A Idade da Terra, que estreará no Rio
e em São Paulo brevemente, entrará em
choque com várias camadas de público,
despertando seguramente contundentes polêmicas,
dando curso ao escândalo do Festival de Veneza,
quando enfrentei 1.600 telejornalistas mundiais e platéias
corrompidas pelo cinema comercial de Hollywood, da Gaumont
e de outras multinacionais do "audyo vyzual".
Antes da "batalha", quero solicitar, sobretudo
aos yntelektuais que serão implacáveis,
condições para que o combate se desenrole
democraticamente, alimentando mesmo com vômitos
e diarréias o fértil deserto de nossas
"aberturas fygueyrediztas".
Condições:
1) Que o público e críticos, assim como
os funcionários da Embrafylme, fiscalizem a projeção
nos cinemas Caruso (Rio) e Top-Center*.
A Idade da Terra possui ymagem e som de excepcional
qualidade técnyka – já estados nos projetores
de Veneza. Acontece que no Brazyl, forças "ocultas"
(?) sabotam freqüentemente projeções
de filmes nacionais. Lentes dos projetores são
desfocadas. O som é deformado para alto ou baixo.
Bobinas são projetadas fora de ordem. Para que
o públiko veja e ouça bem, é necessário
que as projeções sejam perfeitas na medida
do possível. Somente assim o públiko poderá
curtir o extazextetyko (polytyko) de A Idade da Terra.
Espero que mesmo o eleytorado inimigo exerça
esta patrulhagem junto a todos os cinemas do Brazyl,
onde A Idade e outros filmes brasileiros sejam
exibidos: exigir qualidade na projeção
da Ymagem e do som, procurando identificar as "forças
ocultas" interessadas em impedir o curso ascendente
do cinema Nacyonal popular.
2) Espero que o filme seja criticado pelos intelectuais
com o mínimo de preconceitos que existem em torno,
sub e sobre "Glauber Rocha". São legendas
alimentadas por Deus e pelo Diabo que proclamam aos
4 ventos minhas virtudes e males. Aos 41 anos me vejo
mytyfykado – o que é tragipoetyko – porque o
myto sofre do mal de ser odiado ou amado não
pelo cerne vital (ou medula sexual) mas pelas várias
e diferentes versões que a sociedade constrói
e divulga a seu respeito. Lamento que apenas uma centena
de yntelektuais brasileiros tenham consciência
da importância revolucionária de minha
obrakynematographyka.
A imprensa, via artigos de jornalistas teleguiados,
procura me pintar como louko, marginal, fracassado,
corrupto fascista e todos estes adjetivos tentam esconder
a criatividade de meus filmes. A minoria de jornalistas
que revela a realidade sobre Glauber Rocha é
acusada de escrever sob pressão dos "meus
ferrões", expressão usada por meu
dileto Alberto Dines em Pasquim, malhando a cobertura
de Pedro Del Picchia nesta Folha e Albino Castro
("o Globo") que presenciaram a "Batalha
de Veneza" e elogiando a cobertura de Veja
e outros jornais que não enviaram correspondentes.
Com este gesto paranóico, porque travestido de
"honesto", o doce Alberto Dines, ataca o certo
e defende o errado, estabelecendo condições
subjetivas para condenar o réu.
E assim por diante: Pasquim, Movimento,
Istoé e outros publicam calúnias
a meu respeito – não hesitando em pedir minha
cabeça no prato de Salomé. Para os redatores
de Istoé – numa reportagem sobre os "Idolos
do Brazyl" – A Idade da Terra é um
ponto baixo na minha vida. Inédito no Brazyl,
transforma-se no "filme mais discutido do mundo,
projetando-se como a superstar de Veneza, e os intelectuais
de Mino Carta resolvem queimar A Idade da Terra
ainda no Berço. Além do mais, o gráfico
desconhece a metade de minha obra, subverte declarações,
tudo num estilo constrangedor para uma revista que se
quer de primeira classe. A estes exemplos recentes poderia
juntar outros passados e prever futuros "golpes
baixos" que pretendem me destruir.
Para ver e ouvir A Idade da Terra são
necessários "olhos abertos e ouvidos purificados".
Estabelecidas estas 2 condições – uma
teknyka (a qualidade da projeção) e outra
polytyka (despi-vos dos preconceitos) – adianto algumas
informações sobre A Idade da Terra
e seu explosivo lançamento internacional
em Veneza.
Este é o meu décimo-quinto filme e foi
co-produzido por minha "Glauber Rocha Comunicações
Artísticas" e a Embrafilme. Custou 20 milhões
de cruzeiros, mais ou menos 300 mil dólares,
que é o preço de Bye Bye Brazyl,
Gaijin ou Pixote. Assim, os patrulheiros
não poderão dizer que gastei fortunas
da Embrafilme. Trabalhei como qualquer proletário
da Kynobraz, recebendo salário inferior ao de
Lula que, espero, encontre tempo para ir ao Cine Top
Center* ver e ouvir A Idade da Terra.
