Distante demais
A morte é um fato da vida; talvez um fato maior entre
tantos outros. Entre tantos paradoxos, tantas incertezas,
tantos impasses e dúvidas, entre tantos detalhes. Fonte
de preocupação primordial para religiões e filosofias.
Origem de um medo quase essencial. Falar dela, portanto,
não é fácil, assim como não é fácil falar dos detalhes.
Morte e detalhes: dois pontos fundamentais na obra de
Kore-eda, para ele, diretamente interligados. Seu esforço
por um olhar compreensivo em relação ao homem em situações-limite
com relação à vida, e ao que constituiria um sentido
para ela – o que lança também em direção ao trabalho
com a memória –, o faz se dedicar a perscrutar micro-movimentos
de desejos e vontades, de aspirações e idéias, de sentimentos
e frustrações que percorrem pequenas ações humanas.
O grande fato da morte entra, então, em dialética com
os pequenos gestos da vida, que, com seus sentidos (possíveis
ou não) acabam reverberando reflexões maiores. A fragmentação
que ele faz da experiência humana em momentos, o permite
maximizar sua atenção a todos os detalhes que, na ausência
de um sentido maior, poderiam encerrar motivos suficientes.
Mas sua dialética esbarra numa questão intrínseca: para
afirmar os pequenos sentidos, estes não podem ser contrapostos
à ausência maior de sentido, com o risco de esvaziar
o percurso em nome da “conclusão” aguardada pelo método.
Na prática, o que advém é uma argumentação estruturante,
que aqui e ali se deixa ver pelos espaços abertos de
uma narrativa que se quer o elogio das partes e que
prega a atenção ao fragmento, tido como objeto privilegiado.
No caso de Tão Distante, esta dialética problemática
se agrava. Aqui, o ponto de partida para seu funcionamento
é grande e significativo demais para deixar que a estrutura
fundante do filme se oculte. E a montagem, extremamente
fragmentária e cheia de paralelismos, contribui sobremaneira
para isto. O pressuposto de tratar em tom menor um acontecimento
de enorme magnitude e polêmica, como a atividade terrorista-suicida
de uma seita, com o claro propósito de evitar grandes
assertivas para apenas tangenciar pontos de vista, vem
à tona muito claramente como estratégia, antes de nos
vir um impacto da materialidade fílmica. Arapuca que
Gus Van Sant soube contornar magistralmente em Elefante.
A dedicação de Kore-eda a seus personagens e a suas
oscilações quase imperceptíveis é um movimento digno
de atenção. Mas, por vezes, o quase cientificismo de
sua observação dificulta a empatia necessária a esse
processo, e termina justamente por revelar o “método”.
Parece faltar calor à sua câmera e alma em seus movimentos.
Porque as dores humanas não são frias nem estanques
como sugere a montagem de Tão Distante. Os sentimentos
complexos e conflitantes dos personagens principais
requerem duração e intensidade para ganharem visibilidade
fílmica. Expostos em conversas e diálogos entre planos
através da montagem, eles se fazem ver como integrantes
de uma argumentação elaborada, plena de contradições,
para além de sua pura e simples percepção, o que tira
o valor de passagens individuais e a consistência de
fragmentos interessantes, assim como enfraquece a beleza
de diversos planos que apontam para uma texturização
(e materialização sensória) das experiências. Fonte
de compreensão muito mais direta e eficiente para uma
aproximação que possa de fato quebrar a distância, junto
com a expressão dos atores, que neste filme são excepcionais.
Afinal, a exposição não tem o mesmo efeito da vivência.
Distantes dos membros da seita, ficamos também perdidos
entre as inúmeras micro-involuções sentimentais de cada
personagem reunido na cabana; a par apenas de comportamentos
e idéias, pois a rarefação da narrativa quebra o contato
que permitiria nos aproximarmos o suficiente para dar
conta do vazio de compreensão que existe a priori em
relação ao fato. Vazio esse que o filme procura preencher,
ainda que com uma tentativa de mapeamento humano e não
com respostas fechadas. Em suas inúmeras brechas, porém,
o que a falha estruturação de Tão Distante promove
é o não-esclarecimento. Evocando um não-sentido e uma
dificuldade de compreensão, este aparente elogio da
não-explicação, da refuta de conclusões claras, que
parece querer chamar uma perplexidade e uma sensibilização
diante do quadro apresentado, acaba delineando uma situação
existencialista e melancólica, geradora de uma imobilidade
mortal – para o filme e para a situação humana em torno
dele.
Tatiana Monassa
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