No cinema codificado de Emilio
Fernández, cercado de referências históricas
e de traços de um projeto de cinema nacional,
encontramos antes de mais nada o grande cinema de gênero,
ilustrado pelos enquadramentos e iluminações
magníficas de Gabriel Figueroa. Com os pés
fortemente fincados no melodrama, Fernández cria
variações em torno das situações
que formam o corpo do repertório de uma imaginação
melodramática. E em cima de relação
mãe-e-filho, presente aqui e ali em seus filmes,
há a figura da criança. Não uma
criança qualquer, romantizada e quase santificada,
como reduto da pureza e da imaculação,
que a mãe teria necessariamente perdido nos trágicos
percalços da vida, mas uma criança cujo
destino é também trágico. Em seu
percurso estarão projetadas as sombras do destino
que assolou seus pais, garantindo-lhe uma dor incurável
no peito, oriunda de uma vida sem muito espaço
para a compaixão, na qual qualquer esquina a
dobrar pode ser sinônimo de desgraça.
Em Vítimas do Pecado, Juanito começa
sua triste trajetória de filho ilegítimo
sendo abandonado pela mãe, Rosa, numa lata de
lixo, por pressões sofridas por seu cafetão,
Rodolfo. Resgatado por Violeta, uma amiga também
prostituta, ele ganha um lar (um cabaré) e uma
mãe adotiva. Ambos têm a proteção
de Santiago, dono do cabaré. Rodolfo, com a firme
intenção de ter Violeta trabalhando pra
si, ameaça Juanito. Violeta, mãe protetora,
enfurecida, parte em defesa do filho e é espancada.
Rodolfo é preso. Mas chega o dia em que sua pena
chega ao fim e ele volta para vingar-se. Mata Santiago.
E Violeta mata Rodolfo. E vai presa. Juanito é
abandonado à própria sorte. Vivendo nas
ruas, ele faz o que pode pra sobreviver, exercendo a
função de engraxate. Todo dia de visita
na prisão lá está Juanito para
encontrar emocionado sua mãe. Trabalhando duro
para se sustentar e amargurado pelas grades que mantêm
sua mãe longe dele, o papel que Fernández
concede a Juanito não é nada ameno. Personificando
uma figura de criança sofrida, ele precisa administrar
por conta própria seu drama. O dia das mães
aponta no calendário e tudo o que o menino quer
é ofertar à sua mãe um par de sapatos,
pois os dela já estão em farrapos. Depois
de muito trabalhar juntando miúdos, ele consegue
finalmente comprá-lo. Mas ao chegar na prisão,
o horário de visita haveria findado. Reunindo
todas as suas forças restantes, se apoiando em
seu espírito batalhador, Juanito fala ao diretor
da prisão. Emocionado, este fala ao presidente,
que termina decidindo soltar Violeta. O final abrupto
coroa uma trajetória dolorosa, na qual as penúrias
do menino, cujo valor maior na vida é o amor
da mãe (que o resgatou da morte), entoam a emoção
do espectador. Juanito, personagem de ação,
é quem conduz as afirmações de
valores do filme. Ao sair da prisão de mãos
dadas com sua mãe, ele é o grande vitorioso
dos desmandos cruéis da vida, que levam à
desonra tantos seres. A moralidade encenada por Fernández
neste filme está nesta figura infantil, que com
toda sua inocência intrínseca experimenta
o mundo tal como ele é feito pelos homens.
Já em Pueblerina, é Felipe, outra
criança ilegítima, que vai estar na pele
deste anjo caído que acompanha uma série
de desgraças. Filho de Paloma, noiva de Aurélio,
ele é fruto de um estupro desta por Julio González,
manda-chuva do vilarejo junto com seu irmão Ramiro.