A superprodução que aparece nas telas
foi tecida com unhas e dentes durante 2 anos e meio
de obsessiva luta contra o subdesenvolvimento. Contei
com a colaboração do diretor geral da
Embrafilme, Celso Amorim, que participou da finalização
do filme com o máximo de interesse criativo,
desmentindo recentes declarações do meu
querido Zé Celso Martinez, segundo as quais "a
Embrafilme tinha se convertido no substituto da censura".
Afirmo que nenhuma empresa do mundo, estadual ou privada,
produziria um filme como A Idade da Terra, concedendo
ao diretor absolutas liberdades autorais dentro dos
limites financeiros e técnicos do atual estágio
da indústria cinematográfica latinamerikana.
Também não fui motivado pela censura governamental,
nem pela autocensura, e muito menos pela tendência
"populista-comercial" de "atingir o público".
Isto são desculpas de artistas inseguros ou corrompidos.
A Idade da Terra é o resultado fílmico
de Glauber Rocha aos 41 anos. Encerra o "Ciclo
do Jovem Glauber", expressão cara àqueles
que curtem "o jovem Marx". Este ciclo começa
com Pátio (58) e se desenvolve revolucionariamente
em Barravento (62), Deus e o Diabo na Terra
do Sol (64), Amazonas, Amazonas (65), Maranhã
66 (66), Terra em Transe (67), Câncer
(68), O Leão de 7 Cabeças (Áfrika,
70), Cabeças Cortadas (Espanha, 70), História
do Brazyl (Cuba, 72, com Marcos Medeiros), Claro
(Itália, 75), Di Cavalcanti (77) para,
à maneira das cúpulas barrokas, concluir
a kathedral com A Idade da Terra.
Kathedral, monumento, paynel cineterceyromundista que,
modesta e humildemente (como o Aleyjadinho) significam
a luta de um brasyleyro de 41 anos pela criação
de uma sociedade redimida da nossa tragédya kolonyal.
Para quem conhece minha trajetória ficcional,
resumo que, em A Idade da Terra, "o cangaceiro
mata Antonyo das Mortes (o ymperialysmo polyvalente)
e o povo triunfa na utopya".
Intelectuais me acusam de "alegórico"
e "metafórico". Ignorantes do significado
poétyko das "alegorias" e das "metáforas"
– simbólicos signos gerados exclusivamente por
grandes artistas como Maiakovzky, Meyerhold, Eisensteyn,
Joyce, Pound, Proust, Jorge de Lima, Portinari, Di,
Villa Lobos ou Jorge Amado – estes defensores do "realismo
comercial" contribuem com a censura e com o ymperyalyzmo
cultural que castra as elites brasileiras as reduzindo
ao estado de impotência que as impede de lutar
pela libertação econômica do Brazyl
e do Terceiro Mundo. O cinema teatral e romanesco é
o que se vê em todas telas do mundo. Histórias
mentirosas contadas segundo as regrinhas dramáticas
das multinacionais. A recuperação estética
dos anos 70, consagrou cine-astas restauradores e neo-acadêmicos
como Bernardo Bertolucci, Nagisa Oshima, Louis Malle
ou este telenoveleiro revisionista que é o polaco
Zanussi, literatos investidos de um poder cinematográfico
defendido por críticos submetidos ao processo
de destruição do discurso poético
revolucionário. A exceção de Godard,
do argentino Fernando Solanas (A Hora dos Fornos
e Os Filhos de Ferro), de outro argentino
Fernando Birri, do yank Robert Kramer (Milestones,
Guns), dos alemães Werner Schroeter e
H. Sylberberg (Hitler), do cinema novo Brazyleyro,
do soviético Andrey Tarkovsky (Solaris,
Stalker), do cubano Thomaz Gutierrez Alea (Memórias
Del Subdesarollo), do espanhol Carlos Saura, do
italiano Carmelo Bene e pouquíssimos outros cineastas
– tudo que se produz hoje no cinema é lixo teatral
romanesco.
Isto denunciei em Veneza. O escândalo repercutiu.
A crítica revolucionária mundial consagrou
A Idade da Terra. A crítica conformista,
desinformada e policial o atacou. Foi o mesmo com Terra
em Transe, 1967, quando os mais famosos críticos
deram bola-preta ao filme que os converteria anos depois.
Estou aberto ao debate mas venham preparados. Agradeço
à equipe técnica e aos atores que me ajudaram
a fazer A Idade da Terra. FYM.
Glauber Rocha
*
Cine Belas Artes – Sala Portinari.
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