LANÇAMENTOS DO MÊS EM DVD
coluna mensal

ANÍBAL
Annibale
, Itália/EUA, 1960
(Classic Line)

Filmes de Edgar G. Ulmer são raros de se encontrar, o que torna o lançamento de Aníbal incontornável. O ex-assistente de Murnau segue o mais maldito dos cineastas americanos e admirá-lo depende muito da capacidade do espectador de se entregar à apreciação da mise en scène. Esta produção italiana é surpreendentemente grande para os padrões paupérrimos aos quais Ulmer estava acostumado: há um astro (Victor Mature em final de carreira), cenas de batalha com centenas de extra e uma direção de arte capaz de sugerir um pouco de senso de época. Ulmer aproveita como pode a oportunidade, especialmente no uso das locações italianas. A inexpressividade habitual de Mature se torna chave-motor deste perverso filme: com menos de meia hora, Aníbal está nas portas de Roma e depois disso seguimos uma longa – e quase desprovida de ação – espera. Porque ele não a invade? Ulmer acaba construindo o forte estudo sobre as dificuldades da liderança. Outra boa lembrança de que os pepluns italianos são muito mais interessantes do que sua fama indica (outra boa introdução é o brilhante Hercules na Conquista de Atlântida, lançado pela Classic Line ano passado).

ANOS DE REBELDIA, de Dennis Hopper
Out of the Blue, EUA, 1980
(Aurora)

Aurora DVD estréia com um belo pacote de filmes (o principal sem dúvida sendo O Beijo Amargo de Fuller). Menos conhecido é este Out of the Blue, o melhor dos filmes dirigidos por Hopper, em que o cineasta faz um ex-presidiário cujo retorno a casa termina sendo explosivo. A carreira de Hopper pode ser divida entre três primeiros filmes independentes e os quatro últimos mais abertamente comerciais. Ele sempre foi mal narrador (problema grave nos últimos filmes) e inepto tecnicamente (problema principal de Sem Destino), mas aqui isto não incomoda. Hopper é bastante feliz no trabalho com os atores (em especial Linda Manz) e, ao organizar o filme como grandes blocos de sentimentos exarcebados, ele consegue servir muito bem tanto aos seus talentos de diretor quanto ao material sobre família disfuncional. A sensação de desgaste e parada final é impregnante, assim como o tom de filme no limite que o cineasta mantém. O filme parece estar sempre prestes a se auto-destruir, o que finalmente se concretiza na ultima seqüência.

O ECLIPSE, de Michelangelo Antonioni
L’Eclisse, Itália, 1962
(Versátil)

Poucos cineastas são tão mal vistos quanto Michelangelo Antonioni, o que torna ainda mais imprescindível a chegada em DVD de O Eclipse. O cinema de Antonioni vai muito além do rótulo de cineasta do tédio e dos famosos planos em que a câmera acompanha personagens caminhando sozinhos (o que é mal na boca dos fãs, é pior ainda nos filmes deles, basta ver a quantidade de sub-Antonionis que aparecem nos festivais). A evidência está em cada plano de O Eclipse, partindo de sua forma de filme-ensaio que salta de tema em tema – sim, é um filme sobre mal-estar do homem moderno, mas a idéia é abordada por uma série de ângulos muito além da mera idéia do tédio – e sua capacidade de realçar as diversas facetas do cineasta (as cena na Bolsa são um primor de observação de detalhes e coreografia de multidão, por exemplo). Cada plano de O Eclipse é carregado de uma significação a priori, justamente porque é este excesso de significado que está em jogo aqui. Como se preenche a História? Cada espaço por onde as personagens passam está carregado dela. A celebrada seqüência final, muito mais do que a falência da história central, sugere a existência de diversas outras histórias presentes ali, até mesmo numa rua vazia.

