TÃO DISTANTE
Hirokazu Kore-eda, Distance, Japão, 2001

Distante demais

A morte é um fato da vida; talvez um fato maior entre tantos outros. Entre tantos paradoxos, tantas incertezas, tantos impasses e dúvidas, entre tantos detalhes. Fonte de preocupação primordial para religiões e filosofias. Origem de um medo quase essencial. Falar dela, portanto, não é fácil, assim como não é fácil falar dos detalhes.

Morte e detalhes: dois pontos fundamentais na obra de Kore-eda, para ele, diretamente interligados. Seu esforço por um olhar compreensivo em relação ao homem em situações-limite com relação à vida, e ao que constituiria um sentido para ela – o que lança também em direção ao trabalho com a memória –, o faz se dedicar a perscrutar micro-movimentos de desejos e vontades, de aspirações e idéias, de sentimentos e frustrações que percorrem pequenas ações humanas. O grande fato da morte entra, então, em dialética com os pequenos gestos da vida, que, com seus sentidos (possíveis ou não) acabam reverberando reflexões maiores. A fragmentação que ele faz da experiência humana em momentos, o permite maximizar sua atenção a todos os detalhes que, na ausência de um sentido maior, poderiam encerrar motivos suficientes.

Mas sua dialética esbarra numa questão intrínseca: para afirmar os pequenos sentidos, estes não podem ser contrapostos à ausência maior de sentido, com o risco de esvaziar o percurso em nome da “conclusão” aguardada pelo método. Na prática, o que advém é uma argumentação estruturante, que aqui e ali se deixa ver pelos espaços abertos de uma narrativa que se quer o elogio das partes e que prega a atenção ao fragmento, tido como objeto privilegiado. No caso de Tão Distante, esta dialética problemática se agrava. Aqui, o ponto de partida para seu funcionamento é grande e significativo demais para deixar que a estrutura fundante do filme se oculte. E a montagem, extremamente fragmentária e cheia de paralelismos, contribui sobremaneira para isto. O pressuposto de tratar em tom menor um acontecimento de enorme magnitude e polêmica, como a atividade terrorista-suicida de uma seita, com o claro propósito de evitar grandes assertivas para apenas tangenciar pontos de vista, vem à tona muito claramente como estratégia, antes de nos vir um impacto da materialidade fílmica. Arapuca que Gus Van Sant soube contornar magistralmente em Elefante.

A dedicação de Kore-eda a seus personagens e a suas oscilações quase imperceptíveis é um movimento digno de atenção. Mas, por vezes, o quase cientificismo de sua observação dificulta a empatia necessária a esse processo, e termina justamente por revelar o “método”. Parece faltar calor à sua câmera e alma em seus movimentos. Porque as dores humanas não são frias nem estanques como sugere a montagem de Tão Distante. Os sentimentos complexos e conflitantes dos personagens principais requerem duração e intensidade para ganharem visibilidade fílmica. Expostos em conversas e diálogos entre planos através da montagem, eles se fazem ver como integrantes de uma argumentação elaborada, plena de contradições, para além de sua pura e simples percepção, o que tira o valor de passagens individuais e a consistência de fragmentos interessantes, assim como enfraquece a beleza de diversos planos que apontam para uma texturização (e materialização sensória) das experiências. Fonte de compreensão muito mais direta e eficiente para uma aproximação que possa de fato quebrar a distância, junto com a expressão dos atores, que neste filme são excepcionais.

Afinal, a exposição não tem o mesmo efeito da vivência. Distantes dos membros da seita, ficamos também perdidos entre as inúmeras micro-involuções sentimentais de cada personagem reunido na cabana; a par apenas de comportamentos e idéias, pois a rarefação da narrativa quebra o contato que permitiria nos aproximarmos o suficiente para dar conta do vazio de compreensão que existe a priori em relação ao fato. Vazio esse que o filme procura preencher, ainda que com uma tentativa de mapeamento humano e não com respostas fechadas. Em suas inúmeras brechas, porém, o que a falha estruturação de Tão Distante promove é o não-esclarecimento. Evocando um não-sentido e uma dificuldade de compreensão, este aparente elogio da não-explicação, da refuta de conclusões claras, que parece querer chamar uma perplexidade e uma sensibilização diante do quadro apresentado, acaba delineando uma situação existencialista e melancólica, geradora de uma imobilidade mortal – para o filme e para a situação humana em torno dele.

Tatiana Monassa