MAIS UMA VEZ AMOR
Rosane Svartman, Brasil, 2005

Que mania irritante é essa de fazer com que cada filme, mesmo simples em seu modo de filmar e em seu modo de contar, comporte infinitas remissões ao passado e ao futuro, flashbacks e flashforwards que parecem deslocados daquilo que o filme verdadeiramente tem a tratar? Quase Dois Irmãos já tinha se construído dessa forma, curto-circuitando três épocas quando só havia de fato uma para contar. Mais uma Vez Amor, igualmente, não nos deixa parados na mesma época por muito tempo. Mania de grandeza? Portfólio de roteirista? Praga das oficinas de roteiro Sundance e dessa espécie de baixa auto-estima do roteirista brasileiro, que a vida inteira ouve falar que o cinema brasileiro não sabe roteirizar? Ou simplesmente uma desconfiança de que, de fato, o tempo forte do filme – os anos 70 em Quase Dois Irmãos, hoje em Mais uma Vez Amor – não tem drama o suficiente para ser evoluído em uma hora e meia? Em todo caso, os filmes acabam se ressentindo disso, desse excesso de construção que acaba minando o filme por dentro e minimizando o poder de imersão num universo, num tempo, num andamento específicos de cada drama. Numa comédia sentimental, convenhamos, é preciso que tenhamos tempo para enfatizar com nossos personagens, saber como eles são o que eles querem.

Mais uma Vez Amor nasce de uma peça de Rosane Svartman, Lulu Silva Teles e Ricardo Perroni. Em sua adaptação para o cinema (escrita por Carlos Lombardi), encontramos esse mesmo confilto de opostos caricaturais já flagrante em Como Ser Solteiro. Se naquele filme começávamos pela relação de amizade entre o tímido e franzino Ernesto Piccolo e o fortão extrovertido interpretado por Heitor Martinez, aqui estamos diante de Dan Stulbach (Rodrigo), engenheiro travado, e Juliana Paes (Lia), riponguinha porra-louca, que viveram um amor na juventude e hoje se encontram separados, unidos apenas pela idéia de um dia decisivo, 23 de abril, que em promessa adolescente seria sempre a comemoração de um amor, e data de um encontro nas pedras, diante do mar. Os opostos se atraem, se misturam e depois se separam, e hoje cada um vive distante do outro, ele com esposa e filho, ela com uma filha. Material de base bastante interessante, não fosse um conflito de opostos que coloca em cheque todo o interesse filme: um personagem sem ator que o encarne, uma atriz sem uma personagem em que trabalhar. E, mais que isso, uma diretora que parece bastante interessada em fazer funcionar um roteiro mas que se revela bem pouco apta a construir e organizar o campo visual em torno de uma idéia construída para a iamgem e para o som. Daí a profusão de planos fechados que ficariam melhores mais abertos, ou planos médios que se resolveriam melhor em closes. Sente-se até que a gramática reiterativa e desgastada da telenovela resolveria melhor diversas seqüências. Em todo caso, outro conflito de opostos: um desejo de encenar-roteiro que não é respaldado por um desejo de encenar-mundo.

Restam alguns momentos fortes, ilhotas no meio de um mar de obviedades e situações de comicidade fácil: o engenheiro em crise de meia-idade brincando com o joguinho de construção no computador do filho, se reimaginando no mitológico Projeto Rondon, no qual construiu uma cidade inteira (ainda que ela só tivesse uma rua); ou então as cenas com Bruna Marquesini, filha de Lia (e também de Rodrigo, saberemos rapidamente), espécie de anjo intocado pela difícil gestão das diferenças no mundo, e, portanto, espécie de mediadora da volta dos pais. Nem o desastre que geralmente são nossas comédias "de grande mercado" (Avassaladoras, ou o próprio Como Ser Solteiro) nem algo levado a cabo com olho de cineasta, Mais uma Vez Amor sabe ser docilmente dispensável.

Ruy Gardnier