Alberto Cavalcanti mostra rolo de filme a Eliane Lage (1951)
Eduardo Valente cobre o Festival de Cannes
para a Contracampo.
leia mais

Os filmes de Fritz Lang são a principal atração na nova seção. Ainda: Jacques Tourneur, Jack Nicholson e os lançamentos do mês em DVD.
leia mais

Clique aqui para receber o informativo mensal com as atualizações de Contracampo.
leia mais

 
 


 
     

Lugar no mundo, lugar ao sol

O mundo do cinema às vezes nos apresenta panoramas curiosos. O panorama-Cavalcanti, por exemplo: artista pioneiro, mito brasileiro inserido na história "oficial" do cinema, aquela desempenhada no hemisfério de cima, em contato com os grandes nomes da arte cinematográfica e também das outras. De forma curiosa, hoje sua memória vive confortavelmente nas citações – grandes artigos que ele escreveu ao longo de sua carreira – e na simples lembrança de que em algum momento houve um brasileiro entre os grandes em momentos decisivos da primeira metade do século, o nascimento do cinema documentário, a avant-garde francesa, até o primeiro sonho de cinema como arte industrial no Brasil (a Vera Cruz). Quanto aos filmes, estes permanecem bastante invisíveis em qualquer formato (incrível recorde negativo de nenhum filme lançado em VHS ou DVD), até que alguém decide a cada oito ou dez anos realizar uma mostra que vai exibir seus principais filmes, lançar um livro, e deixar tudo assentar por mais oito ou dez anos. Ao menos, vale dizer que o livro lançado em 1997, quando do centenário de Alberto Cavalcanti – Alberto Cavalcanti, organizado por Lorenzo Pellizzari e Claudio M. Valentinetti, editado pelo Instituto Lina Bo e P.M. Bardi –, era muito mais completo do que o recentemente lançado.

Parece que o lugar de Cavalcanti como homem mitológico é muito mais interessante para circular no mercado culto do cinema brasileiro do que o cineasta, tão pequena a divulgação de seus filmes. E a própria divulgação, quando existe, comporta um legado dúbio, uma separação em épocas muito mais do que uma tentativa de integração e um desejo de ver o que há de único na contribuição desse artista, em sua trajetória por diversos momentos da história do cinema e diversos países. Nossa presente edição, muito longe de dar a visão completa desse percurso, aponta simplesmente para certos aspectos de sua carreira e certos filmes específicos que podem nos ajudar a compreender Cavalcanti não a partir do lugar em que ele trabalha, mas a partir de um mesmo interesse de artista e cineasta, de experimentador de cinema.

Do lado de cinema da América Latina, um fenômeno que guarda algumas semelhanças: o melodrama mexicano e seu principal representante, Emilio Fernández, também é igualmente muito mais falado, comentado e publicado do que propriamente visto. Igual escassez de telas, fitas e discos, igual menção sem visão. Trajetória e memória diferente, porque trata-se de um cinema estrangeiro, mas ainda assim que guarda inúmeras similaridades com o processo brasileiro – cinema advindo do essencialismo popular em meados do século XX, subdesenvolvimento, pobreza, melodrama: tantas que nos sentimos até tentados a encarar essa obra como "nem tão estrangeira assim" – e com um diagnóstico semelhante, um certo lugar confortável para mencionar e debater mas com acessibilidade incrivelmente difícil à obra.

Aproveitando duas mostras recentes, essa edição de Contracampo se propõe a oferecer novos olhares sobre a obra de dois realizadores muito pouco vistos, mencionados muito mais pelo estigma do que pela visão dos filmes. Complementa a edição na seção DVD/VHS um dossiê sobre a obra de Fritz Lang lançada no país. E, surpresa: mesmo com tantos filmes disponíveis, a própria obra de Lang ainda se oferece a inúmeros julgamentos precipitados e os preconceitos de sempre. Ainda e mais uma vez, é questão de ver os filmes e dar seu testemunho. Boa leitura.

     
  Ruy Gardnier