glauber, Cox, Raul e eu.

CARLOS ALBERTO CASTELLO BRANCO

Pediram-me que descrevesse algumas das impressões da entrevista que dei a Glauber Rocha para o seu filme A Idade da Terra. Inicialmente, quando me telefonaram que Glauber queria uma entrevista minha para seu filme, não entendi bem. Mas como era o Glauber, topei.

Quando a equipe começou a desembarcar na minha porta, os equipamentos de filmagem, seus simpáticos rapazes, moças, auxiliares e, entre eles, alguns artistas de minha admiração, vi que estava envolvido numa coisa diferente.

Afinal, chegou o Glauber. Rapidamente, pôs-se a conversar comigo sobre política, sibre a revolução, sobre o processo, sobre o governo. Foi uma ampla e insinuante sondagem sobre o que eu poderia dizer e o que lhe interessava gravar. Seguro do que queria e do que queria obter, Glauber dispôs equipamentos e equipe e, com sua notável criatividade, distribuiu esses elementos numa aparente improvisação. Na verdade, percebi que quando ele se depara com o ambiente logo identifica a melhor maneira de utilizá-lo aproveitá-lo para os fins que tem em vista.

Conduzido pelo Glauber, coube-me dialogar com o simpático Pitanga, cujo riso limpo e branco ajudou a quebrar constrangimentos. Na verdade, máquinas e gente não me intimidam muito. Mas desde os primeiros "takes", percebi que só iria dizer, do que poderia dizer, o que Glauber queria. Ele interrompia meu discurso no momento em que ele percebia que dali por diante poderia seguir por rumos que fugiam ao seu objetivo. Reiniciava a tomada, mudava a câmera, o cenário, etc., mas sempre com o objetivo de juntar ao efeito cênico o controle da autonomia do ator improvisado. O que eu disse, em parte, era o que eu queria dizer, mas Glauber só me deixou dizer o que ele também queria que eu dissesse. Não mais.

Pela primeira vez, me senti dirigido. É a força do talento e da experiência do Glauber e o preço da minha total inocência diante dos dons maquiavélicos de um extraordinário criador.

ROBERTO PIRES – Diretor de Fotografia

Luz Secreta

A câmera refletia a intuição de Glauber, que funcionava. A luminosidade da lua e do sol produzia efeitos maravilhosos e, apesar de não se ter usado nenhum material especial, a impressão é que se tratava daquele túnel de luz. Aliás, tudo que se usava era anticonvencional; até o estúdio foi adaptado em apenas um quarto. Invariavelmente, porém, resultaram situações plenas de energia. Os cenários amarelados e azulados das amazonas, na Bahia, você vê e não sabe o que é – esta cena simplesmente foi iluminada como uma cena de picadeiro; já os efeitos especiais de Guerra nas Estrelas, a gente saca todos vendo o filme.

Glauber sempre diz: "Os fotógrafos brasileiros precisam descobrir as luzes secretas dos trópicos e abandonar a tabela da Kodak." Mas sempre que ouvia isso, pensava que era somente por causa da luminosidade da Bahia. De Salvador, avista-se a Ilha de Itaparica, Mar Grande e, também, transparência e magia, essas coisas que a fotografia leva ao infinito. Porém, obedecendo-se a tabela da Kodak, teremos um véu na imagem; e talvez seja justamente por isso que ele se refere às tais luzes secretas dos trópicos.

Glauber nunca se repete. A Idade da Terra nada tem a ver com seu filme anterior nem com o próximo. Podemos dizer que o Glauber do Pátio é romântico e chocante; o de Terra em Transe é um completo desbunde, liberado de todas as tendências, e, por aí, teremos muitos outros Glauber.

O fato de se ter usado música ao vivo durante a filmagem na Bahia, foi uma experiência inédita. Mas tudo que ele faz dá certo.

O último filme que vi foi Tendas dos Milagres, porque quase não vou ao cinema. Mas faço questão de ver A Idade da Terra.

JECE VALADÃO – Ator

A primeira reação foi exatamente de incredulidade quando recebi o convite para interpretar o papel de Jesus Cristo, em A Idade da Terra. Porém, logo entendi que o Cristo imaginado pelo Glauber era um personagem importante, que merecia, portanto, toda a minha dedicação. E, na verdade, dos 48 filmes que já fiz, este personagem foi o que mais me entusiasmou. Realista, tem grande contato com o povo, mas é também místico – e mostra o lado místico de Glauber Rocha. Apesar de toda a minha experiência exatamente na faixa do cinema industrial, consegui me desligar de todos os vícios adquiridos e me integrar com Glauber. Resultado: trabalhar com ele durante dois meses foi como ter cursado uma escola de direção. O que mais me fascinava era seu processo de criação, integralmente realizado de maneira espontânea. Agora, obviamente, o meu cinema também vai melhorar de qualidade.

