O cinema de James L. Brooks é
uma arte de boa observação. Daí o seu estilo - que,
antes de ser televisivo, busca uma certa neutralidade
de imagem (a não confundir com qualquer tipo de objetividade),
que procura antes de mais nada valorizar as ações dos
seus personagens. Espanglês trata-se sem dúvida
de um filme onde se destacam primeiramente o texto e
os atores, mas, se Brooks abre mão de fazer qualquer
comentário pela imagem que não esteja na matéria bruta
dela, ele também domina muito bem suas opções dentro
das delimitações que se auto-impôs. Se há uma fragilidade
no cinema de Brooks, ela ocorre justamente porque suas
habilidades de observador tenderem a lhe deixar na mão
quando ele se afasta muito do que conhece. Daí se origina
um claro desequilibro em Espanglês: por mais
simpático que o cineasta seja em relação a personagem
de Paz Vega, o filme se sente muito mais à vontade
quando lida com os problemas dos seus patrões. Espanglês
acaba, por conta disso, tendo uma irregularidade que
os melhores filmes de Brooks não têm. Como
um filme sobre as dificuldades de relação entre duas
culturas que ele quer ser, é um trabalho incompleto
e mal resolvido - mas, em compensação, o filme em torno
do filme é bastante forte.
Jean Renoir costumava elogiar Leo MacCarey dizendo que
"ele entende as pessoas" e, dadas
as devidas proporções, o mesmo pode se dizer de Brooks.
Isto se estende tanto para seus personagens como para
o seu público, o que gera um jogo duplo por vezes complicado.
Há um lado corrupto no cinema de Brooks que não temos
como deixar de lado. Talvez não haja no cinema americano
talento tão grande para trabalhar material autocongratulatório,
em fazer o espectador se sentir superior sem que este
perceba. Mas o pior é a forma como Brooks contemporiza
com freqüência. Pegue-se, por exemplo, a péssima narração
em off de Espanglês: o problema não se trata
simplesmente dela ser óbvia e simplificadora, mas sobretudo
da forma como a estrutura dela se apresenta (ma carta
para uma grande faculdade escrita anos depois pela filha
de Vega) suavizar todo o filme e tirar toda a força
do clímax, ao garantir ao espectador que, independente
do seu sentimento em relação ao desenlace, a longo prazo
tudo vai acabar bem. Difícil acreditar que ela pertença
ao mesmo filme que inclui muitos diálogos em espanhol
(mais de um terço do filme) e que deixa sem soluções
todas as subtramas envolvendo os atores mais famosos.
Onde este talento de Brooks mostra seu lado positivo
é no trabalho com os atores. Adam Sandler, por exemplo,
nunca esteve melhor do que aqui e sempre que o filme
se centra na figura dele cresce. A atenção de detalhe
de comportamento em Espanglês impressiona, cada
pequeno movimento dos atores é valorizado ao
máximo pelo cineasta.
Se o filme nunca funciona
na sua idéia de confronto de culturas, esta abre espaço
para um dos grandes achados de Brooks: transformar o
ato de tradução numa forma de negociação. Isto ganha
força especialmente nas cenas entre pais e filhos. Brooks
sempre se interessou pelas diferentes formas que personagens
usam para negociar uma posição, mas aqui, por estar
fazendo um filme bilíngüe, isto ganha um senso novo
de direção. Negociar vira uma forma de transformação
de posições que primam justamente pelo conflito entre
os personagens mais maleáveis da família de Sandler
e os pontos de vista fixos de Paz Vega. Isto valoriza
muito as seqüências entre os dois atores, cujas cenas
nos primeiros dois terços do filme são sempre bilíngües
- e a opção de Brooks em escalar uma atriz que não sabe
falar inglês comprova o talento de observador do cineasta.
Filipe Furtado
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