ESPANGLÊS
James L. Brooks, Spanglish, EUA, 2004

O cinema de James L. Brooks é uma arte de boa observação. Daí o seu estilo - que, antes de ser televisivo, busca uma certa neutralidade de imagem (a não confundir com qualquer tipo de objetividade), que procura antes de mais nada valorizar as ações dos seus personagens. Espanglês trata-se sem dúvida de um filme onde se destacam primeiramente o texto e os atores, mas, se Brooks abre mão de fazer qualquer comentário pela imagem que não esteja na matéria bruta dela, ele também domina muito bem suas opções dentro das delimitações que se auto-impôs. Se há uma fragilidade no cinema de Brooks, ela ocorre justamente porque suas habilidades de observador tenderem a lhe deixar na mão quando ele se afasta muito do que conhece. Daí se origina um claro desequilibro em Espanglês: por mais simpático que o cineasta seja em relação a personagem de Paz Vega, o filme se sente muito mais à vontade quando lida com os problemas dos seus patrões. Espanglês acaba, por conta disso, tendo uma irregularidade que os melhores filmes de Brooks não têm. Como um filme sobre as dificuldades de relação entre duas culturas que ele quer ser, é um trabalho incompleto e mal resolvido - mas, em compensação, o filme em torno do filme é bastante forte.

Jean Renoir costumava elogiar Leo MacCarey dizendo que "ele entende as pessoas" e, dadas as devidas proporções, o mesmo pode se dizer de Brooks. Isto se estende tanto para seus personagens como para o seu público, o que gera um jogo duplo por vezes complicado. Há um lado corrupto no cinema de Brooks que não temos como deixar de lado. Talvez não haja no cinema americano talento tão grande para trabalhar material autocongratulatório, em fazer o espectador se sentir superior sem que este perceba. Mas o pior é a forma como Brooks contemporiza com freqüência. Pegue-se, por exemplo, a péssima narração em off de Espanglês: o problema não se trata simplesmente dela ser óbvia e simplificadora, mas sobretudo da forma como a estrutura dela se apresenta (ma carta para uma grande faculdade escrita anos depois pela filha de Vega) suavizar todo o filme e tirar toda a força do clímax, ao garantir ao espectador que, independente do seu sentimento em relação ao desenlace, a longo prazo tudo vai acabar bem. Difícil acreditar que ela pertença ao mesmo filme que inclui muitos diálogos em espanhol (mais de um terço do filme) e que deixa sem soluções todas as subtramas envolvendo os atores mais famosos. Onde este talento de Brooks mostra seu lado positivo é no trabalho com os atores. Adam Sandler, por exemplo, nunca esteve melhor do que aqui e sempre que o filme se centra na figura dele cresce. A atenção de detalhe de comportamento em Espanglês impressiona, cada pequeno movimento dos atores é valorizado ao máximo pelo cineasta.

Se o filme nunca funciona na sua idéia de confronto de culturas, esta abre espaço para um dos grandes achados de Brooks: transformar o ato de tradução numa forma de negociação. Isto ganha força especialmente nas cenas entre pais e filhos. Brooks sempre se interessou pelas diferentes formas que personagens usam para negociar uma posição, mas aqui, por estar fazendo um filme bilíngüe, isto ganha um senso novo de direção. Negociar vira uma forma de transformação de posições que primam justamente pelo conflito entre os personagens mais maleáveis da família de Sandler e os pontos de vista fixos de Paz Vega. Isto valoriza muito as seqüências entre os dois atores, cujas cenas nos primeiros dois terços do filme são sempre bilíngües - e a opção de Brooks em escalar uma atriz que não sabe falar inglês comprova o talento de observador do cineasta.

Filipe Furtado