Durante das filmagens, houve diversos incidentes. Quando estávamos filmando no Museu de Arte Sacra da Bahia, por exemplo, o pessoal da Tradição Família e Propriedade achou que era ofensa à Igreja Católica. Fui também ameaçado de morte duas vezes, mas nem isso me desanimou, o que, aliás, prova tratar-se de um filme de astral elevadíssimo: logo eu, que tanto prezo a minha vida, consegui me despojar de tudo. Outra descoberta: Glauber Rocha é uma das melhores pessoas que já conheci. E o que muito me envaidece é o fato dele ter curtido o meu trabalho da mesma forma que admiro o seu. O nosso, foi um casamento freudiano-cinematográfico.

ANTÔNIO PITANGA – Ator

O corpo, as vísceras, tudo em Glauber Rocha é cinema, arte. Até a violência dele é bonita, porque é uma violência que acrescenta – faço questão de trabalhar com pessoas assim.

Glauber pode não ser o único, mas é um dos poucos diretores que mexem com o ator. Está sempre a cobrar: – Você não é ator? Então, vamos virar até pelo avesso... Se você não se garante, logo dança.

Um homem sem idade, o retrato da força, Glauber é o dia-a-dia, a terça-feira – sim, ele cheira a terça-feira... Conheço-o muito, no entanto, sempre me surpreende, nunca sei o que vai me dizer. Mas, até quando me coloca em cheque, me acrescenta.

Em A Idade da Terra, meu personagem é Rassam, um Cristo negro. É a imagem da grandeza do subdesenvolvimento, na medida em que reconhece sua fraqueza. É o Brasil, a África. É Cristo. É homem, forte e fraco. É o próprio ser humano na eterna procura de si mesmo. Um personagem do Terceiro Mundo. Uma bomba atômica – capaz de falhar, mas, também, de explodir. Belo, feio, Rassam representa uma força sem laços. Não tem pai nem mãe – é o grito de todo um continente sufocado. Será acusado de louco pelos que temem a verdade, certamente. Porém, se louco é o que perdeu tudo menos a razão, Rassam é isso aí – está nu diante do mundo.

NORMA BENGELL – Atriz

"A rebeldia me renova e me salva. Se não fosse a rebeldia, não teria criado este personagem em A Idade da Terra." – Norma Bengell

Glauber Rocha:
uma pessoa que dirige cinema.
uma pessoa com uma nova proposta de arte.
Um menino que, brincando e brincando, vai fazendo genialidades, como em A Idade da Terra.

Certo dia, estava assistindo Glauber filmar e, de repente, enxerguei sua vitalidade: diante dos meus olhos, surgia uma pessoa completamente diferente daquela que conhecia há anos. Era um gênio dentro de seu próprio mundo, com um brinquedo que se chama cinema. Era um cineasta nato, sem nervosismo, atrás de uma câmera. Existia, sim, grande entusiasmo e grande emoção, assim como alegria, vontade fazer um grande filme e de renovar. Tratava-se de uma nova proposta político-cultural. Estava diante de mim uma pessoa que não falou uma só vez em comércio, mas somente de arte.

Durante o tempo em que trabalhamos juntos, conversamos poucas vezes e só quando ele achava necessário. A princípio, isso me espantou, mas logo entendi. E o tempo todo deixava-me em liberdade para criar, fazendo jus ao que sempre declara: "A ARTE É LIVRE".

Em Glauber, identifiquei realmente a liberdade. É um homem que passa toda a sua emoção através da câmera, do filme, de seu mundo. Positivamente, é a idéia na cabeça e uma câmera na mão; trabalha em cinemascope com a mesma liberdade que se maneja uma Super-8. E para o ator, esta maneira de trabalhar é sensacional; há a chance de se mostrar e de provar se é bom ou não, exatamente como naquela história:

– Você sabe cantar?
"Sei".
– Então, canta agora.

Se você não souber, vai cantar mal e ficará ali registrado. O improviso, a descontração, a desrepressão – são situações fundamentais para o ator trabalhar bem.

Glauber é um diretor que, modéstia à parte, só pode trabalhar com grandes atores, porque, ao mesmo tempo em que ensina, pede muito em troca.

É um maestro dirigindo uma sinfonia de Villa Lobos.

Achei sensacional trabalhar com ele. Expulsei de mim todos os demônios. Cantei. Improvisei letra, som. Foi ótimo. Tive a oportunidade de criar um incrível personagem, de conceber uma AFRO INDIAMAZONATRIARCA.

