Quarteto fantástico
Tim Story, Fantastic Four, EUA, 2005

Em Taxi, o diretor Tim Story tinha em mão um projeto em que parecia muito à vontade. Havia um interesse enorme em construir momentos cômicos sempre que possível; e tal interesse parecia compartilhado pela produção, que importou Jimmy Fallon do Saturday Night Live para protagonizar o filme ao lado de Queen Latifah. Mesmo nas cenas de ação, escancarava-se algum espaço para inserir uma piada. Se ele não conseguiu desenvolver um tom de humor mais absurdo, parece que não foi por falta de tentativa, pois cada imagem parece ter sido criada para atingir esta veia humorística. Toda a estrutura do filme foi montada para dar espaço a isso, e todas as referências ligadas à década de 80 eram das mais promissoras. Apesar de em alguns momentos se conseguir alguns efeitos interessantes, há um claro desespero por fazer rir que incomoda um bocado. Muito dele calcado em referências, John Landis em especial, que não conseguem nem de longe serem emuladas satisfatoriamente.

Um filme como Quarteto Fantástico provavelmente empurraria a direção de Story para um lado bem diferente de Taxi. Há, agora, um orçamento muito mais polpudo a ser torrado em efeitos especiais - consequentemente, nas costumeiras cenas de ação megalomaníacas. Mas o que mais parecia distanciá-lo das opções de seu trabalho anterior era o fato dele fazer parte desta nova leva de filmes de super-herói, incrivelmente receosa de soarem bobos demais para o público-alvo adolescente, o que não seria alcançado se mantivesse o ritmo ininterrupto de piadas, muitas vezes deliberadamente infantis, do seu trabalho anterior. Se mesmo os dois Homem-Aranha parecem controlar seu senso de humor para não abusar da receptividade do personagem, não era de se esperar que Tim Story fizesse um filme muito similar ao seu trabalho anterior. Ledo engano. Quarteto Fantástico é, antes de qualquer coisa, uma comédia rasgada (pastelão, na maior parte do tempo) e que se choca frontalmente com o tipo de modelo do qual se esperava uma certa rigidez.

O próprio elenco nada carismático, canastrão do início ao fim, funciona como uma ferramenta cômica das mais acertadas. E mesmo a narrativa absurda e cheia de furos do filme é maximizada a ponto de soar quase como uma paródia, com uma série de clichês que parecem ter buscado inspiração menos nas mais recentes adaptações de quadrinhos que nos clássicos e ingênuos desenhos animados que surgiram a partir de personagens dos mesmos há algumas décadas. Irresistivelmente maniqueísta e sem vergonha, há uma veia B e picareta que não se esperava de forma alguma se encontrar num tipo de blockbuster deste. Todo este clima proporciona momentos dos mais saudáveis como na gratuita cena em que Jessica Alba aparece de sutiã e calcinha pelo simples prazer de se mostrá-la assim. Ou ainda nas cenas quase surreais em que se tenta apresentar o lado mulherengo do Tocha Humana. Mesmo as cenas dramáticas são encenadas com uma canalhice das mais saudáveis por em nenhum momento caírem em uma chata auto-indulgência. Há um sentimento de uma equipe e um elenco se divertindo e usando de toda a estrutura que um filme deste porte possui como seu parque de diversões particular.

Mas isso não é alcançado em um percurso desprovido de acidentes. No meio do caminho, esbarramos com vários planos horrorosos e mal encaixados - uma vez que o diretor só trabalha imagens de uma maneira menos que desastrosa quando se apóia em estruturas já fixas e reconhecíveis (a seqüência que mostra o cotidiano deles no apartamento em que se confinam é bem característica), onde não há muita liberdade para que ele cometa seus deslizes habituais. Tudo isso resulta em imagens frouxas e limitadas, que muitas vezes trabalham contra as piadas espalhadas pelo filme. E é a partir desta pouca segurança formal que às vezes se tem a incômoda impressão de que se está assistindo um prolongamento irritante de um alívio cômico que deveria ter surgido e desaparecido bem mais rapidamente. Ou pior; uma série de subterfúgios para não ter que encarar as raras seqüências de ação que aparecem no filme. Duas seqüências filmadas e montadas de uma forma extremamente confusa, que parecem perdidas no meio de tudo.

Mas, no final das contas - em meio a brigas homéricas protagonizadas por um homem de pedra, uma mulher invisível, um elástico humano e um cara que entra em combustão para logo em seguida levantar vôo -, nada soa tão absurdo quanto as inúmeras gags de Quarteto Fantástico. Mesmo sendo uma enganação grosseira, especialmente quando se vê a forma como o filme foi vendido, em vários momentos isto se revela um engodo dos mais deliciosos.

José Roberto Rocha