GAIJIN - AMA-ME COMO SOU
Tizuka Yamasaki, Brasil, 2005

A produção brasileira do ciclo denominado “retomada” foi pontuada, com alguma frequência, por produções com  orçamento “super” e uma prática anêmica do cinema. Muitos desses casos são “histórias de época”, que precisam de muito material para se fazer visível. Tentam se legitimar culturalmente com a visita ao passado, o que, aparentemente, os desobriga da legitimidade estética. Esse verniz educativo justifica gastos signicativos com figurinos, cenografias e com construção de estúdios de ocasião, mas, quando as imagens chegam à tela, parecem estar retornando ao passado do cinema, mais que reconstituir, no quadro, o passado dos personagens e de seus ambientes. Gaijin– Ama-Me como Sou, de Tizuka Yamasaki, sofre desse problema crônico.

Em qualquer momento da narrativa, vemos uma representação dura, aparentemente vacinada contra as experiências modernas. Os anos 50 estão de volta. Persegue-se aqui o modelo da Vera Cruz, de cinema de estúdio, alérgico ao contato mais direto com a vida e avesso à uma forma fluída de representação, como se faltasse óleo nas engrenagens. Um cinema que cheira à naftalina, que não tem respeito pela forma audiovisual, que almeja a comunicação em larga escala, na base de uma dramaturgia de desilusões e lágrimas, mas faz isso de forma rocambolesca, com excessos dramáticos mal administrados e descuidos visuais quase precários.

Uma grua sobe até o teto de uma casa enquanto o narrador masculino começa a falar na primeira sequência. Outras gruas ocuparão a tela, sem nenhum necessidade aparente. Parecem empregadas porque o produtor pagou por elas, porque a produção tem de ficar com embalagem grandiloquente, porque filmar do alto parece filmar maior, porque prova o orçamento na tela, porque mostra haver estrutura para se fazer cinemão. Gaijin almeja essa grandiloquência, em todos os sentidos. Até nos detalhes.

Diante de uma máquina de datilografar, por exemplo, o narrador questiona sua origem (“Quem sou eu? Que país é esse?”). A razão de sua expressão em palavras é grave. Ele escreve para entender o motivo e o significado da fatalidade em sua família. Narrativa como produtora de sentidos, não dos próprios sentimentos e da relação com o mundo, como em O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, mas de um sentido para a falta de lógica da vida, mesmo sendo esse absurdo da existência, em última instância, produzido pela ignorância do homem e pelo contexto histórico.

Estamos em tema familiar: o do entendimento do sujeito pelo percurso dos ascendentes, da árvore genealógica cultural-geográfica. O narrador não é nem brasileiro, nem japonês. Estrangeiro em qualquer lugar. A orfandade do pertencimento. Essa é a questão de Gaijin 2. Parte da geração seguinte da família tematizada retornará às “raízes”. A esfacelada unidade familiar encontra seu núcleo geográfico e cultural em outro estágio histórico e social no qual estava quando a matriarca saiu do Japão. O mundo dos deslocamentos desagrega valores e estruturas de elos. Fechar-se na própria cultura, porém, sem abrir-se às “misturas”, também não é boa coisa. Esses são os interesses de Gaijin. Simples assim. Lá no filme, contudo, parece confuso.

Corte para 1900. Veremos parte dessa origem do narrador, algo da ponte entre passado e presente, embora, na prática, esse narrador seja apenas um expediente narrativo, sem jamais superar a importância de um figurante com voz. Não é a subjetividade dele, tampouco seu conflito de identidade, que está em jogo. É a das mulheres de sua família. No passado, vemos a desilusão de não se encontrar a terra prometida no Brasil. Pululam as desgraças pessoais, a resistência diante das derrotas. O contexto histórico interfere diretamente no percurso dos personagens, em suas dores, formata as percepções da vida, mas a exibição da pesquisa feita para o filme asfixia a força das experiências. Ao sintonizar os percursos pessoais com o do Brasil, Tizuka Yamasaki espalha legendas pela narrativa. Parece cinema com nota de pé de página incorporada às cenas e diálogos.

Gaijin 2 tem uma confusa dramaturgia de projeto-escola, comprometida no didatismo (e não por ele), à qual se soma uma produção grandiosa minada pela anemia estética. O texto primário soma-se à dublagem precária. É um filme duro de ouvir, pois, a todo momento, parece estar nos ensinando, nos revelando algo de sua proposta de colar os seres à história coletiva, sem, com isso, fazer a proposta ter vida cinematográfica. Há momentos nos quais se pode vislumbrar a filmagem e não o efeito dela. A reconstituição é toda fake, quase paródica, e nos mostra a impossibilidade, nessa viagem no tempo, de nos instalar no passado. Tudo soa mal ajambrado, desengonçado no encadeamento das imagens.

Há uma ausência de busca de estilo, um desrespeito ao olhar, cortes grosseiros na mudança de ângulos. A trilha sonora entra em guerra com as imagens, em tentativa de levantar a impotência visual. Os blocos vão se acumulando como uma série televisiva mal realizada. A narrativa tentar dar conta de período longo e de várias questões, mas com experiências de curta duração, sem o senso do cotidiano, dos espaços, da duração das experiências. Importa a quantidade de acontecimentos e sua gravidade. Quer-se atingir o “grande tema”, sem estofo para isso. Não há tempo para se tomar fôlego, para a vida se normalizar, de modo a poder entrar em crise. Colapso permanente não produz efeito. Mesmo os colapsos acidentais.

Cléber Eduardo