DIÁRIO DE UM NOVO MUNDO
Paulo Nascimento, Brasil, 2005

Se Diário de Um Novo Mundo acredita numa aproximação do macro pelo micro, aproveitando-se de um personagem para falar das origens de um determinado Brasil, movimento mais do que explicitado na abrangência buscada pela sua transição final para o presente, é muito justo que uma crítica ao mesmo filme possa se valer deste artifício para obter as mesmas conclusões: pegar a parte, e ver a partir dela o todo.

Se este for o caso, é uma cena absolutamente desimportante dentro do filme (como desimportante seria o personagem de Edson Celulari dentro da macro-História do país) que melhor se presta a nossa análise: logo no começo, assim que desembarca nestas paragens tropicais, o personagem de Celulari é levado, junto com o capitão interpretado por Marcos Paulo, para um encontro com o responsável pelo forte que os recebe, na Ilha de Santa Catarina – interpretado por Zé Victor Castiel. Lá, travam uma conversa banal sobre a viagem e suas condições. É impressionante como uma cena tão menor consegue dar tão errado: logo no segundo plano dela, há um corte para um plongée (câmera do alto) completamente despropositado (o corte, e o enquadramento), que só impressiona mais pela feiúra do que pela inadequação ao eixo e ao andamento da cena. Mais adiante, no meio da conversa, há um corte para um plano fechado de reação de Marcos Paulo à conversa, onde é difícil saber se incomoda mais o over-acting do ator ou a completa impossibilidade de colar este plano com o que o antecede ou o que o sucese. Por final, quase no fechamento da conversa, a câmera corre num traveling lateral completamente desnecessário, que nos reposiciona na cena sem nenhum verdadeiro motivo para acontecer. Et voilá, como diz uma personagem no filme: no curso de uma pequena cena de passagem de informação, o filme consegue desviar nossa atenção tantas vezes do que acontece para quão inadequadamente aquilo tudo é captado, que o resultado é inevitável – pouco, ou quase nada, fica da cena no que deveria importar a ela: o andamento da narrativa e da história.

Pois, tomada a parte pelo todo, assim é Diário de um Novo Mundo: uma guerra constante entre uma história que imaginamos que se deseja contar e os meios com os quais se faz isso. Cena a cena, o espectador é desafiado para encontrar qualquer empatia com o que se passa na tela, sejam os personagens interpretados por atores em piloto automático quase exasperante, seja a narrativa, que ora confunde com um excesso de intenções, ora entedia com a ausência de uma trama de fato. No final, o espectador perde: não há como estabelecer conexão com nada daquilo que se vê na tela. O resultado é um dos mais inoperantes exemplos de cinema recente, onde a única coerência possível de se encontrar é a de uma edição com cortes a navalhadas com uma fotografia trabalhada no digital para, aparentemente, ser despida de qualquer resquício de significação.

Esta forma é especialmente incômoda por querer, constantemente, ser “cinematográfica” e “moderna”. Por cinematográfica, claro, entenda-se muitas gruas e passagens de foco sem motivo – o que é tanto aquilo que define o cinema como solos de guitarra seriam o que define o rock. E por moderna entenda-se uma constante entrada de riffs de guitarra e viradas de bateria numa trilha sonora somente menos incômoda do que o kitsch absurdo de se acreditar como sendo moderna uma cena de amor com câmera rodando em volta de uma cama, iluminada do alto e com closes em mãos que se agarram. Diário de um Novo Mundo nos dá saudades de um filme como O Preço da Paz, de Paulo Morelli (exibido em Gramado em 2003, e depois disso despontado para o anonimato) ou de uma novela de época da Globo, onde a competência da realização nos dá o luxo de podermos nos importar com o conservadorismo político ou formal daquilo que é contado. Em Diário de um Novo Mundo não chega a ser possível se incomodar com o conteúdo, porque a forma nos impede de chegar a ele.

Eduardo Valente