Uma maneira um tanto desenvolta de tratar Honkytonk
Man seria escrever – o que aliás é
verdade – que, depois de se deixar tomar por John Wayne,
Clint Eastwood se toma agora pelo próprio John
Ford. Poderíamos rapidamente reunir índices
que o provassem, apontar citações precisas,
evocar o começo do filme, uma tempestade de poeira
que se refere explicitamente a As Vinhas da Ira.
Sim, poderíamos dizer tudo isso, mas ainda assim
toparíamos com o fato agora incontornável
de que Clint Eastwood é um autor completo. Porque
se até agora era possível ver nele somente
um ator dotado tornado cineasta talentoso por inclinação
pessoal, é preciso reconhecer, depois de Honkytonk
Man, que ele é um pouco mais que isso. Já
tem alguns anos que ele alterna projetos pessoais e
puros com simples veículos destinados a alimentar
sua imagem de marca. Depois do fracasso de Bronco Billy,
houve Punhos de Aço (Any Which Way
You Can, 1980, dir. Buddy Van Horn) e Firefox,
a Raposa de Fogo (Firefox, 1982, dir. Eastwood),
depois de Honkytonk Man ele está prestes
a rodar um quarto volume das aventuras do inspetor Dirty
Harry. A obstinação que leva Eastwood
a filmar puros e simples arcaísmos, destinados
a público nenhum e pegando ostensivamente o contrapé
de todos os valores que a Hollywood de hoje coloca como
os mais altos, não vem de um ator egocêntrico,
de um cineasta azedo ou de um produtor revanchista.
Esse cinema familiar, ao lado da fogueira, vagamente
elegíaco e inteiramente impregnado de paisagem
americana não tem uma utilização
polêmica, não pertence a alguém
que deseja dar uma lição ou de um nostálgico
da velha Hollywood, esse cinema é simplesmente
o cinema de Eastwood. E agora tornou-se mais claro,
na medida em que ele decidiu não renegar a veia
de Bronco Billy mas, ao contrário, aprofundá-la,
que todo o resto de sua atividade, talvez mercenária
mas nunca desenvolta, se destina apenas a proteger esse
pedaço de território. Esse pedaço
de terra. Esse bocado de terra. Como Cimino, Eastwood
só fala disso. E Honkytonk Man, que se
abre justamente com a terra que ocupa todo o espaço,
é um filme inteiramente colocado sob o signo
da poeira, do ar, dos elementos. Seu único tema,
magnífico, é mostrar como a terra dá
nascimento à música. Como o solo dá
feitio à alma. Um cantor country acompanhado
de seu sobrinho, ainda adolescente, atravessa a América
profunda do Oklahoma até Nashville, onde ele
terá que fazer um teste para o Gran’Ole Opry,
um programa de televisão bastante popular. Seus
pulmões estão carcomidos pela tuberculose,
estamos nos anos trinta, e ele reúne suas últimas
forças para fazer essa viagem. O teste fracassa
porque os acessos de tosse não lhe dão
tempo suficiente para poder cantar em cena. Por sorte,
um produtor de discos presta atenção nele,
e faz com que ele grave suas canções,
e depois disso só resta ao personagem de Clint
Eastwood morrer. Não podemos dizê-lo com
mais simplicidade, a música – a arte, se quisermos
ser pomposos – nasce da poeira acumulada ao longo da
viagem. Essas canções nascem das estradas,
dos bares, elas nascem dos quartos de hotel miseráveis,
de aventuras sentimentais que não são
aventuras e nem mesmo histórias. Elas nascem,
portanto, de observar as pessoas vivendo. E cada dia
que passa, cada nova paisagem adiciona uma nuance à
composição que se constitui. O músico
não é somente médium, ele é
também, literalmente, peneira. O espírito
do país, o coletivo, se mistura à sua
substância individual para dar vida à canção.
E, em boa lógica, a vida deixa o músico
à medida que ele a restitui através da
música. Através de suas canções
que permanecerão sem dúvida anônimas
e realizarão seu ciclo natural, que é
retornar à memória coletiva.
Clint Eastwood filma o sul dos Estados Unidos como faria
um cineasta regional, como se Hollywood não tivesse
existido. Ele sabe encontrar, para mostrar uma música
que ele ama, imagens não que ilustram, mas que
se impregnam dessa música. Tudo nele é
problema moral e ele sabe através de cada plano,
através de cada instante de seu filme se mostrar
digno do modelo de integridade que ele coloca no centro
de sua narrativa. E mesmo o tom levado de forma um pouco
insistente para o melodrama e que pode incomodar o espectador
de cinema serve para aproximar o filme de sua referência
musical. Clint Eastwood realizou aqui um belíssimo
filme que renova com toda uma parte da inspiração
do cinema americano que a lei do comércio há
muito tempo dispensou.
Olivier Assayas
(Originalmente publicado na revista Cahiers du Cinéma
nº353, novembro de 1983. Traduzido do francês
por Ruy Gardnier)
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