PARIS SE LEVANTA
Olivier Assayas, Paris s'éveille, França/Itália, 1991

Adrien, 19 anos, vaga entre Toulouse e Paris, entre aqui e ali, até chegar à Cidade Luz para viver com o pai. Ele, na verdade, foge da polícia, uma vez que o mentor do assalto de que participou está preso e pode denunciá-lo. Clément, por sua vez, namora e sustenta Louise, 18 anos, que de quando em quando faz bicos como modelo de fotos pornográficas, ou como esteticista no salão de beleza da mãe. Os dois jovens, Adrien e Louise, apaixonam-se e passam a morar juntos, em um conto-de-fada que se mistura à clandestinidade e à pobreza: em Paris Se Levanta, Olivier Assayas trabalha com esta juventude sem perspectivas e em permanente conflito com os pais, que subsiste marginalizada dentro do espaço urbano e da estrutura social, e que assiste à destruição de seus mais belos sonhos frente às privações impostas pela nova realidade – pós-ideológica, consumista e midiática – dos anos 90.

Adrien chega em Paris. De ônibus, de trem, de metrô, equilibrando-se no parapeito da estrada, série de planos fugidios que conotam jornadas inconclusas, que terminam, expressivamente, com o protagonista preso atrás das grades da estação metroviária. Já Louise, que não consegue concluir suas frases, acha-se burra, briga constantemente com Clément, usa vez ou outra cocaína e tenta empregos como apresentadora de TV, através, sobretudo, do "teste do sofá". O encontro dos dois, a princípio marcado pela desconfiança e pelo medo, cede lugar à paixão e à procura de entendimento mútuo, apesar das dificuldades, entre párias da sociedade, seres à deriva – para citar Moon River, música de Henry Mancini para o filme de Blake Edwards, Bonequinha de Luxo – que se abraçam para não acabarem tragados pelas demandas sociais e pela ausência de horizontes: ele pela criminalidade, ela pelo desânimo quanto às relações afetivas e, por conseguinte, à vida, e isso se manifesta inclusive no nível físico, seja no desmaio na escada, seja na noite de excessos em que ela dorme, chapada, no meio dos arbustos.

Desencanto, mas também esperança na cidade luz dos desiludidos. Como o próprio título já indica, Paris é mais do que simples cenário onde transcorre a ação: ela se torna verdadeira força vital, pulsando junto com os corações de Adrien e de Louise, pois se configura na arena pública e privada em que se chocam sonhos românticos com as vicissitudes cruéis de uma sociedade que se baseia no sucesso financeiro, no prestígio profissional, na posse indiscriminada de bens e nos favores sexuais. Paris que Assayas desvenda quando alterna planos gerais da cidade, distante e aparentemente tranqüila, com outros que beiram o sensório, revelando as entranhas do espaço urbano, nas ruas à noite, no apartamento pequeno-burguês de Clément, no estúdio de televisão, no salão de beleza que pertence à mãe de Louise, nos restaurantes, nas boates, no cortiço onde o casal passa a morar. Ambientes que o cineasta filma tanto com carinho e admiração quanto com receio e temor, a fim de preservar o mistério que advém das complexas teias de encontros e de desencontros que envolvem os personagens e com as quais Paris respira, tão impenetrável e imperturbável como a esfinge do Vale dos Reis ou como o sorriso da Gioconda.

São histórias de amor que norteiam Paris Se Levanta, dos jovens entre si e deles (e do cineasta) com a cidade. Estas histó
rias servem para refletir acerca da crise generalizada que se abate sobre a primeira geração pós-utópica e, em conseqüência, a respeito da falência política e cultural da sociedade que a ampara. Trata-se de uma juventude abandonada, que se encontra no vácuo deixado pelo fim da História e das ideologias de contestação social herdadas do século XIX, que presencia indiferente a queda do Muro de Berlim (1989, dois anos antes da realização do filme) e a escalada triunfal do liberalismo conservador de Reagan e de Tatcher, sob o qual mesmo o socialista François Mitterand – como os demais partidos de esquerda na Europa – sucumbe, com o desmonte do Estado enquanto veículo de afirmação identitária nacional e de proteção ao indivíduo. Transformações que, segundo Assayas, geram conflitos permanentes entre os jovens desajustados dos anos 90 e os ex-jovens, agora pais, dos anos 70, geração que desejava mudar a realidade mas que se integrou, como classe média, ao maravilhoso novo mundo da mídia e do consumo. Não por acaso, há, em Paris Se Levanta Jean-Pierre Léaud, o eterno Antoine Doinel de Truffaut que, envelhecido, troca o papel de desencaixado pelo de agente repressor, Lei e Ordem que sufocam Adrien e Louise, representando a transição da utopia para a entropia, dos sonhos que marcham rumo à mesmice cotidiana.

Em Paris Se Levanta, todavia, embora Louise se prostitua para assegurar seu futuro profissional dentro da máquina televisiva (e da sociedade que ela simboliza), os sonhos continuam, pois ela ainda ama Adrien, foragido na Argentina. Por mais violento e sem esperança que o mundo seja, a resposta, para Assayas, está em continuar a viver, um dia depois do outro, já que, no meio do caos, sobram apenas os laços que unem uma pessoa à outra – como nos planos finais, em que a filha de imigrantes chineses, após a prisão do marido, persiste no trabalho de garçonete com o intuito de sustentar a filha pequena.


Paulo Ricardo de Almeida