ANÁGUAS A BORDO
Blake Edwards, Operation Petticoat, EUA, 1959

Este sexto longa-metragem dirigido por Blake Edwards foi aquele que firmou definitivamente o seu nome como um cineasta de boa mão para a comédia. Após batalhar por mais de uma década fazendo um pouco de tudo – até mesmo pontas como ator – em Hollywood, Edwards estreara na direção em Bring Your Smile Along (1955), ao qual se seguiu He Laughted Last (1956), ambos veículos para o ator-cantor Frankie Lane. No ano seguinte, Edwards iniciaria com Hienas do Pano Verde (Mister Cory, 1957) uma parceria com o produtor Robert Arthur e o ator Tony Curtis, que seguiria com De Folga Para Amar (The Perfect Furlough, 1958) e Anáguas a Bordo. Paralelamente, desenvolveu projetos para TV, sendo que o mais importante entre eles o seriado de ação Peter Gunn, que, por sinal, chamaria mais atenção que os filmes do mesmo período.

Assim como a carreira de Edwards, que vai se firmando gradativamente, Anáguas a Bordo demora um pouco a se estabelecer como um filme cômico. Seu início, com a chegada de Sherman (Cary Grant), um oficial graduado da marinha, ao submarino "Sea Tiger", que comandara durante a 2ª Guerra Mundial, prestes a ser retirado de circulação, seguido de um flashback que retrata um bombardeio ao porto de Manila, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor, sugere estarmos diante de uma aventura de guerra. O humor vem a surgir com a necessidade de se reparar as avarias à embarcação em tempo récorde e com a chegada de um novo membro da tripulação, o tenente Holden (Tony Curtis), um almofadinha sem nenhum treinamento para combate. Mas Holden mostra-se bastante útil, usando seu infinito estoque de esperteza e malandragem para reequipar o "Sea Tiger" promovendo sucessivos roubos a outras instalações militares, em seqüências de impagável comicidade.

É necessario destacar que a personagem do tenente Holden marca uma evolução de personagens de perfil similar que Curtis personificara em seus trabalhos anteriores com Edwards. O Mr. Cory de Hienas do Pano Verde, um drama de resultado apenas mediano, é um alpinista social e jogador não muito ético, que também partilha com Holden a criação em um bairro pobre e violento. Já o protagonista de De Folga Para Amar, uma comédia eficiente mas de rítmo irregular, é um cabo do exército sem muito respeito às instituições militares, além de mulherengo compulsivo. Holden é tudo isso e um pouco mais. Ao que tudo leva a crer, Curtis e Edwards foram aos poucos burilando facetas de uma mesma personalidade até atingirem uma síntese definitiva, em um filme igualmente mais coeso e consistente.

E apesar de todo esse rico trabalho de composição de personagem, Holden é, em Anáguas a Bordo, sempre a segunda figura em cena. Paira sobre todos o gênio supremo que foi sempre Cary Grant, fazendo o comandante Sherman lutar com sua costumeira classe para preservar, sem deixar cair a peteca, o comando de seu submarino frente ao caos que se instala com a chegada da guerra, a precariedade de suas máquinas, as malandragens de Holden e, finalmente, a necessidade de transportar um grupo de seis mulheres, também militares, o que dá origem ao título do filme.

O roteiro, que conta entre seus autores com Maurice Richlin e Stanley Shapiro, experientes em comédia e também responsáveis pelo genial texto de Confidências à Meia Noite, é pródigo em criar situações engraçadíssimas, que se aproveitam da inequívoca tensão sexual oriunda da presença de mulheres em um ambiente espacialmente limitado e eminentemente masculino. Consegue preservar a riqueza cômica de forma equilibrada ao longo das duas horas de projeção e mesmo no clímax no qual o "Sea Tiger" é alvejado por um submarino igualmente da tropa americana, onde poderia sobrepujar uma tensão dramática.

No entanto, o mais interessante em Anáguas a Bordo é mesmo observar a evolução do domínio das técnicas de direção cinematográfica por parte de Edwards. Nas duas já citadas parcerias anteriores com o produtor Arthur, Edwards iniciou seu trabalho com o cinemascope, formato de tela larga para o qual, posteriormente, viria a exercer um domínio de técnica quase inigualável. Em Hienas do Pano Verde e De Folga Para Amar o cineasta demonstra um certo deslumbramento com o formato, sobre o qual ainda não exercia um domínio completo, e exagera no uso de planos longos e distanciados, em especial no primeiro título, o que acaba sendo responsável por uma certa frieza no resultado final.

Em Anáguas a Bordo, opta inteligentemente pelo formato de tela usual na época (1:1,85), mais adequado a retratar as dimensões exíguas de um submarino. Os resultados são mais que eficazes, por vezes impressionantes, em especial nas seqüências que retratam a instalação das mulheres na rotina do submarino, com todos transitando por portas e corredores estreitos, o que dá motivo para sucessivos e inadvertidos esbarrões e toques de corpo indesejados e até certo ponto constrangedores. Marcas da formação de um talento indiscutível, que faz aqui o primeiro momento inesquecível daquela que viria a ser, ao longo dos próximos 30 anos, uma longa série de comédias de inegável qualidade, mesmo em seus momentos menos inspirados.


Gilberto Silva Jr.

(VHS: Paris Video, selo Republic)
Obs.: Anáguas a Bordo foi o título de lançamento em cinemas e exibição na TV. Lançado em VHS como Operação Petticoat.