ENTREVISTA COM A PRODUTORA LUMIÔ
 

Três filmes, uma proposta estética coesa, um conjunto temático que revela uma visão satírica e estilizada de algumas peculiaridades de Brasília, um clima de folhetim que não esconde a preocupação de dialogar com o público: a produtora Lumiô definitivamente marcou presença no X Festival Brasileiro de Cinema Universitário. Entrevistamos os diretores dos filmes da produtora que aqui estiveram – Santiago Dellape (Papá), Guilherme Campos (Seqüestramos Augusto César e Papá) e Érico Cazarré (Maria Morango) – e eles nos enviaram uma resposta coletiva, em nome da Lumiô Filmes, que tanto confirma a articulação interna do grupo quanto revela um entusiasmo cativante em relação ao cinema que fazem.

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Vocês poderiam começar explicando do que se trata realmente a Lumiô: o que é, como surgiu, qual a proposta (um "cinema de galera"?), como vocês conseguem recursos, quais os planos futuros e qual a relação com a faculdade de cinema.

Lumiô Filmes é uma cooperativa formada por 4 amigos que se conheceram na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Começamos em 2002 com produções independentes em vídeo digital (O Elevador, Bagulho Bom e Passeio Noturno). Com menos de um ano de atividade tivemos dois projetos contemplados no edital regional de apoio à cultura (FAC – Funda da Arte e da Cultura, da Secretaria de Cultura do DF). Recebemos 6 mil reais para produzir o Papá em vídeo digital e 12 mil para produzir o Macacos Me Mordam também em digital, ambos curtas-metragens. Em 2004 fomos novamente contemplados no mesmo edital com o projeto de finalização em película do Papá, que foi ampliado para 35mm. Outros dois projetos nossos também tiveram a finalização apoiada pelo governo: o Maria Morango e o Seqüestramos Augusto César. O primeiro foi realizado como trabalho do 7º semestre do curso de Audiovisual, e o segundo foi o projeto de conclusão de curso do Guilherme Campos. Resumindo, começamos em produções digitais independentes para depois ingressarmos na política cinematográfica e captarmos recursos para nossas produções (que continuaram sendo em vídeo, mas dessa vez com algum orçamento). Gostamos de produzir em vídeo pela facilidade e pelo baixo custo que o mesmo representa, além da crescente qualidade tecnológica que o mesmo vem adquirindo, agora com a possibilidade de alta definição (HDV) e do 24 quadros por segundo. A finalização em película ainda se faz necessária para que as obras possam alcançar alguma visibilidade nos festivais país afora.

Para este ano está programada nossa primeira produção de longa, um filme chamado "Véi", que será gravado em vídeo digital com orçamento zero. O filme tem uma proposta experimental, de retratar o cotidiano de jovens da classe média-alta brasiliense, num tom que fica na fronteira entre o documental e a ficção. Acabamos de ser premiados em outro edital de fomento, o do Pólo de Cinema e Vídeo do DF, com 35 mil reais para a realização de um curta em 16mm, chamado "Bem Vigiado", que vai no sentido inverso de "Véi" e retrata um dia na vida de jovens guardadores de carro no centro da capital. "Bem Vigiado" será rodado em 2006. Ainda em 2005, lançaremos em DVD o curta Macacos Me Mordam e em 16mm o curta de terror A Vingança da Bibliotecária, sendo que esta foi uma produção totalmente independente.

Assistindo aos 3 filmes que vieram para o Festival Universitário, podemos depreender um projeto estético de conjunto por parte da Lumiô. Há toda uma relação com um cinema pós-Tarantino/Rodriguez que perpassa os filmes de maneira às vezes bastante explícita (a citação de figurino a Kill Bill em Maria Morango, por exemplo). A questão de um diálogo com essa facção do cinema contemporâneo surgiu na base mesma do projeto ou foi algo que se deu nos filmes à medida que eles eram feitos? E o que vocês esperam do diálogo com o público, ele deve se dar através das referências a esses filmes ou a proposta é chegar ao público diretamente?

