DE TANTO BATER MEU CORAÇÃO PAROU
Jacques Audiard, De battre mon coeur c'est arreté, França, 2005

A potencialidade do homem é freqüentemente “personalizada” nas mãos. Não apenas imageticamente, como também metaforicamente – o que o homem faz e promove é através delas. E os atributos desta manifestação exteriorizada são muitas vezes de ordem interior, sintetizados em torno da idéia de “coração” – como algo essencialista, seja pela herança “genética” que ele carregaria (as características de seus progenitores que ele insistiria em guardar), seja pelas pulsões próprias que o animam e forjam a personalidade única de uma pessoa. De tanto bater, meu coração parou parece se basear neste circuito para movimentar seu drama.

Tom, através de suas mãos, ecoa tanto as características de seu pai quanto as de sua mãe. De um lado, elas promovem a violência e, de outro, os belos acordes de melodias clássicas. A construção do personagem como alguém dividido entre duas pulsões contrárias, constituintes de sua essência, coloca também uma oposição entre a fisicalidade do gesto bruto e a espiritualidade do movimento suave de mãos ao piano. No entanto, para Tom, tirando algumas questões de ordem prática (como dividir seu tempo, etc), parece não haver contradição entre os dois gestos, assim como não haveria incompatibilidade entre amar música clássica e passar o dia inteiro ouvindo música eletrônica no discman. A naturalidade e a estranheza com que Romain Duris interpreta o personagem tratam de mesclar indistintamente os dois lados. Seu coração bate tanto de nervosismo e de raiva, quanto de emoção.

Mas Audiard quer nos fazer crer que a partir de determinado momento, ele passa a bater mais de emoção. A partir, talvez, da descoberta de uma sensibilidade “adormecida”. O andamento das situações é progressivo o suficiente para que este momento não seja percebido com exatidão. No entanto, um certo ar de acontecimentos fortuitos não é trabalhado – o que, juntamente com a simples insistência em trabalhar com um binômio desta natureza, deixa a estratégia do filme um tanto clara: demonstrar uma transformação no personagem a partir do acaso e da relação com uma pessoa. Quase como um upgrade. Como se só a partir deste momento o coração de Tom fosse de fato começar a bater. Logo, o título, ainda que belo e bastante sugestivo, não guarda grandes relações com a narrativa do filme. Os corações parecem, ao contrário do que ele indica, estarem sendo estimulados no seu decorrer.

Enquanto o pai de Tom envolve-se com uma mulher mais nova e passa a pensar em se casar novamente, Miao Lin, mulher oriental, ajuda a despertar no coração de Tom a sensibilidade da mãe, que andava meio apagada desde sua morte. A incomunicabilidade entre os dois (ela acabou de chegar da China e não fala uma palavra de francês) reforça a idéia de exacerbação de uma sensibilidade quase metafísica. Tom passa de agente imobiliário canalha a pianista apaixonado. A agressividade (relacionada ao pai) dá lugar à sensibilidade (identificada com a lembrança da mãe). O ritmo ágil da câmera e o cuidadoso balanço com que Audiard conduz seu drama, por um hábil manejo de pequenas situações, não conseguem esconder satisfatoriamente seu esquematismo. Da mesma forma que em Sur mes lèvres, o relacionamento entre os personagens (ao que parece, o objetivo principal do diretor), não ganha força suficiente para suplantar os valores que eles encarnam. Frutos de uma construção quase simbólica, sua relação acaba deixando um tanto explícito um desejo de transmitir dados de humanismo. Observando atenciosamente a estruturação do filme, veremos que, por baixo da tentativa de lidar com sentimentos, vibrações e ondulações da alma e dos comportamentos humanos, na verdade pouco batem os corações dos personagens.

Tatiana Monassa