Se Diário de Um Novo Mundo
acredita numa aproximação do macro pelo micro, aproveitando-se
de um personagem para falar das origens de um determinado
Brasil, movimento mais do que explicitado na abrangência
buscada pela sua transição final para o presente, é
muito justo que uma crítica ao mesmo filme possa se
valer deste artifício para obter as mesmas conclusões:
pegar a parte, e ver a partir dela o todo.
Se este for o caso, é uma cena absolutamente desimportante
dentro do filme (como desimportante seria o personagem
de Edson Celulari dentro da macro-História do país)
que melhor se presta a nossa análise: logo no começo,
assim que desembarca nestas paragens tropicais, o personagem
de Celulari é levado, junto com o capitão interpretado
por Marcos Paulo, para um encontro com o responsável
pelo forte que os recebe, na Ilha de Santa Catarina
– interpretado por Zé Victor Castiel. Lá, travam uma
conversa banal sobre a viagem e suas condições. É impressionante
como uma cena tão menor consegue dar tão errado: logo
no segundo plano dela, há um corte para um plongée
(câmera do alto) completamente despropositado (o corte,
e o enquadramento), que só impressiona mais pela feiúra
do que pela inadequação ao eixo e ao andamento da cena.
Mais adiante, no meio da conversa, há um corte para
um plano fechado de reação de Marcos Paulo à conversa,
onde é difícil saber se incomoda mais o over-acting
do ator ou a completa impossibilidade de colar este
plano com o que o antecede ou o que o sucese. Por final,
quase no fechamento da conversa, a câmera corre num
traveling lateral completamente desnecessário,
que nos reposiciona na cena sem nenhum verdadeiro motivo
para acontecer. Et voilá, como diz uma personagem
no filme: no curso de uma pequena cena de passagem de
informação, o filme consegue desviar nossa atenção tantas
vezes do que acontece para quão inadequadamente aquilo
tudo é captado, que o resultado é inevitável – pouco,
ou quase nada, fica da cena no que deveria importar
a ela: o andamento da narrativa e da história.
Pois, tomada a parte pelo todo, assim é Diário de
um Novo Mundo: uma guerra constante entre uma história
que imaginamos que se deseja contar e os meios com os
quais se faz isso. Cena a cena, o espectador é desafiado
para encontrar qualquer empatia com o que se passa na
tela, sejam os personagens interpretados por atores
em piloto automático quase exasperante, seja a narrativa,
que ora confunde com um excesso de intenções, ora entedia
com a ausência de uma trama de fato. No final, o espectador
perde: não há como estabelecer conexão com nada daquilo
que se vê na tela. O resultado é um dos mais inoperantes
exemplos de cinema recente, onde a única coerência possível
de se encontrar é a de uma edição com cortes a navalhadas
com uma fotografia trabalhada no digital para, aparentemente,
ser despida de qualquer resquício de significação.
Esta forma é especialmente incômoda por querer, constantemente,
ser “cinematográfica” e “moderna”. Por cinematográfica,
claro, entenda-se muitas gruas e passagens de foco sem
motivo – o que é tanto aquilo que define o cinema como
solos de guitarra seriam o que define o rock.
E por moderna entenda-se uma constante entrada de riffs
de guitarra e viradas de bateria numa trilha sonora
somente menos incômoda do que o kitsch absurdo
de se acreditar como sendo moderna uma cena de amor
com câmera rodando em volta de uma cama, iluminada do
alto e com closes em mãos que se agarram. Diário
de um Novo Mundo nos dá saudades de um filme como
O Preço da Paz, de Paulo Morelli (exibido em
Gramado em 2003, e depois disso despontado para o anonimato)
ou de uma novela de época da Globo, onde a competência
da realização nos dá o luxo de podermos nos importar
com o conservadorismo político ou formal daquilo que
é contado. Em Diário de um Novo Mundo não chega
a ser possível se incomodar com o conteúdo, porque a
forma nos impede de chegar a ele.
Eduardo Valente
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