Achei que, em Veneza, cometeu-se uma tremenda injustiça com Glauber. O filme é uma obra-prima, uma revolução da linguagem cinematográfica. Dinâmico, informativo, poético, intercala poesia, política, povo, sol – e ainda tem humor, componente indispensável nos dias atuais.

Fiquei contente e também bastante surpresa com o fato de ter sido premiada em Veneza: num filme de Glauber, não existe apenas uma estrela, mas um elenco de grandes atores.

Devo confessar, ainda, que só vi o filme depois de ter recebido o prêmio e foi quando realmente entendi o valor do seu significado: premiou-se um trabalho de arte integral, anticonvencional, criado em total liberdade.

Acredito, finalmente, que o povo se reconhecerá em A Idade da Terra. No mais, é ver, para explicar ou não.

TAVINHO PAES – ATOR

Enfim chegou a hora de ensaiarmos. Glauber nos enfileirou num canto do palco explicando que a cena não era humanística-cristã e que precisava de punch. A cabeça da gente tava a mil por hora: havia de tudo nas internas do nosso pequeno grupo. Éramos bastante diferentes uns dos outros: diferenças culturais, regionais, etc... uma mistura da pesada: franceses bem educados, negões safados, mulheres danadas, desmunhecamentos, bíceps avantajados... tudo na maior... creiam.

Enfileirados, Glauber nos explicou que representaríamos uma cena típica do matriarcado; que deveríamos sofrer nas mãos das mulheres, etc... Naturalmente que não entrou em detalhes do roteiro mas apenas do movimento que iríamos fazer.

De repente, não sei por que cargas d’água, ele pediu ao Rogério Duarte que executasse uma melodia ao piano e mandou que fizéssemos um coro. Imagine a turma heterogênea, com a cabeça a mil, encurralada ali há 10 horas, cantando em coro uma composição do Rogério, regida por Glauber... Mas isto era só a afinação: minutos depois soubemos que seríamos acorrentados e conduzidos pelas mulheres até sua rainha (Norma Bengell), aos pés da qual seríamos castigados.

TETÊ CATALÃO – Atriz

Não eram bem atores. Não era bem um filme. Uma semana de invenções, um acontecimento envolvendo pessoas, gestos e idéias. Por acaso (?), havia uma câmera registrando. As falas surgiam ou não; Glauber dava o mote – no mais puro gênero repentista – e o improviso nascia. A todo instante, a tônica era esta: surpresa. Mas os brasileiros sempre foram pegos de surpresa e, assim, agimos por acaso (?). Havia o registro, não havia o fio da meada, somente o fio da medula: transparentes antenas sensíveis. Deu no que deu. O roteiro dos cinco mil sentidos, à flor da pele e o espinho racional. Apenas vivíamos por acaso (?) um momento de lucidez no meio de tanta loucura organizada. Houve o constante aprendizado, um exercício renovado de rompermos o bloqueio intelectual e salpicar de inconsciência e intuição este chão de estrelas.

ANA MARIA MAGALHÃES – Atriz

Ele não me deu o roteiro para ler. E falou do personagem que eu interpretaria no filme exatamente à sua maneira: citando como exemplo outros personagens, contando histórias de pessoas interessantes. Talvez, por isso, a sua maneira de dirigir é rotulada de irracional – ele fornece a imagem e o ator é obrigado a materializar o conteúdo.

Na verdade, nem o próprio Glauber sabia exatamente como seria o meu personagem; tinha apenas a idéia com relação à cor da vestimenta, isto é, vermelho. Porém, ao me ver pronta, achou que a imagem era exatamente de uma hindu – e, então, numa homenagem a Indhira Ghandi, mandou pintar no meu rosto um terceiro olho. Mas só se deu por satisfeito quando coloquei uma rosa vermelha nos cabelos – desta vez, simbolizava uma homenagem a Ava Gardner.

No primeiro dia de trabalho, no automóvel, durante o trajeto até o local das filmagens, conversava animadamente comigo e o Tarcísio Meira sobre política, atualidade, enfim, coisas que, aparentemente, nada tinham a ver com o filme a ser começado dali a poucos instantes. Nesse papo, absolutamente informal, falávamos sobre o poder e expliquei que, diante dele, a minha atitude é de total desprezo, porque o vejo como um terrível instrumento de corrupção: quando as pessoas dispõem do poder, só pensam em adquirir mais. Ressaltei, porém, que gosto de política – e que não curto mesmo é o poder. E imediatamente após essa declaração, Glauber Rocha decidiu: é exatamente isso que você vai dizer no filme!!!

E, realmente, há muito tempo não me sentia tão bem como atriz.