A potencialidade do homem é
freqüentemente “personalizada” nas mãos. Não apenas
imageticamente, como também metaforicamente – o que
o homem faz e promove é através delas. E os atributos
desta manifestação exteriorizada são muitas vezes de
ordem interior, sintetizados em torno da idéia de “coração”
– como algo essencialista, seja pela herança “genética”
que ele carregaria (as características de seus progenitores
que ele insistiria em guardar), seja pelas pulsões próprias
que o animam e forjam a personalidade única de uma pessoa.
De tanto bater, meu coração parou parece se basear
neste circuito para movimentar seu drama.
Tom, através de suas mãos, ecoa tanto as características
de seu pai quanto as de sua mãe. De um lado, elas promovem
a violência e, de outro, os belos acordes de melodias
clássicas. A construção do personagem como alguém dividido
entre duas pulsões contrárias, constituintes de sua
essência, coloca também uma oposição entre a fisicalidade
do gesto bruto e a espiritualidade do movimento suave
de mãos ao piano. No entanto, para Tom, tirando algumas
questões de ordem prática (como dividir seu tempo, etc),
parece não haver contradição entre os dois gestos, assim
como não haveria incompatibilidade entre amar música
clássica e passar o dia inteiro ouvindo música eletrônica
no discman. A naturalidade e a estranheza com
que Romain Duris interpreta o personagem tratam de mesclar
indistintamente os dois lados. Seu coração bate tanto
de nervosismo e de raiva, quanto de emoção.
Mas Audiard quer nos fazer crer que a partir de determinado
momento, ele passa a bater mais de emoção. A partir,
talvez, da descoberta de uma sensibilidade “adormecida”.
O andamento das situações é progressivo o suficiente
para que este momento não seja percebido com exatidão.
No entanto, um certo ar de acontecimentos fortuitos
não é trabalhado – o que, juntamente com a simples insistência
em trabalhar com um binômio desta natureza, deixa a
estratégia do filme um tanto clara: demonstrar uma transformação
no personagem a partir do acaso e da relação com uma
pessoa. Quase como um upgrade. Como se só a partir
deste momento o coração de Tom fosse de fato começar
a bater. Logo, o título, ainda que belo e bastante sugestivo,
não guarda grandes relações com a narrativa do filme.
Os corações parecem, ao contrário do que ele indica,
estarem sendo estimulados no seu decorrer.
Enquanto o pai de Tom envolve-se com uma mulher mais
nova e passa a pensar em se casar novamente, Miao Lin,
mulher oriental, ajuda a despertar no coração de Tom
a sensibilidade da mãe, que andava meio apagada desde
sua morte. A incomunicabilidade entre os dois (ela acabou
de chegar da China e não fala uma palavra de francês)
reforça a idéia de exacerbação de uma sensibilidade
quase metafísica. Tom passa de agente imobiliário canalha
a pianista apaixonado. A agressividade (relacionada
ao pai) dá lugar à sensibilidade (identificada com a
lembrança da mãe). O ritmo ágil da câmera e o cuidadoso
balanço com que Audiard conduz seu drama, por um hábil
manejo de pequenas situações, não conseguem esconder
satisfatoriamente seu esquematismo. Da mesma forma que
em Sur mes lèvres, o relacionamento entre os
personagens (ao que parece, o objetivo principal do
diretor), não ganha força suficiente para suplantar
os valores que eles encarnam. Frutos de uma construção
quase simbólica, sua relação acaba deixando um tanto
explícito um desejo de transmitir dados de humanismo.
Observando atenciosamente a estruturação do filme, veremos
que, por baixo da tentativa de lidar com sentimentos,
vibrações e ondulações da alma e dos comportamentos
humanos, na verdade pouco batem os corações dos personagens.
Tatiana Monassa
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