É ele que recebe a volta de Aurélio da
prisão (por ter disparado contra Julio quando
do atentado). Desconfiado, pois mora distante, isolado
numa choupana com a mãe, ele chama Paloma ao
reencontro com o amado. Ela a princípio recusa-se
a viver novamente com o noivo, pois não se julga
digna dele; é uma mulher manchada. No entanto,
Aurélio está firme em seu propósito
de (re)formar sua família. E é Felipe
quem, indiretamente, faz Paloma se enternecer e ceder,
pois acaba se afeiçoando àquele que o
trata como um filho, chamando-o de pai. O núcleo
familiar é então refeito na lavoura. Entretanto,
os irmãos González não permitirão
que, como outsiders renegados, problemáticos
e indesejados, eles prosperem. Tal autênticos
coronéis, em sua posição de autoridade
máxima no vilarejo, eles os condenarão
à morte, não comprando seus produtos agrícolas.
A família decide, pois, fugir para longe, sendo
perseguida pelos irmãos. Felipe assiste então
ao duro confronto entre seu pai e os bandidos. Muitos
tiros trocados, os González são jogados
finalmente ao chão e a família segue seu
percurso rumo a outra terras.
Marguerito, também sem pai, por seu lado, nunca
teve uma família. Sua mãe, uma de Las
Abandonadas, logo o deixa aos cuidados de uma amiga,
pois torna-se prostituta de luxo para ganhar a vida
e não se sente digna do filho. Orgulhosa dele,
no entanto, Margô vai visitá-lo sempre,
com imensa alegria e com a dor de quem aceita contrariada
os ditames de uma vida injusta. Quer para o seu filho,
portanto, um futuro dos melhores, no qual ele, homem
distinto, possa gozar de dias mais afortunados. O que
por um momento também parece vir para ela. Margô
conhece no cabaré Juan Carlos, coronel de alta
estirpe que se apaixona por ela à primeira vista
e a leva para morar num palacete. Também enamorada
e extremamente feliz, ela, no entanto, esconde dele
a existência do filho. O menino, a cada vez que
encontra a mãe, não se contém de
ternura. A melancolia neste cenário não
tem muito espaço, pois sabemos que são
os desígnios da sociedade que devem ser ouvidos
antes de mais nada. As atitudes de Margô devem
ser aceitas como inevitáveis, por mais que fiquemos
tomados de candura ao ver Marguerito tão triste
por falta da mãe. Falta que ele sentirá
pro resto da vida, pois que, desmascarado Juan Carlos,
na verdade um bandido que havia se apossado da identidade
de um coronel morto, Margô acaba na prisão
como cúmplice, mesmo que totalmente inocente.
Em algum canto nos dizemos que talvez seja sua "inocência"
sua grande culpa. Pois que Margarito, entregue a um
orfanato, espera ansiosamente por sua volta, que nunca
acontece. Ao sair da prisão, Margô vai
buscá-lo, mas em nome do futuro brilhante que
quer para o filho, bem-encaminhado pelo orfanato, e
da sua total falta de condições, renega-lhe
seu amor e torna-o órfão, dizendo-lhe
que sua mãe morreu. O menino chora. Precisamente
por ter alimentado falsas ilusões por tanto tempo.
Por ter sonhado com o afeto que um dia recebeu a conta-gotas,
mas já não lembra mais. Cresce e torna-se
então um advogado famoso, como que de ironia,
pela vitoriosa defesa de uma mulher acusada de assassinato
por defender a própria filha, dando de troco
a Margô (agora uma mendiga desconhecida), pelo
triste destino a ele impingido, uma moeda de esmola.
Juanito, Felipe e Marguerito, crianças de Fernández,
têm em comum uma série de sofridas desventuras,
que fazem de suas infâncias vivências mais
do que ilustrativas do princípio melodramático
que rege o mundo de Emilio Fernández. Descendentes
de algum tipo de pureza angelical, viram a tragédia,
falando em nome da moralidade, invadir seus dias. Como
crianças, são homens que carregam as sombras
e fantasmas de suas mães acidentadas em seus
caminhos que se iniciaram dignos e aguardam o futuro,
tempo-espaço no qual serão os únicos
responsáveis por si mesmos e finalmente vingarão,
tornando-se "gran hombres", como o ambicioso
desejo secreto de suas mães prefigurou.
Tatiana Monassa
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