Maggie Cheung em Clean de Olivier Assayas
Remakes de Sob o Domínio do Mal, Alfie e Acossado, além dos lançamentos de filmes de Edgar G. Ulmer (foto), Walter Lima Jr., Bresson...
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No mesmo mês em que Clean, primeiro filme de Olivier Assayas a chegar ao nosso circuito exibidor, entrava em cartaz no Rio e em São Paulo, o Festival Brasileiro de Cinema Universitário consolidava mais uma edição. De um lado o décimo longa-metragem de ficção de um cineasta que afirma ter feito da passagem pelos Cahiers du Cinéma sua escola de cinema; do outro a décima edição de um festival que exibe anualmente os filmes feitos por alunos de faculdades de cinema de todo o mundo. Duas formas de aprender cinema, duas formas de nos fazer continuar a pensar o cinema. O cinema de Assayas, e Clean nesse sentido nem representa o ápice de sua carreira, de alguma forma nos coloca em sintonia com um empirismo eclético (fruto da mais antiga tradição cinefílica) de que muitas vezes sentimos falta no cinema ensinado e produzido dentro das universidades. Mas foi com uma programação acima da média em relação aos outros anos, e com um clima bastante envolvente, que o FBCU chegou este ano. Ao contrário, em meio à costumeira produção que envolve pequenos exercícios técnicos, pálidas cópias de tiques de alguns cineastas preferidos (sempre os mesmos), cineportfólios ou ligeiros registros ficcionais tendo como primeira função a ratificação do saber-fazer, alguns filmes sobressaíram de forma impressionante não só no panorama universitário, mas no conjunto geral da produção curta-metragista brasileira (vale notar que alguns deles já tinham sido comentados entre os melhores filmes de curta-metragem do ano de 2004 em nossa pauta de janeiro dedicada à Mostra Curta Cinema).

Assim, nada mais natural do que circuitar esses dois extratos distantes de cinema e disso fazer uma edição. A semelhança? A força da produção, que nos faz celebrar pela primeira vez a atenção dada a um dos cineastas contemporâneos mais interessantes pela entrada de um de seus filmes em cartaz, e uma edição do FBCU para ficar na memória. As duplas articulações a fazer na comparação são muitas: nacional/estrangeiro, visível/invisível, mediatizado/não-mediatizado. É um problema sério, naturalmente: a ditadura que rege os cadernos culturais dos principais jornais brasileiros sendo dada pela hegemonia das assessorias de imprensa que pautam as redações, muito pouco resta na imprensa "oficial" do espírito aventureiro para correr atrás da novidade ali onde menos se esperava, e também para prestigiar eventos que não tem uma interface midiática evidente. Traço de um paradoxal subdesenvolvimento das capitais do Sudeste, que não vêem em seu cinema universitário um assunto digno de pauta? Nas cidades em que os holofotes não brilham com tanta constância, a produção local é prestigiada de forma muito mais interessante do que nas duas maiores cidades do país (a cada viagem a Pernambuco, à Paraíba, ao Paraná a tristeza com essa constatação aumenta). Mais que isso: existe um verdadeiro senso de organicidade na relação entre produção e divulgação de obras não-comerciais que só pode e deve ser vista com inveja por nós megalopolitanos.

Mas isso não passa apenas pela questão dos curtas-metragens nacionais, universitários ou não. Quem acompanha cinema sabe que existe toda uma parte do cinema contemporâneo que jamais chega a ter divulgação pela imprensa, especializada ou não, de enfoque mais jornalístico ou de enfoque mais voltado à crítica. Isso acaba ocasionando um raciocínio um tanto perverso, em que é só a partir da entrada em cartaz de certos filmes e diretores que é possível falar deles. Pior: todo mundo continua achando que o panorama trazido para nós pelas distribuidoras é muito completo e que estamos diante da fina flor do cinema mundial. Arturo Ripstein pára de ter seus filmes lançados? Volta para a vala comum do anonimato. Abel Ferrara e Spike Lee só são lançados em vídeo? Nem uma notinha. O que dizer, então, de realizadores como Pedro Costa, Hou Hsiao-hsien ou Hong Sang-Soo, que jamais tiveram filme exibido comercialmente no Brasil, ou do casal Straub-Huillet, Claire Denis e Jia Zhangke, que só entraram em cartaz com apenas um filme? Todos eles, como os curtas universitários – e como o resto da carreira de Assayas anterior a Clean –, sofrem dessa lógica perversa que faz com que só o visível mereça mais visibilidade (midiática) e que o invisível permaneça invisível (jamais tendo espaço de divulgação jornalística).

Tarefa, então, para os apaixonados – aqueles que não se regem por essa estranha época em que só é notícia o que já é notícia – de colocar suas apostas e descobertas em primeiro plano, fazer falar mais alto sua vontade e trazer à tona aqueles que realmente os interessam, pouco importando a voga que seja atribuída a suas paixões na vala comum das opiniões e das informações generalizadas. Obscurantismo? Esnobismo? Desejo de só falar daquilo que ninguém conhece? Não exatamente. Apenas a crença de que, quando há algo muito interessante a ser dito sobre alguma coisa, alguma obra, algum evento, algum cineasta, a força da emoção – e a comunicabilidade que daí deriva – é muito mais decisiva do que a acessibilidade ou o conhecimento prévio do assunto em questão. Se um cineasta ou um conjunto de filmes é pouco conhecido, é preciso começar a fazer conhecer de algum lugar. E por que não daqui?

     
  Luiz Carlos Oliveira Jr. e Ruy Gardnier