EXITO FUGAZ, de Michael Curtiz
Young Man with a Horn, EUA, 1950
(Warner)

Dentro das duas caixas com filmes de Doris Day que a Warner acaba de lançar, o grande destaque é este Êxito Fugaz dirigido pelo operário padrão do estúdio à época Michael Curtiz. Trata-se de um destes felizes acidentes que cinema americano da época ocasionalmente produzia, com Kirk Douglas como um inarticulado trompetista com tendências auto-destrutivas. O material é um standard da biografia de músicos – ele só funciona enquanto toca, etc. –, mas é levado aqui pelo cineasta e seus colaboradores a seu limite. Raramente a patologia de um personagem num filme comercial é levada até o ponto que Curtiz e Douglas a carregam na seqüência climática. Êxito Fugaz também é um bom exemplo das vantagens de se trabalhar a partir de um material que o espectador conhece bem, a inevitável recuperação que marca esta estrutura deste tipo de filme, mas o tratamento dado aqui como um pós-fato desimportante acaba se tornando parte integrante do fascínio do filme, é menos o filme jogar contra o seu final feliz, e mais observá-lo tornar-se parte integrante de uma partitura: as últimas notas que parecem acompanhar o espectador até a saída do cinema. Ainda na coleção Doris Day, atenção para A Espiã das Calcinhas de Renda, filme bastante menor dentro da filmografia de Frank Tashlin, mas mesmo assim obra de interesse de um grande cineasta.

INOCÊNCIA, de Walter Lima, Jr.
Brasil, 1983
(Paramount)

A Coleção Brasil da Paramount finalmente se justifica com o lançamento de dois belíssimos filmes que Walter Lima Jr fez nos anos 80 (Inocência e Ele, o Boto). Dos dois o mais interessante provavelmente é Inocência, no qual, partindo do romance do Visconde de Taunay, o cineasta termina por realizar um grande trabalho de reconstrução cinematográfica. Num extremo está o melodrama romântico, gênero geralmente visto com maus olhos dentro do cinema brasileiro, que Lima executa com grande delicadeza. No outro extremo uma passagem por toda uma história do cinema brasileiro nos 50 anos que antecediam o filme: esta lá Humberto Mauro, mas também Lima Barreto, o Cinema Novo (na figura do cineasta) e a Embrafilme (de cuja estética Inocência certamente não destoa). Muitas destas mesmas qualidades também são visíveis em Ele, o Boto.

O PROCESSO DE JOANA D’ARC, de Robert Bresson
Le Process de Joanne D’Arc, França, 1962
(Versátil)

A última parte do quarteto da prisão de Robert Bresson (a Magnus Opus anuncia para breve o lançamento do ainda maior Diário de um Pároco de Aldeia) e com certeza uma das obras-primas do cineasta francês. Trata-se de um filme de impressionante concisão que concentra em pouco mais de hora todo o processo do título. Bresson entra, portanto, pela porta dos fundos no tema, ficamos apenas com Joana D’Arc no interrogatório, com os momentos mais supostamente cinematográficos sendo apenas narrados. É um grande estudo sobre a voz de Florence Delay (cuja atuação aqui é um bom argumento contra a tola idéia de que Bresson não dirige seus atores). É como se o filme todo repousasse na voz tranqüila da atriz que responde com calma todo tipo de pergunta dos seus inquisidores. Como ela consegue manter este tom, parece perguntar o filme? No texto de abertura, Bresson menciona que não há nenhum tipo de retrato de Joana D’Arc, mas há algo mais importante e revelador que são os arquivos de processo, o filme que ele realiza parece existir para justificar tal afirmação. Se elogiamos o bom trabalho que Versátil realiza também não podemos deixar de mencionar seus deslizes. A recente edição dupla de Ludwig de Visconti não conta com a recente restauração do filme (apesar de seu disco de extras contar com um documentário sobre ela!), mas sim com uma cópia 1:66 – o filme é em 2:35 – de qualidade bastante inferior. Não deixa de ser inegavelmente preferível ao VHS disponível, mas fãs de Visconti devem ponderar bem antes de adquiri-la, o formato edição de luxo parece existir para tentar minimizar em vão o estrago da cópia ruim. Para aumentar a decepção nos extras podemos conferir trechos de Ludwig tal como Visconti pretendia que nós o conhecêssemos.


Filipe Furtado