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Lugar no mundo, lugar ao sol
O mundo do cinema às vezes nos apresenta panoramas
curiosos. O panorama-Cavalcanti, por exemplo: artista pioneiro,
mito brasileiro inserido na história "oficial"
do cinema, aquela desempenhada no hemisfério de cima,
em contato com os grandes nomes da arte cinematográfica
e também das outras. De forma curiosa, hoje sua memória
vive confortavelmente nas citações grandes
artigos que ele escreveu ao longo de sua carreira e
na simples lembrança de que em algum momento houve
um brasileiro entre os grandes em momentos decisivos da primeira
metade do século, o nascimento do cinema documentário,
a avant-garde francesa, até o primeiro sonho de cinema
como arte industrial no Brasil (a Vera Cruz). Quanto aos filmes,
estes permanecem bastante invisíveis em qualquer formato
(incrível recorde negativo de nenhum filme lançado
em VHS ou DVD), até que alguém decide a cada
oito ou dez anos realizar uma mostra que vai exibir seus principais
filmes, lançar um livro, e deixar tudo assentar por
mais oito ou dez anos. Ao menos, vale dizer que o livro lançado
em 1997, quando do centenário de Alberto Cavalcanti
Alberto Cavalcanti, organizado por Lorenzo Pellizzari
e Claudio M. Valentinetti, editado pelo Instituto Lina Bo
e P.M. Bardi , era muito mais completo do que o recentemente
lançado.
Parece que o lugar de Cavalcanti como homem mitológico
é muito mais interessante para circular no mercado
culto do cinema brasileiro do que o cineasta, tão pequena
a divulgação de seus filmes. E a própria
divulgação, quando existe, comporta um legado
dúbio, uma separação em épocas
muito mais do que uma tentativa de integração
e um desejo de ver o que há de único na contribuição
desse artista, em sua trajetória por diversos momentos
da história do cinema e diversos países. Nossa
presente edição, muito longe de dar a visão
completa desse percurso, aponta simplesmente para certos aspectos
de sua carreira e certos filmes específicos que podem
nos ajudar a compreender Cavalcanti não a partir do
lugar em que ele trabalha, mas a partir de um mesmo interesse
de artista e cineasta, de experimentador de cinema.
Do lado de cinema da América Latina, um fenômeno
que guarda algumas semelhanças: o melodrama mexicano
e seu principal representante, Emilio Fernández, também
é igualmente muito mais falado, comentado e publicado
do que propriamente visto. Igual escassez de telas, fitas
e discos, igual menção sem visão. Trajetória
e memória diferente, porque trata-se de um cinema estrangeiro,
mas ainda assim que guarda inúmeras similaridades com
o processo brasileiro cinema advindo do essencialismo
popular em meados do século XX, subdesenvolvimento,
pobreza, melodrama: tantas que nos sentimos até tentados
a encarar essa obra como "nem tão estrangeira
assim" e com um diagnóstico semelhante,
um certo lugar confortável para mencionar e debater
mas com acessibilidade incrivelmente difícil à
obra.
Aproveitando duas mostras recentes, essa edição
de Contracampo se propõe a oferecer novos olhares sobre
a obra de dois realizadores muito pouco vistos, mencionados
muito mais pelo estigma do que pela visão dos filmes.
Complementa a edição na seção
DVD/VHS um dossiê sobre a obra de Fritz Lang lançada
no país. E, surpresa: mesmo com tantos filmes disponíveis,
a própria obra de Lang ainda se oferece a inúmeros
julgamentos precipitados e os preconceitos de sempre. Ainda
e mais uma vez, é questão de ver os filmes e
dar seu testemunho. Boa leitura.
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