A proposta em torno da qual nós quatro nos reunimos é realizar um cinema popular que fosse na contramão do que costumávamos assistir no circuito de festivais. Queríamos evitar o dito cinema-cabeça, que costuma ser restrito aos próprios realizadores e aos poucos intelectuais que conseguem entender esses filmes "densos". Queríamos experimentar um cinema popular, que dialogasse com o público e retratasse a realidade brasileira. Acho que o termo "pop" está desgastado e não serve para qualificar o tipo de cinema que buscamos fazer. Queremos agradar o grande público com enredos nos quais ele se identifique, mas não queremos esbarrar no molde "novelão" para isso. Acreditamos ser possível desenvolver um cinema inteligente e ao mesmo tempo acessível, sem recorrer a vulgaridades para cair nas graças do público. Popular é o adjetivo que melhor resume nossa proposta. Tentamos fazer filmes com que nos divertiremos vendo depois de prontos.

Salta aos olhos a preocupação de vocês com o trabalho de cenografia e figurino, montando um universo ao mesmo tempo de puro clichê (como se todas as locações estivessem recobertas com um papel de parede que é já-imagem, já citação a outras imagens) e de uma apurada concepção de ambiência. Gostaria que vocês comentassem esse trabalho cuidadoso com a direção de arte.

Para nós, o fato de possuir um apelo popular não significa ser de mau gosto. O objetivo é dialogar com o público e propor também a transfiguração da realidade através do idealismo estético. A utilização do clichê e do estereotipo é válida para um cinema dito popular, pois facilita a identificação do público com o personagem e o enredo. A questão estética de certa forma se diferencia mesmo entre filmes de mesmo gênero. Por exemplo, a forte influência circense do cinema d`Os Trapalhões era o elemento estético de muitos filmes. Porém nos filmes de Mazzaropi a preocupação estética já era outra. É obvio que isso depende da temática do filme, da equipe de produção, da visão do diretor, etc. Já os nossos filmes possuem forte influência estética de uma marginalidade malandra idealizada. Esse conceito estético dos filmes Lumiô é baseado em uma concepção de design de produção e direção de arte que pretende imprimir uma brasilidade visual idealizada intitulada "Na chinfra Malasartes".

Essa chinfra possui referências estéticas dos filmes da Blaxploitation, de filmes Jamaicanos e obviamente do cinema brasileiro (contemporâneos e das pornochanchadas).

(Mas isso não significa que sempre iremos seguir essa tendência estética, O mundo dá voltas e cada caso é um caso... O que quero dizer é que já temos um conceito estético batizado e construído ao longo de nossas produções. E com tempo, perceberemos a sua evolução nas futuras produções e a conseqüente reação do público e da crítica.)

Percebe-se em termos de figurino um visual mais exagerado, muito colorido e com forte tendência setentista. Os cenários e as locações são escolhidos em função de diversos fatores. Mas a pesquisa prévia, a tentativa de utilização de locações reais e a boa noção fotográfica e artística são as melhores alternativas estéticas para a locação e cenário de nossos filmes, inclusive a utilização de figurantes e transeuntes reais das verdadeiras locações mostra-se eficiente para o realismo mesmo que transfigurado de uma cena.

Em Papá, vemos uma articulação de vida política e vida privada em Brasília que se dá a meio caminho entre o folhetim e a sucessão de esquetes cômicos. Maria Morango e Seqüestramos Augusto César, por sua vez, também trabalham numa chave de farsa que tematiza, com destaque, a mídia. Em que medida isso reflete uma visão de vocês sobre o que é Brasília?

Na verdade são três visões diferentes e complementares do que é Brasília. Em Maria Morango vemos retratada uma "rua" conhecida por todos os que moram na cidade, "a rua das putas". Junto com o Seqüestramos, o Maria Morango retrata o que seria o underground da capital, a quem a mídia costumar dispensar poucas linhas. Já o Papá pretende desvendar os bastidores da politicagem, de quem controla os meios de comunicação, e toda essa sujeira que rola solta por aqui. Conscientes da abrangência de realidades que o nosso país oferece, tentamos representá-las todas como num grande mosaico – nossos filmes funcionam melhor juntos do que separados.

Entrevista feita via e-mail por Luiz Carlos Oliveira Jr.

 

 





Papá, de Santiago Dellape e Guilherme Campos...


...e Maria Morango, de Érico Cazarré