Adrien, 19 anos, vaga entre Toulouse e Paris, entre
aqui e ali, até chegar à Cidade Luz para
viver com o pai. Ele, na verdade, foge da polícia,
uma vez que o mentor do assalto de que participou está
preso e pode denunciá-lo. Clément, por
sua vez, namora e sustenta Louise, 18 anos, que de quando
em quando faz bicos como modelo de fotos pornográficas,
ou como esteticista no salão de beleza da mãe.
Os dois jovens, Adrien e Louise, apaixonam-se e passam
a morar juntos, em um conto-de-fada que se mistura à
clandestinidade e à pobreza: em Paris Se Levanta,
Olivier Assayas trabalha com esta juventude sem perspectivas
e em permanente conflito com os pais, que subsiste marginalizada
dentro do espaço urbano e da estrutura social,
e que assiste à destruição de seus
mais belos sonhos frente às privações
impostas pela nova realidade – pós-ideológica,
consumista e midiática – dos anos 90.
Adrien chega em Paris. De ônibus, de trem, de
metrô, equilibrando-se no parapeito da estrada,
série de planos fugidios que conotam jornadas
inconclusas, que terminam, expressivamente, com o protagonista
preso atrás das grades da estação
metroviária. Já Louise, que não
consegue concluir suas frases, acha-se burra, briga
constantemente com Clément, usa vez ou outra
cocaína e tenta empregos como apresentadora de
TV, através, sobretudo, do "teste do sofá".
O encontro dos dois, a princípio marcado pela
desconfiança e pelo medo, cede lugar à
paixão e à procura de entendimento mútuo,
apesar das dificuldades, entre párias da sociedade,
seres à deriva – para citar Moon River,
música de Henry Mancini para o filme de Blake
Edwards, Bonequinha de Luxo – que se abraçam
para não acabarem tragados pelas demandas sociais
e pela ausência de horizontes: ele pela criminalidade,
ela pelo desânimo quanto às relações
afetivas e, por conseguinte, à vida, e isso se
manifesta inclusive no nível físico, seja
no desmaio na escada, seja na noite de excessos em que
ela dorme, chapada, no meio dos arbustos.
Desencanto, mas também esperança na cidade
luz dos desiludidos. Como o próprio título
já indica, Paris é mais do que simples
cenário onde transcorre a ação:
ela se torna verdadeira força vital, pulsando
junto com os corações de Adrien e de Louise,
pois se configura na arena pública e privada
em que se chocam sonhos românticos com as vicissitudes
cruéis de uma sociedade que se baseia no sucesso
financeiro, no prestígio profissional, na posse
indiscriminada de bens e nos favores sexuais. Paris
que Assayas desvenda quando alterna planos gerais da
cidade, distante e aparentemente tranqüila, com
outros que beiram o sensório, revelando as entranhas
do espaço urbano, nas ruas à noite, no
apartamento pequeno-burguês de Clément,
no estúdio de televisão, no salão
de beleza que pertence à mãe de Louise,
nos restaurantes, nas boates, no cortiço onde
o casal passa a morar. Ambientes que o cineasta filma
tanto com carinho e admiração quanto com
receio e temor, a fim de preservar o mistério
que advém das complexas teias de encontros e
de desencontros que envolvem os personagens e com as
quais Paris respira, tão impenetrável
e imperturbável como a esfinge do Vale dos Reis
ou como o sorriso da Gioconda.
São histórias de amor que norteiam Paris
Se Levanta, dos jovens entre si e deles (e do cineasta)
com a cidade. Estas histórias
servem para refletir acerca da crise generalizada que
se abate sobre a primeira geração pós-utópica
e, em conseqüência, a respeito da falência
política e cultural da sociedade que a ampara.
Trata-se de uma juventude abandonada, que se encontra
no vácuo deixado pelo fim da História
e das ideologias de contestação social
herdadas do século XIX, que presencia indiferente
a queda do Muro de Berlim (1989, dois anos antes da
realização do filme) e a escalada triunfal
do liberalismo conservador de Reagan e de Tatcher, sob
o qual mesmo o socialista François Mitterand
– como os demais partidos de esquerda na Europa – sucumbe,
com o desmonte do Estado enquanto veículo de
afirmação identitária nacional
e de proteção ao indivíduo. Transformações
que, segundo Assayas, geram conflitos permanentes entre
os jovens desajustados dos anos 90 e os ex-jovens, agora
pais, dos anos 70, geração que desejava
mudar a realidade mas que se integrou, como classe média,
ao maravilhoso novo mundo da mídia e do consumo.
Não por acaso, há, em Paris Se Levanta
Jean-Pierre Léaud, o eterno Antoine Doinel de
Truffaut que, envelhecido, troca o papel de desencaixado
pelo de agente repressor, Lei e Ordem que sufocam Adrien
e Louise, representando a transição da
utopia para a entropia, dos sonhos que marcham rumo
à mesmice cotidiana.
Em Paris Se Levanta, todavia, embora Louise se
prostitua para assegurar seu futuro profissional dentro
da máquina televisiva (e da sociedade que ela
simboliza), os sonhos continuam, pois ela ainda ama
Adrien, foragido na Argentina. Por mais violento e sem
esperança que o mundo seja, a resposta, para
Assayas, está em continuar a viver, um dia depois
do outro, já que, no meio do caos, sobram apenas
os laços que unem uma pessoa à outra –
como nos planos finais, em que a filha de imigrantes
chineses, após a prisão do marido, persiste
no trabalho de garçonete com o intuito de sustentar
a filha pequena.
Paulo Ricardo de Almeida
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