Uma das maneiras mais interessantes
de se avaliar as intenções de Terry George na concepção
de seu Hotel Ruanda
talvez seja através do acompanhamento dos sentimentos
expressos pela senhora que assistia à sessão a meu lado,
em um cinema da zona sul do Rio. Provavelmente ela mal
sabia em que lugar da África fica Ruanda e nunca ouvira
falar no genocídio por lá ocorrido há cerca de uma década.
Ao longo da projeção, a senhora várias vezes verteu
lágrimas indignadas contra a vileza do ser humano, que
mata cruelmente seus compatriotas, sem compaixão mesmo
para com inocentes crianças. Emocionada ao fim da sessão,
provavelmente sairá com a sensação de algum tipo de
dever social cumprido, tanto pelo filme, ao denunciar
ao mundo semelhante infâmia, tanto por ela própria,
ao dedicar 2 horas de sua vida a informar-se sobre uma
tragédia ocorrida em uma nação distante. Após o cinema,
tomará com a amiga um café ou um sorvete e seguirá sua
rotina classe média, tentando esquecer ao máximo a tragédia
cotidiana vivida na cidade que a cerca.
Encarado sob esse prisma, Hotel
Ruanda aparenta cumprir de forma bastante objetiva
sua função, conforme a concepção de seu autor: a denúncia,
usando artifícios de grandiloqüência, de uma situação
trágica ao restante de um mundo que insiste em ignorá-la.
Parte do ponto de vista de um protagonista, no caso
o gerente de hotel Paul (Don Cheadle), que mesmo vivendo
o contexto do universo onde a tragédia se implanta,
segue mantendo-se distanciado, ou mesmo alienado, até
o momento em que, envolvido pelos fatos, faz-se necessária
uma tomada radical de posição. Através desse protagonista,
ponte de identificação com o espectador, o cineasta
vai apresentando o tema espinhoso, de forma gradativa
para não chocar a audiência de imediato, conseguindo
sua adesão para a vivência de um contexto que só se
mostra presente em sua maior intensidade após pouco
mais da metade da narrativa. Caminha então para uma
conclusão que, após uma enxurrada de elementos melodramáticos,
termina em alguma forma de expiação ou reencontro que
acabaria por provocar uma espécie de catarse emotiva
na platéia, que sairia do cinema impressionada por um
filme de tamanha relevância social.
O que Terry George parece ter ignorado é que para se
fazer um bom filme é necessário muito mais que um tema
bombástico, conteúdo sócio-político relevante e mesmo
fidelidade aos fatos reais. É também preciso um mínimo
de inteligência e sutileza. George limita-se a seguir
com o mais intenso rigor a receita de bolo apresentada
no parágrafo anterior, sem jamais ceder espaço à criatividade
ou a qualquer intenção de subvertê-la em algum momento.
É uma fórmula consagrada há décadas, que tem o superestimado
Costa-Gavras (Z, Estado
de Sítio, Desaparecido)
como expoente máximo, e que, em outros tempos, muito
lhe rendeu respeito por parte daqueles que buscariam
algum tipo de “cinema com conteúdo”. Hotel Ruanda, por sinal, não se limita
apenas a apropriar-se dessa fórmula, mas também a banalizá-la
ainda mais – se é que isso é possível – abusando dos
recursos melodramáticos mais previsíveis e vagabundos.
Um filme que simplesmente acaba demonstrando que antes
mesmo de assisti-lo é possível imaginá-lo mentalmente
em todo o seu desenvolvimento. Provando também que tratar
de um assunto importante e fazer cinema de forma expressiva
são duas coisas completamente diversas e até, nesse
caso específico, incompatíveis.
Gilberto Silva Jr.
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