Que
mania irritante é essa de fazer com que cada
filme, mesmo simples em seu modo de filmar e em seu
modo de contar, comporte infinitas remissões
ao passado e ao futuro, flashbacks e flashforwards que
parecem deslocados daquilo que o filme verdadeiramente
tem a tratar? Quase Dois Irmãos já
tinha se construído dessa forma, curto-circuitando
três épocas quando só havia de fato
uma para contar. Mais uma Vez Amor, igualmente,
não nos deixa parados na mesma época por
muito tempo. Mania de grandeza? Portfólio
de roteirista? Praga das oficinas de roteiro Sundance
e dessa espécie de baixa auto-estima do roteirista
brasileiro, que a vida inteira ouve falar que o cinema
brasileiro não sabe roteirizar? Ou simplesmente
uma desconfiança de que, de fato, o tempo forte
do filme os anos 70 em Quase Dois Irmãos,
hoje em Mais uma Vez Amor não tem
drama o suficiente para ser evoluído em uma hora
e meia? Em todo caso, os filmes acabam se ressentindo
disso, desse excesso de construção que
acaba minando o filme por dentro e minimizando o poder
de imersão num universo, num tempo, num andamento
específicos de cada drama. Numa comédia
sentimental, convenhamos, é preciso que tenhamos
tempo para enfatizar com nossos personagens, saber como
eles são o que eles querem.
Mais uma Vez Amor nasce de uma peça de
Rosane Svartman, Lulu Silva Teles e Ricardo Perroni.
Em sua adaptação para o cinema (escrita
por Carlos Lombardi), encontramos esse mesmo confilto
de opostos caricaturais já flagrante em Como
Ser Solteiro. Se naquele filme começávamos
pela relação de amizade entre o tímido
e franzino Ernesto Piccolo e o fortão extrovertido
interpretado por Heitor Martinez, aqui estamos diante
de Dan Stulbach (Rodrigo), engenheiro travado, e Juliana
Paes (Lia), riponguinha porra-louca, que viveram um
amor na juventude e hoje se encontram separados, unidos
apenas pela idéia de um dia decisivo, 23 de abril,
que em promessa adolescente seria sempre a comemoração
de um amor, e data de um encontro nas pedras, diante
do mar. Os opostos se atraem, se misturam e depois se
separam, e hoje cada um vive distante do outro, ele
com esposa e filho, ela com uma filha. Material de base
bastante interessante, não fosse um conflito
de opostos que coloca em cheque todo o interesse filme:
um personagem sem ator que o encarne, uma atriz sem
uma personagem em que trabalhar. E, mais que isso, uma
diretora que parece bastante interessada em fazer funcionar
um roteiro mas que se revela bem pouco apta a construir
e organizar o campo visual em torno de uma idéia
construída para a iamgem e para o som. Daí
a profusão de planos fechados que ficariam melhores
mais abertos, ou planos médios que se resolveriam
melhor em closes. Sente-se até que a gramática
reiterativa e desgastada da telenovela resolveria melhor
diversas seqüências. Em todo caso, outro
conflito de opostos: um desejo de encenar-roteiro que
não é respaldado por um desejo de encenar-mundo.
Restam alguns momentos fortes, ilhotas no meio de um
mar de obviedades e situações de comicidade
fácil: o engenheiro em crise de meia-idade brincando
com o joguinho de construção no computador
do filho, se reimaginando no mitológico Projeto
Rondon, no qual construiu uma cidade inteira (ainda
que ela só tivesse uma rua); ou então
as cenas com Bruna Marquesini, filha de Lia (e também
de Rodrigo, saberemos rapidamente), espécie de
anjo intocado pela difícil gestão das
diferenças no mundo, e, portanto, espécie
de mediadora da volta dos pais. Nem o desastre que geralmente
são nossas comédias "de grande mercado"
(Avassaladoras, ou o próprio Como Ser
Solteiro) nem algo levado a cabo com olho de cineasta,
Mais uma Vez Amor sabe ser docilmente dispensável.
Ruy Gardnier
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