CONFLITOS INTERNOS, de Andrew Law e Alan Mak
Wu jian dao/Infernal Affairs, Hong Kong, 2002
(Buena Vista)
À primeira vista, a maior parte dos cinéfilos
deve se interessar neste policial por ele estar sendo
refilmado por Martin Scorsese, mas já esta na
hora de constatar que a indústria de Hong Kong
há muito tempo produz este tipo de filme bem
melhor do que qualquer país ocidental. O material
é ao mesmo tempo familiar nos seus temas e único
no seu conceito (Tony Leung é um policial infiltrado
desde jovem na máfia, Andy Lau é um gangster
infiltrado desde jovem na polícia). Law e Mak
aplicam com cuidado o que aprenderam com os filmes de
Michael Mann. Impressiona como o filme alcança
um certo tom épico, enquanto permanece econômico
e nenhum pouco grandioso. Há relativamente pouca
ação para um filme de HK, mas Law e Mak
mantêm as coisas sempre prestes a explodir (basta
observar a longa seqüência de transação
de drogas que praticamente abre o filme, verdadeiro
modelo de construção de tensão
onde a grande estrela é o código morse!).
Mas o ponto forte de Conflitos Internos é
o trabalho de elenco primoroso tanto da parte de Anthony
Wang e Eric Tsang como os respectivos chefes e especialmente
da dupla Lau e Leung.
CRIME E PAIXÃO, de Robert Aldrich
Hustle, EUA, 1975
(Paramount)
O melhor período da carreira de Robert Aldrich
começou depois que o sucesso de Os Doze Condenados
permitiu que ele fundasse seu próprio estúdio
independente (aproximadamente 68/76). O pouco visto
Crime e Paixão é um dos momentos-chave
deste período e acaba de sair quase escondido
por aqui. Trata-se de uma espécie de A Morte
Num Beijo revisitado após o apocalipse, talvez
o mais melancólico trabalho do cineasta. Em meados
dos anos 70, a paciência de Aldrich parecia ter
chegado no limite, e tanto Crime e Paixão quanto
o posterior O Último Brilho do Crepúsculo
são filmes completamente negativos, ambientados
num universo corrupto e sem saídas (aqui até
a imagem procurada pelo cineasta é sempre rasa
e feia). Burt Reynolds é o policial que vive
com uma prostituta de luxo (Catherine Deneuve) e faz
o que pode para não investigar um provável
suicídio em que o pai da vítima se recusa
a acreditar. Não há propriamente um crime
a se investigar, mas uma galeria interminável
de figuras corruptas ou corruptoras. A indignação
de Aldrich é com o fato de ninguém mais
estar indignado. Quase ninguém gosta de Crime
e Paixão (e dos outros Aldrichs da época);
são filmes grosseiros demais, desagradáveis
demais, negativos demais, mas são também
filmes de uma força que poucos dos filmes celebrados
do período possuem.
A FORÇA DO MAL, de Abraham Polonski
Force of Evil, EUA, 1948
(Classic Line)
O grande lançamento do mês, porém,
é mesmo A Força do Mal. Este compacto
(79 minutos) policial sobre um ganancioso advogado (John
Garfield) envolvido com jogo ilegal é provavelmente
o melhor filme a receber o sempre discutível
rótulo de noir. Trata-se de outro filme
sobre um universo completamente corrupto (desta vez
ambientado em Wall Street), mas o tratamento é
oposto ao de Aldrich (que curiosamente foi assistente
de direção aqui). Estamos numa outra espécie
de pesadelo, o filme parece uma espécie de monólogo
auto-acusatório onde cada fotograma é
a imagem bastante particular que Garfield constrói
do mundo à sua volta. Se Aldrich encontra um
equivalente visual à feiúra que filma,
Polonski arranja espaço para localizar uma força
poética em suas imagens. Garfield nunca esteve
melhor (basta pensar na cena no táxi com Beatrice
Parsons) e o texto de Polonski é um primor (em
especial a narração em off). O
cineasta era um roteirista conceituado (Corpo e Alma,
de Rossen) que fazia sua estréia aqui, logo depois
foi parar na lista negra e só voltaria a filmar
em 69 (no ótimo faroeste revisionista Willie
Boy). A julgar pela força destes dois filmes,
trata-se da maior perda causada pela histeria anti-comunista.
ROTA SANGRENTA, de William Wellman
Blood Alley, EUA, 1955
(Warner)
Talvez por conseqüência de não ter
muitos fãs entre autoristas, William Wellman
se tornou hoje uma figura bastante obscura apesar de
ter dirigido alguns filmes populares como Inimigo
Público, o que é uma pena já
que apesar da irregularidade dos seus filmes no pós-guerra
o cineasta mantém uma filmografia bastante forte.
Este Rota Sangrenta foi um dos filmes que fez
para a Baltjac de John Wayne em meados dos anos 50 (a
parceria mais famosa sendo Um Fio de Esperança,
realizado no ano anterior) não é nenhuma
obra-prima como Consciências Mortas e Bufallo
Bill, mas se enquadra bem dentro dos interesses
de Wellman sobre diferentes noções do
conceito de civilização. Wellman não
tem a mão leve exata para uma aventura de Wayne
e o material (o astro é um marinheiro decadente
que tenta levar toda a população de uma
vila da China comunista até Hong Kong) parece
mais próximo de um Von Sternberg, mas esta estranha
triangulação diz muito sobre o fascínio
do filme. Rota Sangrenta parece escapar de todas
categorizações fáceis, permanece
constantemente tenso, mesmo quase desprovido de ação
(seus principais conflitos sendo sempre internos, apesar
dos personagens seguirem comentando das inúmeras
ameaças externas). Faz bastante sentido que Wellman
tenha feito um filme de perseguição sem
perseguição e a força do filme
reside justamente na sua noção de incerteza.
* * *
Uma pequena errata quanto à coluna passada: O
DVD de Ludwig do Visconti que a Versátil
lançou está no formato correto e não
no 1:66, mas isto não muda o estado muito pobre
da cópia, indigna do filme e do título
edição de colecionador que a distribuidora
deu ao DVD (isto para não falar no preço).
Filipe Furtado
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